domingo, 14 de abril de 2013

Os impactes da crise económica na democracia do Sul da Europa são evidentes. E muito perigosos.


Os impactes da crise económica na democracia do Sul da Europa são evidentes. E muito perigosos.
Editorial in Público.

Um fantasma paira sobre a Europa - o fantasma da ingovernabilidade. Nunca na história das jovens democracias de Portugal, da Espanha ou da Grécia se verificaram tantos e tão consistentes sinais de fragmentação do sistema político e partidário, nunca o consenso social em torno do regime esteve tão exposto à divergência e à contestação. Na Itália, apesar da tradicional dificuldade do sistema para formar maiorias estáveis, nunca desde o pós-guerra se esteve tão perto de um bloqueio institucional capaz de impedir até a formação de um Governo. Na França, nunca um Presidente viu o seu capital político erodir-se de forma tão acentuada como François Hollande. As políticas de austeridade, a fragilidade económica, a sensação de que a soberania popular se vergou ao diktat de Berlim, o desemprego e a ausência de expectativas esvaziaram o sentido de utilidade das organizações e instituições políticas e ameaçam os consensos sobre o poder da democracia para servir o interesse colectivo. Os partidos tradicionais estão em queda, os parlamentos são cada vez mais encarados como os lugares onde os interesses que capturaram o Estado se manifestam, símbolos de unidade nacional como a Coroa de Espanha colapsam sob o peso de erros próprios e da desesperança dos cidadãos.
A sustentabilidade da democracia em Portugal e no Sul da Europa aproxima-se de uma encruzilhada perigosa. Fugir aos desafios que se colocam com a judicialização da política ou a emergência do populismo e da demagogia é um erro que, a prazo, pode custar caro. O passado está aí para o provar. As crises financeiras e as suas consequências estão na origem do autoritarismo (ditadura, para alguns) de João Franco, do sidonismo, do Estado Novo. Ou, lá fora, do fascismo, do nazismo e das ditaduras na Polónia ou na Hungria dos anos 20 e 30 do século passado. Os regimes democráticos vivem mal com a privação extrema dos seus cidadãos. O triunfo da democracia liberal está ligado ao triunfo de um modelo económico que foi capaz de redistribuir rendimentos, que criou a classe média, que limitou drasticamente a pobreza. A ausência de perspectivas ao empobrecimento é uma porta aberta ao autoritarismo.
Ainda que em Portugal a existência de um Governo com maioria afaste um cenário de bloqueio, ainda que a partilha da UE afaste para já o golpismo, os sinais para o futuro estão longe de ser promissores. As tensões no seio dos partidos que sustentam o Governo e o abandono por parte do PS do acordo sobre o ajustamento ameaçam tornar as próximas legislativas num jogo de resultado incerto. Os episódios das últimas eleições em Itália ou na Grécia podem repetir-se em Portugal. E na Espanha.
A exclusividade do discurso económico sobre a crise tem de começar a ser matizada pelos seus impactes nas democracias. Se as democracias são incapazes de responder às expectativas dos cidadãos, a sua legitimidade esvai-se. Como a política tem horror ao vazio, sabe-se o que vem a seguir.



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