Livreiro despejado de zona histórica de Lisboa.
por Lusa, texto publicado por Paula Mourato20 abril 2013 in DN online
O proprietário da Livraria Artes e Letras, que, a par da Livraria Olisipo, recebeu ordem de despejo de um prédio do Largo Trindade Coelho, em Lisboa, classificou hoje a nova lei das rendas como "uma leviandade de várias instituições".
Os advogados dos dois livreiros já os desenganaram: a lei não só permite como facilita o que o proprietário do prédio está a fazer, apresentar como argumento a realização de obras de restauro profundas para lhes dar ordem de despejo.
Facilita, explicaram-lhes os juristas, porque o senhorio só terá de pagar aos inquilinos 12 meses de renda, contra os 24 meses estabelecidos na lei anterior.
Os restantes três inquilinos do prédio situado numa zona histórica da capital, em frente ao Museu de São Roque -- dois restaurantes e uma pensão - receberam também as respetivas ordens de despejo.
Deverão todos abandonar as instalações até 15 de agosto, como se pode ler na carta reproduzida pelo proprietário da Livraria Olisipo e que este colocou na montra, à vista de quem passa.
Em declarações à agência Lusa, Luís Almeida Gomes, da Livraria Artes e Letras, que existe há 25 anos, defendeu que "foram várias as instituições que contribuíram para esta leviandade".
"Há o legislador, que fez a lei com os pés, sem pensar nas consequências; há quem aplica a lei, que é o senhorio; e há, por outro lado, quem legitima esta aplicação da lei, que é a Câmara Municipal de Lisboa, quando permite que se aprovem obras deste tipo para zonas históricas como esta e não salvaguarda a manutenção de estabelecimentos como este".
O problema, na sua opinião, é que "hoje em dia, os únicos livros que interessam aos políticos são os livros de cheques".
E prosseguiu: "Dos senhorios eu já nem falo, porque a lei é uma ferramenta e eles estão a usá-la, porque a têm e têm esse direito... Nem todos têm de ser patronos das artes, nem todos têm de ser inteligentes, eles têm direito a ser broncos".
No entanto, sublinhou, "também há senhorios que apesar de terem estas prerrogativas, não o fazem. Dizem: 'vamos fazer obras, vocês saem e depois voltam e combinamos então a nova renda'. É outra postura, é outra atitude".
Várias estantes vazias e uma mala de viagem aberta, cheia de livros e rodeada de mais, colocada em lugar de destaque no chão da livraria, anunciam já o fim iminente e "têm um peso simbólico", observou Luís Almeida Gomes, que se caracteriza como "um livreiro especializado em assuntos gerais".
Além disso, referiu, "uma livraria é uma coisa que demora muito tempo a transferir, porque não pode ser tudo ao monte. Cada livro tem de ir para um sítio certo, de determinada maneira, para depois sair dali para outro sítio e estar arrumado, porque senão, perdendo um livro, nunca mais sei onde ele está".
"E também faz parte do meu escape psicológico começar a preparar-me para essa mudança com tempo, ir fazendo um luto faseado e começar já a pensar na próxima livraria", admitiu, revelando que, em princípio, irá instalar-se junto da Assembleia da República.
Ao lado, na Livraria Olisipo, uma das montras ostenta também uma declaração de luto, numa folha A4 branca debruada a negro, e quase tudo o que nos últimos meses foi escrito em jornais e blogs sobre a sua situação.
Ao contrário do proprietário da Artes e Letras, o da Olisipo, José Vicente, não anda à procura de um novo espaço para instalar a livraria, acha que não faz sentido.
Está no Largo Trindade Coelho há 32 anos, tem 65 e não quer começar outra vez do princípio, noutro sítio -- até porque os 12 meses de renda a que terá direito, cerca de 3.000 euros, "não chegam para nada, nem sequer para pagar aos três empregados as indemnizações por despedimento".
Ainda foi reunir-se com a ministra do Ordenamento do Território, Assunção Cristas, juntamente com a Confederação de Pequenas e Médias Empresas para expor o seu caso, mas saiu de lá sem esperança.
"Eu não estou contra os senhorios, a minha luta é contra a lei, porque ela é injusta, é uma lei em que o senhorio notifica, executa e recebe, mas não há contraditório, ninguém pode contestar, porque a lei não permite isso. É como que um confisco", sustentou.
"Sempre fui à luta e vou continuar a lutar", asseverou José Vicente, "mas quanto ao futuro da livraria, estou um bocado desmoralizado, não esperava isto a esta altura da vida".
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