"A vida política em Portugal deixa de ter por base a tragédia e avança cada vez mais depressa a caminho da farsa." |
A farsa em torno do consenso político.
A agenda política em torno do consenso está contaminada pelo oportunismo e a hipocrisia
Editorial / Público 30/04/2013
A vida política em Portugal deixa de ter por base a tragédia e avança cada vez mais depressa a caminho da farsa. Os três principais vértices do sistema, o Presidente, o Governo e o PS não se cansam de apelar ao consenso, mas neste estranho jogo político o que tem faltado em empenho sobra em hipocrisia. O Governo pede ao PS que se aproxime, mas só depois de desistir do essencial da sua proposta política (a renegociação dos termos do acordo com a troika). O PS, por seu lado, disse ontem que só voltará a sentar-se com o Governo se este "clarificar" com urgência o que pensa das propostas socialistas - como se o aviso de que não há margem para a renegociação não fosse uma "clarificação" mais do que suficiente. Perante tamanho desaguisado, caberia ao supremo magistrado da nação fazer pontes e promover patamares mínimos de entendimento entre Governo e PS (a restante oposição não está compreensivelmente disposta a ter de partilhar o que quer que seja das responsabilidades da austeridade). Mas depois do discurso do 25 de Abril ficou a saber-se que o diálogo que o Presidente quer é o que tem as propostas do Governo como guião - ou seja, deixou de ter condições para ser o promotor do consenso. Perante a evidência dos factos o que mantém este jogo de sombras, no qual todos se dizem interessados em promover o entendimento sem que alguém faça o mínimo esforço sincero para o alcançar? O medo de aparecer aos olhos do eleitorado e dos parceiros da troika como o culpado. Neste tempo em que deixou de haver lugar para a política, vale mais dissimular do que assumir os custos de fazer escolhas. Era bom que Governo e PS assumissem compromissos quanto aos problemas graves do país. Mas sendo esse cenário impossível, era bem melhor que todos assumissem as suas divergências e pusessem termo às encenações que só servem para alimentar o descrédito de quem as cultiva.
"Seguro espera que os eleitores votem no PS depois de terem experimentado o PSD, como alguém muda de marca de água, por tédio ou por curiosidade, só porque se cansaram da outra. Espera que votem PS quer este faça alianças à direita ou à esquerda, só porque o PS se chama PS, mas esquece-se de que, para um número crescente de cidadãos, a política deixou de ser uma escolha indiferente para ser uma questão de vida ou de morte. Os portugueses estão mais exigentes porque estão mais necessitados."
Será que podemos confiar na alternativa do PS?
Por José Vítor Malheiros in Público
30/04/2013
Alguém faz uma ideia, com um mínimo de consistência, do que seria um governo do Partido Socialista? Alguém sabe quais seriam as suas apostas estratégicas, o que faria às actuais medidas de "austeridade", quais seriam as suas medidas para gerir a dívida, como garantiria o financiamento à economia? Alguém imagina quais seriam as primeiras medidas de um governo PS? Que "reformas estruturais" levaria a cabo, como e quando? Alguém sabe o que faria com as PPP? Que apoios sociais seriam reactivados ou alargados? Que papel seria dado ao Estado no estímulo da economia? Alguém imagina como tentaria renegociar o "memorando de entendimento", com que argumentos, com que objectivos, com que tenacidade, com que aliados? Alguém sabe que reformas tentaria levar a cabo na União Europeia (e na eurolândia) e através de que alianças? Alguém sabe se proporia um aumento do salário mínimo, de quanto e quando? Que tipo de relação manteria com os outros partidos? Que relações teria com a banca? O que faria na Educação, na Saúde, na Segurança Social? Seria um governo à Sócrates? Mais austeritário, mais dialogante? Mais à esquerda, mais à direita?
O PS diria que tem respondido cabalmente a todas estas perguntas nos últimos meses, que tem no seu site propostas concretas para sair da crise, que o seu secretário-geral apresentou no último Congresso medidas que foram entusiasticamente ratificadas... e, no entanto, as questões mantêm-se, porque muitas das promessas do PS são declarações eleitorais sem substância ("reduzir o desemprego jovem para metade até 2020"), muitas não têm quantificação que permita conhecer o seu impacto real, outras foram sendo suavizadas ao longo do tempo (a "reposição do IVA de 13% na restauração" aparece hoje como uma discreta "redução do IVA da restauração"), a esmagadora maioria das medidas não possui um campeão credível no próprio seio do partido e, acima de tudo isto, ninguém sabe se o PS não viria invocar a insupeitada gravidade da situação interna, os compromissos internacionais ou a necessidade de consenso nacional para esquecer ou alterar as suas promessas.
O PS tem, como disse Sérgio Sousa Pinto no congresso de Santa Maria da Feira, um problema de credibilidade.
É difícil ter alguma ideia do que faria um governo do PS quando este critica a troika mas lhe jura amor eterno, quando se proclama como alternativa ao actual Governo mas reage com coqueteria perante os secretos gestos de sedução do CDS. E é difícil imaginar uma vontade séria de resolver os profundos problemas do país quando vemos um congresso que prefere esconder as divisões reais e fugir ao debate de ideias para não prejudicar a possibilidade de aceder ao poder. A infelicíssima frase de António Costa, "juntos somos imbatíveis", significa apenas, traduzida em bom português, que as facções do PS estão disponíveis para esquecer diferenças de opinião desde que isso as leve ao poder. Poder para fazer o quê? Isso parece ser indiferente. Mas não seria possível encontrar uma plataforma de acção política, progressista, credível, antiausteritária e eleitoralmente ganhadora, que reunisse todas as facções? Possivelmente sim, mas o PS de Seguro, de António Costa e de Francisco Assis não quis correr o risco da discussão pública e do compromisso que ela acarretaria. E isso é um péssimo sinal.
Num momento como o actual, onde os portugueses são ameaçados pela pobreza, onde o futuro de tudo o que construíram está em risco, incluindo a sua família, a independência nacional e a União Europeia, num momento onde até a democracia e a paz se vêem ameaçadas, os portugueses precisam de política a sério e não de marketing, precisam de lideranças capazes de falar verdade e de correr riscos, de propostas políticas claras e não de negociatas clandestinas, de justiça social e não de defesa dos privilégios, de democracia e não de oligarquias, de iniciativa na Europa e não de servilismo. A escolha é clara, mas o PS continua a manter o gosto por ter um pé em cada barco. Só que hoje nenhum dos barcos sabe para onde vai e exige-se imaginação para inventar soluções e capacidade para correr riscos - algo a que o PS se tornou figadalmente alérgico.
Seguro espera que os eleitores votem no PS depois de terem experimentado o PSD, como alguém muda de marca de água, por tédio ou por curiosidade, só porque se cansaram da outra. Espera que votem PS quer este faça alianças à direita ou à esquerda, só porque o PS se chama PS, mas esquece-se de que, para um número crescente de cidadãos, a política deixou de ser uma escolha indiferente para ser uma questão de vida ou de morte. Os portugueses estão mais exigentes porque estão mais necessitados.
O PS é hoje fundamental para uma solução governativa de esquerda, mas é necessário que o PS escolha as suas causas e que esteja disposto a lutar por elas, que se comprometa e que corra riscos. O crescimento anémico das intenções de voto no PS no actual contexto, onde seria de esperar que a oposição sofresse um boom, é uma prova disso. Um partido que apenas quer jogar pelo seguro, está condenado a desaparecer.
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