quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Não há prazo para Portugal retomar cooperação judiciária com Timor.Entre os portugueses em funções públicas existe o receio de que a saída pode acontecer. / Firing of Foreign Judges in Timor-Leste Threatens Justice System.


Não há prazo para Portugal retomar cooperação judiciária com Timor
Xanana mostra-se surpreendido com consequências da expulsão de magistrados. Passos diz que muita água há-de correr debaixo da ponte até relações voltarem ao ponto em que estavam antes do conflito

com Lusa Ana Henrique e Nuno Ribeiro / 6 nov 2014 / PÚBLICO

A ministra Paula Teixeira da Cruz suspendeu ontem de manhã a cooperação judiciária com Timor, na sequência da expulsão de seis magistrados e de um oficial da polícia portugueses. Para que não restassem dúvidas, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho esclareceu, horas mais tarde, o alcance do conflito diplomático, quando declarou que “muita água terá de correr debaixo das pontes” até poder ser retomada a cooperação entre os dois países no sector da justiça.
“Nós somos muito amigos de Timor, mas há regras e há limites que têm de ser respeitados. E quando não são, isso tem consequências. Tenho pena, lamento profundamente que tudo aquilo que foi a troca de informação que foi registada antes destas decisões serem tomadas não tivesse sido suficiente para evitar este desfecho. Agora, teremos de viver com ele e teremos de aprender com esses resultados”, disse ainda o governante, não se inibindo de recorrer outra vez a expressões populares: “Acredito genuinamente no interesse por parte do Governo de Timor-Leste de preservar boas relações com Portugal. Mas, como se costuma dizer, amigos, amigos, negócios à parte”.
Para o primeiro-ministro, uma coisa é “haver uma insatisfação com o desempenho dos magistrados portugueses em Timor-Leste, e o Governo está no seu direito de fazer essa avaliação”. Outra “muito diferente”, é mandá-los embora, num prazo de 48 horas, como foi o caso. Passos Coelho revelou ainda que trocou várias “impressões por escrito” com Xanana Gusmão, na tentativa de impedir “um desfecho destes”.
“Poderemos estar abertos a retomar a cooperação com Timor na área judiciária – que é uma área muito particular e muito sensível – mas para que isso aconteça ainda muita água terá de correr debaixo das pontes, e muita coisa terá de ser reavaliada”, antecipou. O primeiro-ministro reagia assim a uma entrevista do seu homólogo timorense, Xanana Gusmão, em que este assegurou não ter tido intenção de “esfriar as relações com Portugal”. Embora tenha admitido que a reacção do Governo português às medidas que o parlamento timorense tomou nesta segunda-feira superaram as suas expectativas - “Só peço para reduzirem um bocado a emoção com que se expressam”, sugeriu - o antigo líder da resistência insistiu na alegada incompetência dos magistrados que ali prestam serviço. Em causa estão, segundo Xanana, 51 processos judiciais relativos a 378 milhões de dólares de impostos que o Governo de Timor defende que várias concessionárias de petróleo devem ao seu país.
“Em 16 casos já julgados, o Estado perdeu todos”, recordou, explicando que foram perdidos 35 milhões de dólares. “Os erros foram tantos, tão inadmissíveis, que parámos para não influenciar o processo, porque estamos em recurso para recuperarmos o dinheiro que é nosso”, afirmou. Xanana disse também que a resolução do parlamento não visava todos os funcionários judiciais internacionais, mas apenas os que tiveram responsabilidades nos casos com as petrolíferas. “Eu aceitaria se perdêssemos porque não apresentámos bem os factos. Não aceito por irregularidades, negligência e, talvez diga má-fé, por parte de alguns actores”, afirmou. Daí terem sido invocados motivos de “força maior” e de “interesse nacional” para a expulsão. “Não permitiremos que a nossa soberania seja violada”, declarou ainda aquele governante, acrescentando que a medida só foi decretada depois de o Conselho Superior de Magistratura timorense não ter acatado a resolução dos deputados, ordenando aos magistrados internacionais que se mantivessem em funções.
Os órgãos de cúpula dos magistrados portugueses já vieram garantir a integridade de quem prestava funções nos tribunais timorenses. Há, porém, quem olhe para o que sucedeu de outra forma. É o caso de Pedro Bacelar Vasconcelos, que ajudou a redigir a Constituição de Timor e participou em duas avaliações internacionais daquele sistema de justiça. “A justiça timorense está completamente parasitada por funcionários internacionais ao serviço dos mais variados interesses”, observa.
O que está em jogo, como se depreende dos comunicados do Governo português, é a suspensão da cooperação judicial, e, por agora, só essa. “A ministra da Justiça entende não estarem criadas as condições adequadas para prosseguir a política de cooperação na área judiciária sem que primeiro tenha lugar uma reavaliação cuidada de pressupostos e regras bem diversas das que conduziram à actual situação”, refere uma nota de Paula Teixeira da Cruz.
Em Lisboa, não foi bem recebido o conteúdo de um ofício enviado ao fim da tarde de segunda-feira pelo ministro da Justiça de Timor, Dionísio Babo, à sua homóloga portuguesa. Na nota, Babo solicitava um encontro num prazo difuso: “Entre Novembro e Dezembro”. O que não se coaduna com a gravidade situação. O PÚBLICO sabe que a saída de território timorense destes funcionários judiciais portugueses vai decorrer até ao fim-de-semana.
Na última década, o montante da cooperação de Portugal com Timor ascendeu a 470 milhões de euros. Depois de uma primeira fase, entre 1999 e 2002, em que o apoio português se centrou na assistência humanitária, depois da independência a cooperação teve expressão nos mais variados sectores: Educação, Saúde, Agricultura, Infra-estruturas, Comércio e Turismo, Segurança Interna e Segurança Social.

Entre os portugueses em funções públicas existe o receio de que a saída pode acontecer

Um empresário português a trabalhar em Díli afirmou ontem ao PÚBLICO que a situação “é tranquila” entre a comunidade lusa em TimorLeste. “Não se nota nenhuma animosidade dos timorenses em relação aos portugueses. Os próprios timorenses vêem esta expulsão de magistrados como um episódio político”, afirmou o empresário que opera em Díli na área do comércio e que pediu o anonimato.
O cidadão português diz que “não há qualquer receio” por parte da comunidade lusa em TimorLeste de surgir algum mau estar em relação aos portugueses, embora acrescente que é prudente seguir as regras que a embaixada portuguesa na capital de Timor habitualmente recomenda, nomeadamente “não participar em actividades políticas ou discutir política local”.
Na noite de terça-feira em Timor-Leste um grupo de portugueses que trabalham em variadas áreas reuniu-se num jantar para discutir a situação no país após a polémica com a expulsão dos magistrados portugueses.
Em relação à situação laboral dos portugueses em Díli, os que trabalham para empresas privadas manifestaram-se “absolutamente tranquilos”, enquanto que os funcionários públicos lusos destacados em Timor, nomeadamente professores e consultores, sentem que “a sua saída do país pode estar iminente”.



IN THE NEWS
Firing of Foreign Judges in Timor-Leste Threatens Justice System
October 29, 2014
By Susan Marx

In a dramatic challenge to the principles of democracy, on Friday night, the parliament of Timor-Leste decided in a closed session to fire all foreign judges and advisers in its justice system. The National Parliament passed Resolution No. 11/2014, calling on the government to audit the justice sector and immediately terminate all existing contracts of at least 11 international judges and prosecutors, as well as other international staff in the Courts, Public Prosecutor’s Office, Public Defender’s Office, Anti-Corruption Commission, and the Legal Training Center. In response, the government quickly passed Resolution No. 29/2014, an echo of Resolution No. 11. The stated legal basis for the resolutions was force majeure and “national interest” – but it’s unclear whether either is applicable in this case.
While the legality of the resolution is being questioned by a range of political and judicial figures, the act of the resolutions from the parliament and the government clearly undermines the principles of an independent judiciary. There is deep speculation over the meaning of the resolution, but the response seems to be conflating a number of issues. On the one hand, some are interpreting this as an overreaction to the unfavorable outcomes in a number of pending cases between the government of Timor-Leste and the oil giant ConocoPhillips on matters pertaining to the taxation of oil revenues. Some say it is a case of “face saving,” given that much of the assessments of the outstanding taxes allegedly due to the government in the first place were in fact calculated by the government’s own (recently arrested) foreign advisor to the Ministry of Finance. Analysts point to Prime Minister Gusmão’s growing dissatisfaction toward the country’s public prosecutors and anti-corruption body (KAK) as a possible motive for the blunt move.
Compounding the mystery surrounding the developments, the Minister of Finance, Emilia Pires (a close ally of Prime Minister Gusmão), recently returned to Timor-Leste after spending months abroad, including missing the last two budget debates. Coincidentally, news recently surfaced that her immunity from prosecution for a corruption allegation would not be lifted anytime soon.
Certainly, no one would argue that the legal system had been functioning perfectly, and that having a large dependency on foreign judges, lawyers, and advisers to run the system was ideal. But initiating an impeachment of high court officials (foreign or otherwise) sends a clear message to all justice actors – particularly national judges. As such, despite a growing sentiment that other recent detentions of foreigners could signal a general dissatisfaction with expats, or malae, the main concern should be about the legality and not the nationality involved in the matter.
The legal basis for this decision is shaky at best, and likely unconstitutional. The Constitution of the Democratic Republic of Timor-Leste protects the principle of separation of powers (Article 69), guarantees the independence of the courts (Article 119), and ensures tenure to judges (Article 121.3). In other words, neither the parliament nor the government can legally fire these judges – the power lies only with the Superior Council of the Magistracy. For those affected who are not judges, prosecutors, or public defenders, depending on the types of contracts, other applicable legislation including the Labor Code and contract law would still apply, neither of which were invoked.
The government has not made a valid case for “national interest,” nor for a force majeure, which is generally utilized for unforeseen circumstances such as war, riot, natural disaster, strike, or so-called “acts of God.” Civil society have come out strong against the apparent interference with the justice sector. Notably, the justice monitoring civil society organization, JSMP, held a press conference “urging the national parliament and government to reconsider these resolutions and immediately take appropriate actions to guarantee the independence of the judiciary.” Leading human rights activist, Jose Luis de Oliveira, in turn wrote this article in which he questions both legal justifications cited by the resolutions (force majeure and national interest) and alleges that the secret plenary was in fact the second meeting, that it was preceded by a private meeting attended by some parliamentarians at the prime minister’s residence.
So far, what is known is that only a handful out of the 25 MPs of the opposition party, Freitilin, voted in favor of the resolution, and the others that didn’t vote for it have spoken out publicly on the appearance of “interference with the justice system.” According to local civil society organizations familiar with the events, the chief justice of the Dili District Court has publicly stated that the resolution is not legal, and the president of the Court of Appeal has said the resolution has no legal standing.
Beyond the immediate administrative impact that removing 11 international judges and prosecutors and delaying formal training of new Timorese magistrates could have on a notoriously backlogged legal system, there are also more far-reaching implications for Timor-Leste. One is the implied threat to national judges. Second is that detention of foreign consultants and summary dismissal of members of the judiciary threatens foreign investor confidence – something desperately needed if Timor-Leste wants to wean itself off its oil dependency. The government is in the middle of a number of major investment projects ranging from a $350 million cement plant to upgrading of major transport infrastructure, and this move could seriously hamper confidence of potential investors. Third, the decision could threaten the government’s case for ASEAN accession. The government may have inadvertently given Singapore, the staunchest opposition to Timor’s bid to join the group, enough ammunition to continue blocking its admission. And finally, in the wake of a recent onslaught on media freedoms, this interference with the justice sector begs the question: As one of the remaining pillars of democracy in Timor-Leste, is civil society next?
*Editor’s note: This version has been edited slightly from the original.

Susan Marx is The Asia Foundation’s country representative in Timor-Leste. She can be reached at susan.marx@ asiafoundation.org. The views and opinions expressed here are those of the individual author and not those of The Asia Foundation.

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