Arrastada pela crise da dívida, minada pela corrupção, ameaçada pelo fantasma separatista, a Espanha vive também uma crise profunda da Coroa, um dos principais cimentos da sua unidade. No último ano, tudo aconteceu ao rei Juan Carlos, de 75 anos. Um acidente numa caçada em África que expôs os seus gostos caros ou notícias de relações extraconjugais foram apenas o cenário sobre o qual a pior nódoa veio a cair: a acusação do seu genro, Iñaki Urdangarin, e, mais tarde, da própria infanta Cristina num caso de enriquecimento ilícito. Um ano depois da caçada de 12 de Abril de 2012, o rei, que, desde a transição, simbolizou a democracia, a europeização e o progresso, tornou-se o rosto de uma instituição decrépita e comprometida com o que a Espanha tem de pior. Hoje, 53% dos espanhóis não se revêem no seu monarca.
Sim, o PP tem maioria absoluta, mas em Espanha tudo está a ser posto em causa
Por Sofia Lorena in Público
14/04/2013
Os tabus começaram a cair há dois anos mas a crise acelerou-se. Hoje, aniversário da II República (1931-1939), haverá manifestações a favor de uma Espanha republicana em todo o país. As marchas são organizadas pela Junta Estatal Republicana, uma plataforma que inclui a Esquerda Unida, partido com onze deputados no Parlamento. Ontem, o jornal espanhol Público lançou um inquérito online sobre "monarquia vs república". E isto não podia ter acontecido há um ano.
A contestação aberta à monarquia, alimentada pelo caso de corrupção que envolve o marido da infanta Cristina a própria constituída arguida há duas semanas), é apenas uma das faces da crise das instituições - a desconfiança que os grandes partidos merecem dos espanhóis nunca foi tão grande; a corrupção nunca manchou tanto a imagem da classe política; o modelo das autonomias, já fragilizado, foi destroçado pelo caminho independentista iniciado pela Catalunha. Com ele, foi a própria Constituição de 1978 que deixou de ser vista como intocável.
Tudo isto embrulhado na crise económica, dois anos depois da emergência do movimento Democracia Real Já! (nascido no acampamento de 15 de Maio nas Portas do Sol de Madrid), num país onde os médicos se organizam para resistir aos planos de privatizações de centros de saúde ou para recusar cumprir leis que os impedem de atender estrangeiros sem autorização de residência, e onde a esmagadora maioria da população apoia protestos como os da Plataforma dos Afectados pelas Hipotecas que, para travar despejos, promove delitos de desobediência civil.
O Partido Popular de Mariano Rajoy venceu as eleições de Novembro de 2011 com uma esmagadora maioria. Pode tudo e tem abusado desse poder: explica pouco e discute menos. Mais ainda nos últimos meses, desde que Rajoy foi beliscado pelo escândalo Barcénas - as acusações de que houve uma contabilidade paralela no partido centradas em Luís Bárcenas, ex-tesoureiro do PP. Rajoy recusou explicar-se no Parlamento e o PP bloqueou a criação de uma comissão de inquérito sobre a amnistia fiscal de que Barcénas beneficiou para 11 milhões de euros que tem nas suas contas na Suíça.
Em simultâneo, a resposta do Governo aos protestos continua a ser a perseguição policial. O resultado é que os protestos endurecem - agora é o tempo dos escraches, acções à porta de casa de políticos - e a resposta é cada vez mais policial.
"Até há bem pouco tempo, a mera possibilidade de abrir um debate sobre uma III República valia-te um olhar estranho e de comiseração por parte do establishment político e mediático madrileno, como se estivesses louco", escreve no jornal online InfoLibre Javier Valenzuela.
Desmontando os argumentos dos que não admitiam tal discussão, o escritor e jornalista defende que "Espanha grita por uma melhoria do seu sistema de Justiça" e por "regras duríssimas contra a corrupção política, a especulação financeira e imobiliária e o compadrio entre governantes, empresários e banqueiros", ao mesmo tempo que "não resolveu as suas querelas territoriais". Em resumo: "Espanha tem muitos e graves problemas" e "por muito menos, o caso Cahuzac [ex-ministro do Orçamento que teve contas em paraísos fiscais], há gente em França que sugere passar da V à VI República".
Uma sondagem recente mostra que se houvesse eleições o PP continuaria a ser o partido mais votado. Mas PP e PSOE juntos não chegariam aos 50%, o que nunca aconteceu na democracia espanhola. Caem os partidos do centro e do poder, sobem a UPyD e a Esquerda Unida, e os politólogos começam a fazer paralelismos com a década de 1990 em Itália, quando uma investigação judicial provocou a implosão do sistema partidário.
|
Sem comentários:
Enviar um comentário