sexta-feira, 12 de abril de 2013

Ameaça de crise política está a endurecer as exigências da troika.


( …) “Este problema é provocado, segundo várias fontes europeias, à falta de liderança política da Comissão Europeia que não consegue sair do discurso e da cartilha da austeridade a todo o vapor devido ao seu receio permanente de desagradar à Alemanha.”

( …) “Muitas críticas ouvidas em Portugal ao programa de ajustamento parecem baseadas na convicção de que os empréstimos europeus são simultaneamente um direito nacional e uma obrigação dos credores. Não são nem uma coisa nem outra.”

( …) “A moral da história, é que quanto maior for o desentendimento entre o Governo e o PS sobre o programa de ajustamento, maiores serão as exigências da troika no que se refere ao cumprimento dos objectivos acordados. O que é o mesmo que dizer que a gesticulação do partido socialista para a renegociação do programa corre o risco de ter o efeito precisamente inverso ao pretendido.”


Ameaça de crise política está a endurecer as exigências da troika
Por Isabel Arriaga e Cunha in Público
13/04/2013

O desentendimento público entre o Governo e o PS está a abalar a confiança da zona euro na capacidade de Portugal cumprir os compromissos acordados em troca da ajuda externa, o que está a provocar um endurecimento das exigências da troika de credores internacionais ao país.
Este endurecimento tornou-se patente durante a 7.ª avaliação trimestral do programa de ajustamento económico e financeiro (a contrapartida dos empréstimos de 78.000 milhões de euros dos Governos europeus e do FMI) que decorreu no início de Março.
Pela primeira vez em dois anos, este processo - em que a troika (União Europeia e FMI) avalia os progressos realizados e negoceia com o Governo as metas a atingir no trimestre seguinte - esteve longe de ter corrido bem.
Foi por essa razão, aliás, que a missão de avaliação foi interrompida em meados de Março, e a libertação de uma nova parcela de empréstimos - no valor de 2.100 milhões de euros - que seria a sua conclusão lógica, ficou suspensa até à conclusão do processo, previsivelmente em Maio.
Oficialmente, a interrupção destinou-se a permitir ao Governo identificar a primeira parte dos 4000 milhões de euros de cortes permanentes das despesas públicas que o primeiro ministro, Pedro Passos Coelho, quer concretizar até 2015.
Esta explicação só corresponde em parte à verdade. A outra parte é que Governo e troika não se entenderam sobre vários pontos das negociações devido ao inesperado endurecimento das exigências. Segundo o PÚBLICO apurou, as dificuldades são sobretudo provocadas pelos técnicos da Comissão Europeia, que estão, aliás, a exasperar muitos dos seus interlocutores na Irlanda e na Grécia. Excesso de burocracia, falta de competência técnica e sobretudo falta de sentido da realidade dos países que estão a acompanhar são críticas frequentemente repetidas.
Este problema é provocado, segundo várias fontes europeias, à falta de liderança política da Comissão Europeia que não consegue sair do discurso e da cartilha da austeridade a todo o vapor devido ao seu receio permanente de desagradar à Alemanha.
Mas o endurecimento do discurso dos técnicos da troika também traduz o nervosismo que começa a instalar-se entre os Governos que garantem os empréstimos europeus sobre o desenrolar do debate político em Portugal devido sobretudo à ruptura consumada entre o Governo e o PS e às provocações acumuladas de parte a parte.
O Governo tem conseguido desde o início do programa de ajuda estar em posição relativamente confortável nas negociações com a troika devido antes de mais à sua determinação, repetida à exaustão, de cumprir escrupulosamente o programa de ajustamento que o acompanha. Mas tão ou mais importante para a posição negocial portuguesa era o facto de o programa de ajustamento beneficiar de um "amplo consenso político nacional" em torno dos seus objectivos, como os outros países gostavam de se congratular.
Por estas duas razões, Portugal foi sempre considerado, tal como a Irlanda, um caso exemplar, por maioria de razão nas comparações com a Grécia, considerada quase um caso perdido.
É certo que muitos dos elogios dos credores resultavam da sua necessidade de apresentar casos de sucesso para confirmar a bondade da receita da austeridade imposta. Mas ainda é mais verdade que os credores precisam de casos de sucesso para justificar junto dos respectivos parlamentos a continuação dos empréstimos que, é bom recordar, agravam a sua dívida pública.
Muitas críticas ouvidas em Portugal ao programa de ajustamento parecem baseadas na convicção de que os empréstimos europeus são simultaneamente um direito nacional e uma obrigação dos credores. Não são nem uma coisa nem outra.
"O apoio financeiro não é ilimitado para nenhum dos países com problemas", avisa o ministro das finanças de um dos países credores, mediante anonimato. Pior: o estado de espírito dos Governos e das suas opiniões públicas sofreu "uma alteração em termos de aceitação da solidariedade", vincou.
A verdadeira viragem foi provocada pelo programa de ajuda a Chipre, precisou o mesmo ministro, uma percepção que é confirmada por vários diplomatas em Bruxelas.
A obstinação com que o Governo de Nicósia resistiu, durante mais de um ano, ao pedido de ajuda, associado à forma como tentou usar a ajuda europeia para proteger o seu modelo económico de paraíso fiscal para fundos russos de origem duvidosa, alterou os termos do debate no Norte da Europa. Mesmo que esta leitura não corresponde inteiramente à verdade, é assim que é entendida em muitos países do Norte. Portugal não está livre de ser afectado por esta mudança de estado de espírito se se instalar nas outras capitais o receio de que o seu programa de ajuda corra mal.
Neste processo, "Portugal é penalizado duas vezes", refere um diplomata europeu. Ou seja, por causa de Chipre, e pelo fim do consenso nacional.
O chumbo de várias normas do orçamento de Estado pelo Tribunal Constitucional veio agravar ainda mais as coisas. De tal forma que, no início desta semana, vários países do euro queriam adiar uma decisão sobre o prolongamento dos prazos de reembolso dos empréstimos europeus a Portugal, separando o seu caso do da Irlanda (ver texto na página 2).
As garantias dadas pelo Governo de que tomará as medidas necessárias para compensar o buraco de 1326 milhões de euros aberto com este acórdão, e, em boa medida, a boa cotação de que o ministro das finanças, Vítor Gaspar, continua a beneficiar entre os seus pares, foram suficientes para demover as resistências iniciais de alguns países. Nem uma coisa nem outra livrará no entanto o país de um aumento da pressão dos técnicos europeus.
A moral da história, é que quanto maior for o desentendimento entre o Governo e o PS sobre o programa de ajustamento, maiores serão as exigências da troika no que se refere ao cumprimento dos objectivos acordados. O que é o mesmo que dizer que a gesticulação do partido socialista para a renegociação do programa corre o risco de ter o efeito precisamente inverso ao pretendido.

Sem comentários: