EDITORIAL / PÚBLICO
A política do ‘logo se vê e logo se resolve’
DIRECÇÃO
EDITORIAL 05/11/2014 -
Depois da
Comissão Europeia, agora é a vez de o FMI duvidar das previsões do Governo.
O Orçamento do
Estado para 2015 ainda está a ser discutido no Parlamento e já são várias as
instituições, nacionais e internacionais, a duvidar das contas do Governo. Primeiro
foi a vez da Comissão Europeia dizer que o défice no próximo ano chegará aos
3,3%, um número bastante longe dos 2,7% previstos pelo Governo. O novo
comissário europeu para o Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, explicou que o
que separa a Comissão do Governo é “uma abordagem menos optimista e […] mais
realista”.
Esta quarta-feira
foi a vez do FMI dizer o mesmo, só que em vez dos 2,7% do Governo ou dos 3,3%
da Comissão, diz que o défice vai derrapar para os 3,4%. Não se trata de uma
questão de décimas, como sustentam os partidos que apoiam o Governo; entre as
estimativas do Orçamento e as previsões que vêm de Washington e de Bruxelas
existe um hiato superior a mil milhões de euros.
Todos criticam o
excesso de optimismo em relação ao crescimento das receitas fiscais, ninguém
parece partilhar da confiança em relação à estratégia de combate à fraude e
evasão fiscais e poucos conseguem desvendar onde é que serão feitos os cortes
nas despesas. Aliás, o próprio Conselho das Finanças Públicas veio dizer esta
quarta-feira que 40% das medidas de austeridade previstas neste Orçamento nem
sequer estão especificadas. Qual será o tecto das prestações sociais? Onde é
que se irá cortar nos consumos intermédios? Perguntas a
que só o Governo saberá a resposta.
Perante números
tão contraditórios e tão diferente dos seus, o que faz o Governo? Nada.
Mantém-se fiel às suas previsões e não altera uma vírgula aos números do
Orçamento. Mas quer a ministra das Finanças, quer o primeiro-ministro dizem
estar disponíveis para ajustar a estratégia orçamental para evitar que o défice
supere a fasquia dos 3%. É a chamada política do logo se vê. Se as coisas
correrem mal remenda-se na altura e até lá não se assusta os eleitores.
Troika diz que desde que se foi
embora o Governo parou de se esforçar
SÉRGIO ANÍBAL
05/11/2014 - PÚBLICO
Processo de consolidação orçamental parou e impulso de reformas estruturais
foi travado, criticam a Comissão Europeia e o FMI. A troika está convencida que
Portugal, sem programa, já está a ir pelo caminho errado.
Depois de três
anos de relatórios com vários elogios intercalados por alguns alertas e
recomendações feitos de forma diplomática, a troika fez esta quarta feira a sua
análise mais pessimista em relação aos desafios que enfrenta a economia
portuguesa, com várias críticas ao que diz ser uma paragem no esforço de
reforma feito pelo Governo.
A mudança de
discurso acontece nos comunicados emitidos pela Comissão Europeia e pelo Fundo
Monetário Internacional esta quarta-feira no final da primeira visita destas
instituições a Portugal desde final do programa da troika em Maio. Foi a
primeira de várias monitorizações pós programa que irão continuar a ser feitas
até que Portugal pague a maior parte dos seus empréstimos e veio mostrar que,
ao fim de seis meses fora do país, a troika acha que Portugal já está a ir pelo
caminho errado.
São duas as áreas
em que Bruxelas e FMI vêem mais erros: a tarefa de redução do défice e a
realização de reformas estruturais que ajudem o país a crescer. Em ambos os
casos, a troika diz que, face à sua ausência, o Governo deixou de se esforçar.
Em primeiro
lugar, o défice. A Comissão Europeia já tinha previsto na terça-feira que o
saldo negativo das contas públicas seria de 3,3% no próximo ano, em vez dos
2,7% previstos pelo Governo e dos 2,5% que tinham sido prometidos à troika.
Agora, o FMI faz uma análise semelhante, apontando para um défice público em
2015 de 3,4%.
Para além disso,
em relação ao défice estrutural – que mede o verdadeiro esforço de consolidação
orçamental feito por um país e que o Tratado Orçamental europeu diz que se
devia reduzir 0,5 pontos percentuais por ano – a Bruxelas diz que irá
agravar-se em 0,4 pontos no próximo ano e o FMI em 0,3 pontos.
O FMI explica
estas previsões mais pessimistas com o facto de assumir “projecções
macroeconómicas e de receita mais conservadoras”, enquanto a Comissão Europeia
fala em “hipóteses menos optimistas sobre o impacto orçamental da evolução
macroeconómica e das medidas de consolidação”.
É com base nestes
números que FMI e Comissão Europeia criticam a atitude do Governo nos últimos
meses em relação às finanças públicas. O Fundo não tem dúvidas em afirmar que
“o esforço de consolidação orçamental prepara-se para ser travado em 2015,
adiando mais uma vez o inevitável ajustamento orçamental adicional que é
necessário para garantir a sustentabilidade da dívida pública”. Prevê por isso
que “na ausência de novas medidas de consolidação em 2015 e no médio prazo, o
défice projectado irá continuar a divergir dos compromissos de médio prazo
assumidos pelas autoridades portuguesas”.
A Comissão segue
a mesma linha de pensamento e diz que “o esforço para reduzir o défice
estrutural orçamental subjacente diminuiu claramente” desde a saída da troika
do país.
Em relação às
reformas estruturais a mesma ideia. Comissão Europeia e FMI dizem que sem novas
medidas que tornem o país mais competitivo, o país não vai conseguir prolongar
por muito tempo uma aceleração do crescimento e mais criação de emprego, e
alertam para a mudança de padrão de crescimento, mais baseado no consumo e
menos nas exportações, a que se tem assistido nos últimos meses.
Para mudar esta
tendência, FMI e Comissão Europeia repetem uma receita já muitas vezes prescrita:
o país precisa de mais reformas estruturais, seja no mercado de trabalho, seja
em mercados protegidos da concorrência como a energia, que o tornem mais
competitivo face ao exterior.
O problema,
dizem, é que, em vez de cumprir a receita, o Governo tem vindo nos últimos
meses a fazer precisamente o contrário. A Comissão Europeia fala de uma
diminuição de empenho do Governo e diz que “o ritmo das reformas estruturais
parecer ter diminuído consideravelmente desde o final do programa, tendo, em
alguns casos, invertido os resultados obtidos no passado”. O FMI afirma que o
“impulso global de reforma, particularmente em áreas cruciais para a
competitividade externa parece ter sido travado desde a expiração do programa”.
Tanto a Comissão
como o Fundo apenas dão um exemplo concreto do que dizem ser o recuo do Governo
nas reformas estruturais: o aumento do salário mínimo nacional decidido em
Outubro. “A decisão de aumentar o salário mínimo poderá tornar ainda mais
difícil a transição para o mercado de trabalho para os grupos mais
vulneráveis”, diz Bruxelas, enquanto o FMI defende que esta decisão “vai tornar
mais difícil para os trabalhadores não qualificados manter e encontrar novos
empregos”.
A situação do
sector financeiro nacional, que depois da saída da troika assistiu ao colapso
do BES, também mereceu comentários dos responsáveis da Comissão e do FMI. Neste
caso, a actuação das autoridades na resolução do BES não foi criticada,
afirmando-se apenas que a estabilidade financeira foi, por agora, assegurada. Mas
foi deixado um aviso: “para o futuro, a estratégia das autoridades para o Novo
Banco vai ter de conseguir um equilíbrio entre preservar a estabilidade
financeira e salvaguardar as finanças públicas”.
É só um acompanhamento
A reacção do
Governo a estas críticas foi rápida, emitindo o seu próprio comunicado sobre o
final da primeira monitorização pós-programa. Apesar de afirmar que levará em
conta os alertas feitos em relação ao perigo de incumprimento das metas
orçamentais em 2015, o Executivo diz que foram explicadas à troika as medidas
de consolidação que irão ser aplicadas no próximo ano e demonstrados “os
progressos registados em matéria de reformas estruturais”.
Esta tarde, o
primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, afirmou, citado pela Lusa, que há
"divergências [com Bruxelas e FMI] na maneira como se valorizam
determinados elementos", mas acrescentou que existe "acordo"
sobre a necessidade de "continuar com uma agenda de reformas
estruturais".
No comunicado
enviado pelas Finanças, o Governo diz também que “perante os desenvolvimentos
recentes da economia portuguesa e os dados disponíveis da execução orçamental
em 2014, as projecções subjacentes à proposta de Orçamento do Estado se mantêm
adequadas” e reafirma “o compromisso firme de garantir, em 2015, a saída de Portugal
do Procedimento por Défice Excessivo”, ou seja, de atingir um défice público
inferior a 3%.
Para cumprir esse
objectivo, o Executivo não coloca de lado a possibilidade de ter de tomar
medidas adicionais. “A evolução económica e a execução orçamental continuarão a
ser permanentemente monitorizadas pelo Governo, por forma a atempadamente
ajustar a sua estratégia caso venha a revelar-se necessário”.
Ainda assim, o
Governo deixa claro que, agora, dar essas garantias vagas é suficiente, uma vez
que, com o programa da troika já terminado, já não é preciso negociar. “Neste
novo contexto, não há mais lugar a negociação com as instituições, mas sim a um
acompanhamento dos desenvolvimentos na política orçamental e na economia
portuguesa”, diz o comunicado das Finanças.
O que a troika diz sobre Portugal
Principais alertas:
- A economia está
a crescer à base de mais consumo, o que não é sustentável devido ao elevado
nível de endividamento.
- O ritmo de
concretização das reformas estruturais abrandou e, em alguns casos, até se
registaram recuos, adiando ganhos de competitividade.
- A correcção dos
desequilíbrios das finanças públicas está a ser adiado, com as projecções para
o défice em 2015 a
serem demasiado optimistas.
- Continua-se a
assistir a episódios de elevada volatilidade nos mercados de dívida pública
europeus, o que significa que financiar o elevado endividamento do Estado
continua a ser uma tarefa com bastantes riscos.
Recomendações:
- Regressar a um
impulso de reformas estruturais, nomeadamente garantindo que os aumentos
salariais não ultrapassam o aumento da produtividade e forçando a abertura de
mercados protegidos como a energia.
- Adoptar novas
medidas de consolidação orçamental para cumprir as metas do défice definidas
inicialmente para 2015 (2,5%) e garantir uma redução do défice estrutural mais
próxima dos 0,5 pontos percentuais.
- Reforçar a
resistência do sector bancário, de forma a que este possa suportar sem novos incidentes
o cenário de baixa rendibilidade que se deverá continuar a fazer sentir no
futuro.
Aumento do consumo potencia maior
criação de emprego desde 2001
RAQUEL MARTINS
05/11/2014 - PÚBLICO
Taxa de desemprego recua para 13,1%, o nível mais baixo dos últimos três
anos. Troika avisa que crescimento do emprego pode não ser sustentável.
A retoma do
mercado de trabalho em Portugal acentuou-se no terceiro trimestre do ano, em
grande parte à boleia do aumento da procura interna e, também, do Estado. A
taxa de desemprego recuou de 13,9 para 13,1% e a criação de postos de trabalho
atingiu o crescimento mais expressivo desde 2001. Mas apesar das melhorias,
ainda há perto de 689 mil pessoas à procura de trabalho, quase 67% estão nessa
situação há mais de um ano e a população empregada continua longe dos níveis
anteriores à crise.
Depois de um
longo período de destruição contínua de emprego e de subidas recorde da taxa de
desemprego, o inquérito do INE dá conta da criação de 50,5 mil postos de
trabalho em relação ao trimestre anterior e de quase 96 mil entre Setembro de
2013 e Setembro de 2014. É preciso recuar
até 2001 para encontrar aumentos homólogos do emprego desta dimensão. No
entanto, o total da população empregada continua longe dos níveis desse ano
(quando ultrapassava os cinco milhões de activos) e o emprego criado ainda não
é suficiente para absorver as 131 mil pessoas que deixaram de figurar nas
estatísticas como desempregadas.
Olhando para o
que aconteceu nos principais sectores de actividade ao longo do último ano,
pode concluir-se que a recuperação do mercado de trabalho parece estar ancorada
no aumento do consumo. Os serviços foram responsáveis pela criação de 110 mil
postos de trabalho e, dentro deste sector, o principal contributo veio do
comércio (com mais 27,6 mil postos de trabalho) e da Administração Pública
(mais 25,6 mil), enquanto a indústria teve um crescimento mais tímido, de 46,1
empregos, e na agricultura destruíram-se 60 mil.
“O emprego nos
serviços cresceu 110 mil em termos homólogos, o que indicia um crescimento pela
procura interna”, destaca ao PÚBLICO o economista João Cerejeira. O professor
da Universidade do Minho lembra que o desemprego tem vindo a reagir mais
depressa do que o esperado, contrariando o que aconteceu em crises anteriores,
quando eram precisos crescimentos económicos superiores a 2% para que o mercado
de trabalho voltasse a terreno positivo. “O emprego tem sido mais sensível às
oscilações da procura interna, enquanto o aumento das exportações não tem um
reflexo tão grande no emprego”, nota, lembrando que no futuro essa relação pode
ser um risco.
Francisco
Madelino, ex-presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional, acrescenta outras explicações para o
comportamento do mercado de trabalho “uma boa Primavera-Verão, que, em termos
turísticos aumentou o emprego nos serviços” e o facto de ter aumentado o número
de desempregados ocupados em políticas activas de emprego.
Tanto o Fundo
Monetário Internacional (FMI) como a Comissão Europeia (CE) não têm dúvidas de
que a retoma da economia baseada no consumo é um risco também para o emprego e
receiam que as políticas activas de emprego estejam a dar uma ideia errada da
dinâmica do mercado laboral em Portugal.
No documento que
resume os resultados da visita que a troika fez a Portugal para avaliar a
situação do país no pós-programa, ontem divulgado, o fundo alerta que o ritmo
de criação de emprego que se tem verificado nos últimos trimestres poderá
abrandar.
O problema, diz o
FMI é que o aumento do emprego reflecte, em parte, um crescimento da economia
assente no consumo privado, e os efeitos das políticas de activação de
desempregados e das políticas de contratação das empresas que, durante a
recessão, reduziram excessivamente a sua força de trabalho. Bruxelas já tinha
deixado alertas semelhantes nas previsões de Outono, divulgadas na terça-feira,
dizendo que esses factores podem estar a inflacionar a dinâmica do mercado de
trabalho.
O Governo
considera a redução do desemprego “uma boa notícia” e está convencido de que a
tendência vai manter-se no médio prazo. O ministro do Emprego, Pedro Mota
Soares, destacou a recuperação económica do país “capaz de gerar empregos”
e destacou que os empregos criados têm
“mais qualidade e mais qualificação”. Sobre o facto de ser o consumo interno e
não a procura externa (com aquisição de
bens produzidos em Portugal) a dinamizar os postos de trabalho, o ministro nada
disse.
Emprego mais
qualificado e menos precário
Os dados
trimestrais do INE revelam ainda que a recuperação do mercado de trabalho
beneficia os trabalhadores mais qualificados e que as empresas têm investido em
vínculos mais permanentes
O aumento mais
expressivo da população empregada, em termos homólogos, ocorreu nos
trabalhadores com o ensino superior (144,6 mil pessoas) e entre os que têm o
ensino secundário (66,8 mil pessoas), enquanto o emprego para os trabalhadores
com o ensino básico recuou 115,7 mil. Este padrão mantém-se, embora com valores
diferentes, quando se faz a comparação com o trimestre anterior. Mas ao
contrário do que se poderia esperar, não é entre os jovens que o emprego mais
cresce. Face ao ano passado, o aumento mais notório ocorre nas faixas entre os
35 e os 64 anos. Na comparação trimestral são os jovens entre os 15 e os 24
anos que mais beneficiam com o aumento do emprego, o que poderá estar
relacionado com os efeitos da sazonalidade que atravessam os meses de Junho,
Julho e Setembro.
É também esse
efeito que pode explicar o aumento trimestral mais acentuado dos trabalhadores
por conta de outrém com contratos a termo, em comparação com o aumento mais
tímido dos contratos definitivos. Mas na comparação anual o crescimento mais
expressivo ocorre nos vínculos sem termo (147 mil pessoas).
Desemprego em
mínimo de três anos
A retoma do
emprego poderá ajudar a explicar a queda da taxa de desemprego para 13,1% no
terceiro trimestre de 2014,
a percentagem mais baixa dos últimos três anos e um
recuo significativo face aos 15,5% registados no ano passado.
Nos últimos 12
meses, 131 mil desempregados deixaram de constar nas estatísticas do INE. Em
comparação com o segundo trimestre do ano eram menos 40 mil. Na prática, são
688,9 mil as pessoas que declaram estar a procurar activamente um trabalho.
Parte da redução do desemprego fica a dever-se ao aumento do emprego. Porém, os
cerca de 96 mil novos empregos são insuficientes para absorver as 131 mil
pessoas que saíram do desemprego. A passagem à inactividade e redução da
população total, em parte devido à emigração, são outros destinos potenciais
dos desempregados que não conseguiram voltar ao mercado.
Mas há quem se
arrisque a permanecer nas malhas do desemprego por longos anos. Apesar das
melhorias e embora o INE dê conta de uma redução do número de pessoas que diz
estar sem trabalho há mais de um ano, o peso dos desempregados de longa duração
no total continua a ser preocupante e é o segundo maior desde que há registos.
No final do terceiro trimestre, 460,9 mil desempregados procuravam trabalho há
mais de um ano, o que corresponde a 66,9% do total.
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