Se a saga acabar
Editorial / Público
A saga judicial de Isaltino Morais acabou ontem, quando a Justiça considerou que a sentença a que fora condenado transitou em julgado e determinou o cumprimento da pena respectiva. Será mesmo assim? Num sistema judicial normal, não haveria dúvidas. No sistema judicial português e nos labirintos formados pela interpretação das garantias individuais, tudo é possível. Principalmente neste caso, que contribuiu até para o enriquecimento do léxico da língua ao cunhar o verbo "isaltinar" para significar a multiplicação de fintas processuais que permitem a um condenado evitar a mão da Justiça. Mas vamos acreditar que, após anos de sessões, de dezenas de recursos que nenhum português pobre conseguiria apresentar, de avanços e recuos, o caso Isaltino chega mesmo ao fim. Terá também chegado a hora de todos os envolvidos, desde os legisladores aos magistrados, fazerem a avaliação do que se passou. E de tirarem daí as devidas ilações para evitar que o circo com que o país foi confrontado nunca mais se repita.
O fim da linha para quem foi "autarca-modelo"
Por José Augusto Moreira in Público
25/04/2013
Foi quase tudo na vida pública e mesmo depois de renegado pelo PSD Isaltino Morais manteve-se activo e actuante na cena política. Mais que um sobrevivente, o autarca de Oeiras, que ontem voltou à prisão, bem pode ser visto como uma espécie de sempre-em-pé da política, apoiado num misto e energia, arrogância e autoconfiança. Chegou a ser a estrela do PSD, o autarca-modelo, ocupou cargos de destaque e integrou o conselho nacional durante as lideranças de Durão Barroso, Santana Lopes e Marques Mendes. Foi também presidente da comissão política distrital de Lisboa e liderou ainda a associação de autarcas sociais-democratas antes de ter chegado ao Governo pela mão de Durão Barroso. A pasta de ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente pareceu criada à sua imagem, de acordo com a auréola de presidente de câmara activo e empreendedor, mas aquilo que parecia ser o auge veio a revelar-se, afinal, como início de um rápido ocaso dentro do partido.
Surgem as primeiras notícias sobre contas na Suíça e na Bélgica, com verbas de proveniência duvidosa e Isaltino é forçado a demitir-se depois de pouco mais de um ano no cargo. Promete afastar-se da política até que tudo esteja esclarecido, mas não o faz. Rapidamente começou a construir o caminho de regresso à Câmara de Oeiras, onde tinha sido presidente desde 1986. Marques Mendes, então líder do partido, invocou questões de ética para vetar a recandidatura, mas Isaltino não via limites. Desfilia-se do PSD para avançar como independente e volta ao cadeirão da autarquia, derrotando a candidatura oficial do partido. Como autarca, foi sempre muito elogiado e reconhecido. Oeiras cresceu, ganhou peso e atractividade e o ambiente de consenso que gerou em redor da sua gestão autárquica como que o levou a pensar que nada tem limites, tudo é possível. Mesmo tendo passado pela magistratura do Ministério Público antes de abraçar a política.
Foi com uma atitude de permanente desafio que enfrentou o julgamento, a condenação e até a maratona de recursos em que procurou enredar o aparelho judicial. Mesmo perante a sucessão de fracassos e decisões adversas, deixou sempre a ideia do eterno resistente, de nunca acreditar no caminho da prisão. É certo que há ainda processo para correr nos tribunais, mas este parece ser já o fim da linha para a longa corrida de Isaltino no campo da justiça.
"Sou um optimista. Senão já me tinha suicidado."
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Acórdão do Tribunal Constitucional ditou a prisão de Isaltino Morais
Por José António Cerejo in Público
25/04/2013
Quinze meses após a juíza decidir que os crimes não prescreveram, chegou anteontem a Oeiras o acórdão do TC que há um mês pôs fim aos recursos dessa decisão. Isaltino foi preso no dia seguinte
O presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, perdeu nos últimos oito dias mais dois recursos, um na Relação de Lisboa e outro, ontem mesmo, no Supremo Tribunal de Justiça. Mas não foi por isso que a Polícia Judiciária o foi prender, ontem à hora do almoço, à saída do seu gabinete de autarca.
A ordem de detenção ficou a dever-se à rejeição pelo Tribunal Constitucional, no dia 13 do mês passado, de um outro dos mais de 40 recursos e reclamações que Isaltino já apresentou no processo em que foi condenado, em Julho de 2010, a dois anos de prisão por três crimes de fraude fiscal e um de branqueamento de capitais.
Mas ontem à tarde, já com as portas do Palácio de Justica de Oeiras fechadas, um novo requerimento dos seus advogados, desta vez a pedir a libertação do autarca, deu entrada na secretaria do tribunal. A sua prisão é "ilegal", alega o advogado Rui Elói, tal como fez, então com sucesso, logo que o seu cliente foi detido, para ser libertado 24 horas depois, em Setembro de 2011
O cerco tinha vindo a apertar-se nos últimos meses e a esperança de Isaltino começara a esmorecer. Mas a sucessão de derrotas que averbara no julgamento dos seus sucessivos recursos, requerimentos e reclamações não bastara para o convencer de que a emissão do mandado de detenção estaria iminente.
Pelo menos para o exterior fez tudo o que pôde por mostrar que a normalidade reinava na sua vida e na Câmara de Oeiras. De acordo com alguns dos seus colaboradores, mostrava-se ultimamente obcecado em convencer toda a gente sobre a sua alegada inocência e não foi por acaso que aceitou, pela primeira vez, no princípio de Abril, dar uma entrevista (à RTP) sobre a sua situação e, na semana passada, fazer novas proclamações de inocência à agência Lusa.
Nesta última declaração afirmou mesmo: "Sou um optimista. Senão já me tinha suicidado." Aquilo que nestas derradeiras tentativas de ganhar apoios não conseguiu, como não o conseguiu em tribunal, foi explicar a origem dos quase 1,2 milhões de euros que depositou na Suiça entre 1993 e 2002.
Alheia à estratégia do arguido e considerando irrelevantes para o caso os recursos, pelo menos dois, que o mesmo ainda tinha pendentes, a juíza Marta Gomes assinou ao fim da manhã de ontem o despacho que ordena a sua detenção. Pouco mais de uma hora depois, dois agentes da PJ dirigiram-se discretamente ao gabinete do autarca nos Paços do Concelho de Oeiras e levaram-no para o estabelecimento prisional daquela polícia, em Lisboa. Isaltino ter-se-á limitado a ordenar aos seus colaboradores: "Cancelem tudo!"
Da prisão da PJ, o detido deverá ser transferido para a cadeia onde ficará a cumprir a pena a que foi condenado - a menos que os tribunais venham a dar razão aos requerimentos e recursos que apresentou, ou venha a apresentar. A sua transferência, segundo o presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, Jorge Alves, não poderá, contudo, acontecer antes de terça-feira, dia em que acaba a greve dos guardas ontem iniciada.
A rapidez e a discrição com que o mandado de captura foi ontem executado indiciam que, ao contrário do que sucedeu em Setembro de 2011, quando o autarca foi preso pela primeira vez, a operação foi agora objecto de concertação entre diferentes entidades e cuidadosamente preparada. Pouco depois de concretizada a detenção, a Procuradoria-Geral da República emitiu uma nota em que anunciou a condução do arguido à "zona prisional da PJ". O Ministério Público, do qual a PGR é o órgão superior, vinha mostrando, nos últimos meses, uma impaciência cada vez maior face à não execução da pena a que Isaltino foi condenado, já que, no seu entendimento, a sentença transitou em julgado no final de 2011, altura em que devia ter regressado à prisão.
No curto despacho ontem emitido, a juíza de Oeiras explica os fundamento da sua decisão. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que condenou o arguido a dois anos de prisão em 13 de Julho de 2010 transitou em julgado, afirma, em 19 de Setembro de 2011. Três meses depois, a 14 de Dezembro de 2011, o mesmo Tribunal da Relação revogou um despacho do Tribunal de Oeiras, determinando que fosse apreciada a alegação do arguido de que duas das três fraudes fiscais pelas quais foi condenado tinham prescrito.
Analisada a questão, o tribunal indeferiu o pedido de declaração de prescrição em 30 de Janeiro de 2012. Esta decisão foi alvo de recurso por parte de Isaltino Morais, sendo depois confirmada pela Relação. Chegada aqui, a juíza, sem detalhar os passos do recurso depois interposto pelo arguido para o Tribunal Constitucional, afirma que o apenso referente a esse recurso "desceu agora do Tribunal da Relação" e que o despacho de 30 de Janeiro de 2012 - que indeferiu a questão da prescrição - "já transitou em julgado". Assim sendo, escreve a juíza, "nada obsta à execução da decisão condenatória". Pelo exposto, conclui, "determina-se a emissão de mandados de detenção do arguido Isaltino Afonso Morais, a fim de assegurar o cumprimento da pena na qual foi condenado".
O apenso a que se refere a magistrada contém o acórdão do Tribunal Constitucional que, no dia 13 do mês passado, rejeitou o recurso através do qual o autarca pretendia ver anulada a decisão da Relação que confirmou a não prescrição das fraudes fiscais. Este acórdão "baixou" no mesmo dia à Relação e a 12 deste mês o Tribunal Constitucional certificou que o mesmo havia transitado em julgado, comunicando o facto à Relação no dia 16. Passados sete dias, anteontem, o apenso com a decisão do Constitucional chegou a Oeiras e foi apresentado à juíza Marta Rocha Gomes que ontem, pouco depois do meio-dia, mandou prender o arguido.
Por coincidência, ontem de manhã também o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou um recurso em que Isaltino alegava a existência de decisões contraditórias da Relação no seu processo. Faz hoje uma semana (dia 18) a Relação já indeferira um outro recurso seu, tendo ainda para apreciação um segundo que deu entrada no dia 5.
Embora estes últimos recursos não tenham efeitos suspensivos da aplicação da pena, o advogado de Isaltino entende que a prisão é "ilegal" e apresentou de imediato um requerimento a pedir a libertação do autarca. O pedido está em apreciação.
"Há uma situação de impossibilidade física que, a médio prazo, inviabiliza a gestão da câmara"
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Autarca deverá ser impedido de continuar a dirigir a Câmara de Oeiras a partir da prisão
Por Marisa Soares in Público
25/04/2013
Isaltino Morais não deverá poder continuar à frente da Câmara de Oeiras a partir da prisão. O seu vice-presidente, Paulo Vistas, garantiu ontem, no início da reunião de câmara, que as questões que levaram à detenção do presidente "em nada afectam o funcionamento" da autarquia, sugerindo assim que Isaltino poderia dirigir a autarquia a partir da prisão. Porém, se o autarca ficar a cumprir os dois anos de prisão a que foi condenado, a lei determina a suspensão ou, no limite, a perda do mandato.
"A assembleia municipal tem que declarar a suspensão de mandato e nomear um substituto, que em princípio será o vice-presidente", diz o especialista em direito administrativo Pacheco Amorim, tendo por base o artigo n.º 67 do Código Penal. Segundo esta norma, "o arguido definitivamente condenado a pena de prisão, que não for demitido disciplinarmente de função pública que desempenhe, incorre na suspensão da função enquanto durar o cumprimento da pena". A regra aplica-se a "profissões ou actividades cujo exercício depender de título público", como é o caso.
Caso a assembleia municipal não declare a suspensão do mandato, poderá aplicar-se uma outra norma que leva quase "inevitavelmente" à perda de mandato, explica Pacheco Amorim: "Pode haver perda de mandato por faltas, uma vez que o cumprimento de pena de prisão não configura falta justificada."
A Lei n.º 27/96, que define o regime jurídico da tutela administrativa, prevê a perda de mandato, caso os membros de órgãos autárquicos não compareçam, "sem motivo justificativo", a três sessões da assembleia municipal ou a seis reuniões de câmara seguidas. Estando preso, Isaltino esgotaria o número de faltas injustificadas permitido, muito antes das autárquicas de Outubro.
"Há uma situação de impossibilidade física que, a médio prazo, inviabiliza a gestão da câmara", afirma o também professor da Universidade do Porto, embora admita que a lei não é clara neste ponto, por não dizer se a prisão pode ou não ser similar a doença. A perda de mandato teria que ser determinada pelo tribunal, na sequência de uma acção interposta pelo Ministério Público.
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