Não há prazo para Portugal
retomar cooperação judiciária com Timor
Xanana mostra-se surpreendido com consequências da expulsão de magistrados.
Passos diz que muita água há-de correr debaixo da ponte até relações voltarem
ao ponto em que estavam antes do conflito
com Lusa Ana
Henrique e Nuno Ribeiro / 6 nov 2014 / PÚBLICO
A ministra Paula
Teixeira da Cruz suspendeu ontem de manhã a cooperação judiciária com Timor, na
sequência da expulsão de seis magistrados e de um oficial da polícia
portugueses. Para que não restassem dúvidas, o primeiro-ministro Pedro Passos
Coelho esclareceu, horas mais tarde, o alcance do conflito diplomático, quando
declarou que “muita água terá de correr debaixo das pontes” até poder ser
retomada a cooperação entre os dois países no sector da justiça.
“Nós somos muito
amigos de Timor, mas há regras e há limites que têm de ser respeitados. E
quando não são, isso tem consequências. Tenho pena, lamento profundamente que
tudo aquilo que foi a troca de informação que foi registada antes destas
decisões serem tomadas não tivesse sido suficiente para evitar este desfecho.
Agora, teremos de viver com ele e teremos de aprender com esses resultados”,
disse ainda o governante, não se inibindo de recorrer outra vez a expressões
populares: “Acredito genuinamente no interesse por parte do Governo de
Timor-Leste de preservar boas relações com Portugal. Mas, como se costuma
dizer, amigos, amigos, negócios à parte”.
Para o
primeiro-ministro, uma coisa é “haver uma insatisfação com o desempenho dos
magistrados portugueses em Timor-Leste, e o Governo está no seu direito de
fazer essa avaliação”. Outra “muito diferente”, é mandá-los embora, num prazo
de 48 horas, como foi o caso. Passos Coelho revelou ainda que trocou várias
“impressões por escrito” com Xanana Gusmão, na tentativa de impedir “um
desfecho destes”.
“Poderemos estar
abertos a retomar a cooperação com Timor na área judiciária – que é uma área
muito particular e muito sensível – mas para que isso aconteça ainda muita água
terá de correr debaixo das pontes, e muita coisa terá de ser reavaliada”,
antecipou. O primeiro-ministro reagia assim a uma entrevista do seu homólogo
timorense, Xanana Gusmão, em que este assegurou não ter tido intenção de
“esfriar as relações com Portugal”. Embora tenha admitido que a reacção do
Governo português às medidas que o parlamento timorense tomou nesta
segunda-feira superaram as suas expectativas - “Só peço para reduzirem um bocado
a emoção com que se expressam”, sugeriu - o antigo líder da resistência
insistiu na alegada incompetência dos magistrados que ali prestam serviço. Em
causa estão, segundo Xanana, 51 processos judiciais relativos a 378 milhões de
dólares de impostos que o Governo de Timor defende que várias concessionárias
de petróleo devem ao seu país.
“Em 16 casos já
julgados, o Estado perdeu todos”, recordou, explicando que foram perdidos 35
milhões de dólares. “Os erros foram tantos, tão inadmissíveis, que parámos para
não influenciar o processo, porque estamos em recurso para recuperarmos o
dinheiro que é nosso”, afirmou. Xanana disse também que a resolução do
parlamento não visava todos os funcionários judiciais internacionais, mas
apenas os que tiveram responsabilidades nos casos com as petrolíferas. “Eu
aceitaria se perdêssemos porque não apresentámos bem os factos. Não aceito por
irregularidades, negligência e, talvez diga má-fé, por parte de alguns
actores”, afirmou. Daí terem sido invocados motivos de “força maior” e de
“interesse nacional” para a expulsão. “Não permitiremos que a nossa soberania
seja violada”, declarou ainda aquele governante, acrescentando que a medida só
foi decretada depois de o Conselho Superior de Magistratura timorense não ter
acatado a resolução dos deputados, ordenando aos magistrados internacionais que
se mantivessem em funções.
Os órgãos de
cúpula dos magistrados portugueses já vieram garantir a integridade de quem
prestava funções nos tribunais timorenses. Há, porém, quem olhe para o que sucedeu
de outra forma. É o caso de Pedro Bacelar Vasconcelos, que ajudou a redigir a
Constituição de Timor e participou em duas avaliações internacionais daquele
sistema de justiça. “A justiça timorense está completamente parasitada por
funcionários internacionais ao serviço dos mais variados interesses”, observa.
O que está em
jogo, como se depreende dos comunicados do Governo português, é a suspensão da
cooperação judicial, e, por agora, só essa. “A ministra da Justiça entende não
estarem criadas as condições adequadas para prosseguir a política de cooperação
na área judiciária sem que primeiro tenha lugar uma reavaliação cuidada de
pressupostos e regras bem diversas das que conduziram à actual situação”,
refere uma nota de Paula Teixeira da Cruz.
Em Lisboa, não
foi bem recebido o conteúdo de um ofício enviado ao fim da tarde de
segunda-feira pelo ministro da Justiça de Timor, Dionísio Babo, à sua homóloga
portuguesa. Na nota, Babo solicitava um encontro num prazo difuso: “Entre
Novembro e Dezembro”. O que não se coaduna com a gravidade situação. O PÚBLICO
sabe que a saída de território timorense destes funcionários judiciais
portugueses vai decorrer até ao fim-de-semana.
Na última década,
o montante da cooperação de Portugal com Timor ascendeu a 470 milhões de euros.
Depois de uma primeira fase, entre 1999 e 2002, em que o apoio português se
centrou na assistência humanitária, depois da independência a cooperação teve
expressão nos mais variados sectores: Educação, Saúde, Agricultura,
Infra-estruturas, Comércio e Turismo, Segurança Interna e Segurança Social.
Entre os portugueses em funções
públicas existe o receio de que a saída pode acontecer
Um empresário
português a trabalhar em Díli afirmou ontem ao PÚBLICO que a situação “é
tranquila” entre a comunidade lusa em TimorLeste. “Não se nota nenhuma
animosidade dos timorenses em relação aos portugueses. Os próprios timorenses
vêem esta expulsão de magistrados como um episódio político”, afirmou o
empresário que opera em Díli na área do comércio e que pediu o anonimato.
O cidadão
português diz que “não há qualquer receio” por parte da comunidade lusa em
TimorLeste de surgir algum mau estar em relação aos portugueses, embora
acrescente que é prudente seguir as regras que a embaixada portuguesa na
capital de Timor habitualmente recomenda, nomeadamente “não participar em
actividades políticas ou discutir política local”.
Na noite de
terça-feira em Timor-Leste um grupo de portugueses que trabalham em variadas
áreas reuniu-se num jantar para discutir a situação no país após a polémica com
a expulsão dos magistrados portugueses.
Em relação à
situação laboral dos portugueses em Díli, os que trabalham para empresas
privadas manifestaram-se “absolutamente tranquilos”, enquanto que os funcionários
públicos lusos destacados em Timor, nomeadamente professores e consultores,
sentem que “a sua saída do país pode estar iminente”.
IN THE NEWS
Firing of Foreign Judges in Timor-Leste Threatens
Justice System
October 29, 2014
By Susan Marx
In a dramatic challenge to the principles
of democracy, on Friday night, the parliament of Timor-Leste decided in a
closed session to fire all foreign judges and advisers in its justice system.
The National Parliament passed Resolution No. 11/2014, calling on the
government to audit the justice sector and immediately terminate all existing
contracts of at least 11 international judges and prosecutors, as well as other
international staff in the Courts, Public Prosecutor’s Office, Public
Defender’s Office, Anti-Corruption Commission, and the Legal Training
Center . In response, the
government quickly passed Resolution No. 29/2014, an echo of Resolution No. 11.
The stated legal basis for the resolutions was force majeure and “national
interest” – but it’s unclear whether either is applicable in this case.
While the legality of the resolution is
being questioned by a range of political and judicial figures, the act of the
resolutions from the parliament and the government clearly undermines the
principles of an independent judiciary. There is deep speculation over the
meaning of the resolution, but the response seems to be conflating a number of
issues. On the one hand, some are interpreting this as an overreaction to the
unfavorable outcomes in a number of pending cases between the government of
Timor-Leste and the oil giant ConocoPhillips on matters pertaining to the
taxation of oil revenues. Some say it is a case of “face saving,” given that
much of the assessments of the outstanding taxes allegedly due to the
government in the first place were in fact calculated by the government’s own
(recently arrested) foreign advisor to the Ministry of Finance. Analysts point
to Prime Minister Gusmão’s growing dissatisfaction toward the country’s public
prosecutors and anti-corruption body (KAK) as a possible motive for the blunt
move.
Compounding the mystery surrounding the
developments, the Minister of Finance, Emilia Pires (a close ally of Prime
Minister Gusmão), recently returned to Timor-Leste after spending months
abroad, including missing the last two budget debates. Coincidentally, news
recently surfaced that her immunity from prosecution for a corruption
allegation would not be lifted anytime soon.
Certainly, no one would argue that the
legal system had been functioning perfectly, and that having a large dependency
on foreign judges, lawyers, and advisers to run the system was ideal. But
initiating an impeachment of high court officials (foreign or otherwise) sends
a clear message to all justice actors – particularly national judges. As such,
despite a growing sentiment that other recent detentions of foreigners could
signal a general dissatisfaction with expats, or malae, the main concern should
be about the legality and not the nationality involved in the matter.
The legal basis for this decision is shaky
at best, and likely unconstitutional. The Constitution of the Democratic
Republic of Timor-Leste protects the principle of separation of powers (Article
69), guarantees the independence of the courts (Article 119), and ensures
tenure to judges (Article 121.3). In other words, neither the parliament nor
the government can legally fire these judges – the power lies only with the
Superior Council of the Magistracy. For those affected who are not judges,
prosecutors, or public defenders, depending on the types of contracts, other
applicable legislation including the Labor Code and contract law would still
apply, neither of which were invoked.
The government has not made a valid case
for “national interest,” nor for a force majeure, which is generally utilized
for unforeseen circumstances such as war, riot, natural disaster, strike, or
so-called “acts of God.” Civil society have come out strong against the
apparent interference with the justice sector. Notably, the justice monitoring
civil society organization, JSMP, held a press conference “urging the national
parliament and government to reconsider these resolutions and immediately take
appropriate actions to guarantee the independence of the judiciary.” Leading
human rights activist, Jose Luis de Oliveira, in turn wrote this article in
which he questions both legal justifications cited by the resolutions (force
majeure and national interest) and alleges that the secret plenary was in fact
the second meeting, that it was preceded by a private meeting attended by some
parliamentarians at the prime minister’s residence.
So far, what is known is that only a
handful out of the 25 MPs of the opposition party, Freitilin, voted in favor of
the resolution, and the others that didn’t vote for it have spoken out publicly
on the appearance of “interference with the justice system.” According to local
civil society organizations familiar with the events, the chief justice of the
Dili District Court has publicly stated that the resolution is not legal, and
the president of the Court of Appeal has said the resolution has no legal
standing.
Beyond the immediate administrative impact
that removing 11 international judges and prosecutors and delaying formal
training of new Timorese magistrates could have on a notoriously backlogged
legal system, there are also more far-reaching implications for Timor-Leste.
One is the implied threat to national judges. Second is that detention of
foreign consultants and summary dismissal of members of the judiciary threatens
foreign investor confidence – something desperately needed if Timor-Leste wants
to wean itself off its oil dependency. The government is in the middle of a
number of major investment projects ranging from a $350 million cement plant to
upgrading of major transport infrastructure, and this move could seriously
hamper confidence of potential investors. Third, the decision could threaten
the government’s case for ASEAN accession. The government may have
inadvertently given Singapore ,
the staunchest opposition to Timor ’s bid to
join the group, enough ammunition to continue blocking its admission. And
finally, in the wake of a recent onslaught on media freedoms, this interference
with the justice sector begs the question: As one of the remaining pillars of
democracy in Timor-Leste, is civil society next?
*Editor’s note: This version has been
edited slightly from the original.
Susan Marx is The Asia Foundation’s country
representative in Timor-Leste. She can be reached at susan.marx@ asiafoundation.org.
The views and opinions expressed here are those of the individual author and
not those of The Asia Foundation.
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