quinta-feira, 6 de novembro de 2014

EDITORIAL / PÚBLICO A política do ‘logo se vê e logo se resolve’. / Troika diz que desde que se foi embora o Governo parou de se esforçar. /Aumento do consumo potencia maior criação de emprego desde 2001.


EDITORIAL / PÚBLICO
A política do ‘logo se vê e logo se resolve’
DIRECÇÃO EDITORIAL 05/11/2014 -

Depois da Comissão Europeia, agora é a vez de o FMI duvidar das previsões do Governo.
O Orçamento do Estado para 2015 ainda está a ser discutido no Parlamento e já são várias as instituições, nacionais e internacionais, a duvidar das contas do Governo. Primeiro foi a vez da Comissão Europeia dizer que o défice no próximo ano chegará aos 3,3%, um número bastante longe dos 2,7% previstos pelo Governo. O novo comissário europeu para o Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, explicou que o que separa a Comissão do Governo é “uma abordagem menos optimista e […] mais realista”.

Esta quarta-feira foi a vez do FMI dizer o mesmo, só que em vez dos 2,7% do Governo ou dos 3,3% da Comissão, diz que o défice vai derrapar para os 3,4%. Não se trata de uma questão de décimas, como sustentam os partidos que apoiam o Governo; entre as estimativas do Orçamento e as previsões que vêm de Washington e de Bruxelas existe um hiato superior a mil milhões de euros.

Todos criticam o excesso de optimismo em relação ao crescimento das receitas fiscais, ninguém parece partilhar da confiança em relação à estratégia de combate à fraude e evasão fiscais e poucos conseguem desvendar onde é que serão feitos os cortes nas despesas. Aliás, o próprio Conselho das Finanças Públicas veio dizer esta quarta-feira que 40% das medidas de austeridade previstas neste Orçamento nem sequer estão especificadas. Qual será o tecto das prestações sociais? Onde é que se irá cortar nos consumos intermédios? Perguntas a que só o Governo saberá a resposta.

Perante números tão contraditórios e tão diferente dos seus, o que faz o Governo? Nada. Mantém-se fiel às suas previsões e não altera uma vírgula aos números do Orçamento. Mas quer a ministra das Finanças, quer o primeiro-ministro dizem estar disponíveis para ajustar a estratégia orçamental para evitar que o défice supere a fasquia dos 3%. É a chamada política do logo se vê. Se as coisas correrem mal remenda-se na altura e até lá não se assusta os eleitores.

Troika diz que desde que se foi embora o Governo parou de se esforçar
SÉRGIO ANÍBAL 05/11/2014 - PÚBLICO
Processo de consolidação orçamental parou e impulso de reformas estruturais foi travado, criticam a Comissão Europeia e o FMI. A troika está convencida que Portugal, sem programa, já está a ir pelo caminho errado.

Depois de três anos de relatórios com vários elogios intercalados por alguns alertas e recomendações feitos de forma diplomática, a troika fez esta quarta feira a sua análise mais pessimista em relação aos desafios que enfrenta a economia portuguesa, com várias críticas ao que diz ser uma paragem no esforço de reforma feito pelo Governo.

A mudança de discurso acontece nos comunicados emitidos pela Comissão Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional esta quarta-feira no final da primeira visita destas instituições a Portugal desde final do programa da troika em Maio. Foi a primeira de várias monitorizações pós programa que irão continuar a ser feitas até que Portugal pague a maior parte dos seus empréstimos e veio mostrar que, ao fim de seis meses fora do país, a troika acha que Portugal já está a ir pelo caminho errado.

São duas as áreas em que Bruxelas e FMI vêem mais erros: a tarefa de redução do défice e a realização de reformas estruturais que ajudem o país a crescer. Em ambos os casos, a troika diz que, face à sua ausência, o Governo deixou de se esforçar.

Em primeiro lugar, o défice. A Comissão Europeia já tinha previsto na terça-feira que o saldo negativo das contas públicas seria de 3,3% no próximo ano, em vez dos 2,7% previstos pelo Governo e dos 2,5% que tinham sido prometidos à troika. Agora, o FMI faz uma análise semelhante, apontando para um défice público em 2015 de 3,4%.

Para além disso, em relação ao défice estrutural – que mede o verdadeiro esforço de consolidação orçamental feito por um país e que o Tratado Orçamental europeu diz que se devia reduzir 0,5 pontos percentuais por ano – a Bruxelas diz que irá agravar-se em 0,4 pontos no próximo ano e o FMI em 0,3 pontos.

O FMI explica estas previsões mais pessimistas com o facto de assumir “projecções macroeconómicas e de receita mais conservadoras”, enquanto a Comissão Europeia fala em “hipóteses menos optimistas sobre o impacto orçamental da evolução macroeconómica e das medidas de consolidação”.

É com base nestes números que FMI e Comissão Europeia criticam a atitude do Governo nos últimos meses em relação às finanças públicas. O Fundo não tem dúvidas em afirmar que “o esforço de consolidação orçamental prepara-se para ser travado em 2015, adiando mais uma vez o inevitável ajustamento orçamental adicional que é necessário para garantir a sustentabilidade da dívida pública”. Prevê por isso que “na ausência de novas medidas de consolidação em 2015 e no médio prazo, o défice projectado irá continuar a divergir dos compromissos de médio prazo assumidos pelas autoridades portuguesas”.

A Comissão segue a mesma linha de pensamento e diz que “o esforço para reduzir o défice estrutural orçamental subjacente diminuiu claramente” desde a saída da troika do país.

Em relação às reformas estruturais a mesma ideia. Comissão Europeia e FMI dizem que sem novas medidas que tornem o país mais competitivo, o país não vai conseguir prolongar por muito tempo uma aceleração do crescimento e mais criação de emprego, e alertam para a mudança de padrão de crescimento, mais baseado no consumo e menos nas exportações, a que se tem assistido nos últimos meses.

Para mudar esta tendência, FMI e Comissão Europeia repetem uma receita já muitas vezes prescrita: o país precisa de mais reformas estruturais, seja no mercado de trabalho, seja em mercados protegidos da concorrência como a energia, que o tornem mais competitivo face ao exterior.

O problema, dizem, é que, em vez de cumprir a receita, o Governo tem vindo nos últimos meses a fazer precisamente o contrário. A Comissão Europeia fala de uma diminuição de empenho do Governo e diz que “o ritmo das reformas estruturais parecer ter diminuído consideravelmente desde o final do programa, tendo, em alguns casos, invertido os resultados obtidos no passado”. O FMI afirma que o “impulso global de reforma, particularmente em áreas cruciais para a competitividade externa parece ter sido travado desde a expiração do programa”.

Tanto a Comissão como o Fundo apenas dão um exemplo concreto do que dizem ser o recuo do Governo nas reformas estruturais: o aumento do salário mínimo nacional decidido em Outubro. “A decisão de aumentar o salário mínimo poderá tornar ainda mais difícil a transição para o mercado de trabalho para os grupos mais vulneráveis”, diz Bruxelas, enquanto o FMI defende que esta decisão “vai tornar mais difícil para os trabalhadores não qualificados manter e encontrar novos empregos”.

A situação do sector financeiro nacional, que depois da saída da troika assistiu ao colapso do BES, também mereceu comentários dos responsáveis da Comissão e do FMI. Neste caso, a actuação das autoridades na resolução do BES não foi criticada, afirmando-se apenas que a estabilidade financeira foi, por agora, assegurada. Mas foi deixado um aviso: “para o futuro, a estratégia das autoridades para o Novo Banco vai ter de conseguir um equilíbrio entre preservar a estabilidade financeira e salvaguardar as finanças públicas”.

É só um acompanhamento

A reacção do Governo a estas críticas foi rápida, emitindo o seu próprio comunicado sobre o final da primeira monitorização pós-programa. Apesar de afirmar que levará em conta os alertas feitos em relação ao perigo de incumprimento das metas orçamentais em 2015, o Executivo diz que foram explicadas à troika as medidas de consolidação que irão ser aplicadas no próximo ano e demonstrados “os progressos registados em matéria de reformas estruturais”.

Esta tarde, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, afirmou, citado pela Lusa, que há "divergências [com Bruxelas e FMI] na maneira como se valorizam determinados elementos", mas acrescentou que existe "acordo" sobre a necessidade de "continuar com uma agenda de reformas estruturais".

No comunicado enviado pelas Finanças, o Governo diz também que “perante os desenvolvimentos recentes da economia portuguesa e os dados disponíveis da execução orçamental em 2014, as projecções subjacentes à proposta de Orçamento do Estado se mantêm adequadas” e reafirma “o compromisso firme de garantir, em 2015, a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo”, ou seja, de atingir um défice público inferior a 3%.

Para cumprir esse objectivo, o Executivo não coloca de lado a possibilidade de ter de tomar medidas adicionais. “A evolução económica e a execução orçamental continuarão a ser permanentemente monitorizadas pelo Governo, por forma a atempadamente ajustar a sua estratégia caso venha a revelar-se necessário”.

Ainda assim, o Governo deixa claro que, agora, dar essas garantias vagas é suficiente, uma vez que, com o programa da troika já terminado, já não é preciso negociar. “Neste novo contexto, não há mais lugar a negociação com as instituições, mas sim a um acompanhamento dos desenvolvimentos na política orçamental e na economia portuguesa”, diz o comunicado das Finanças.

O que a troika diz sobre Portugal

Principais alertas:

- A economia está a crescer à base de mais consumo, o que não é sustentável devido ao elevado nível de endividamento.

- O ritmo de concretização das reformas estruturais abrandou e, em alguns casos, até se registaram recuos, adiando ganhos de competitividade.

- A correcção dos desequilíbrios das finanças públicas está a ser adiado, com as projecções para o défice em 2015 a serem demasiado optimistas.

- Continua-se a assistir a episódios de elevada volatilidade nos mercados de dívida pública europeus, o que significa que financiar o elevado endividamento do Estado continua a ser uma tarefa com bastantes riscos.

Recomendações:

- Regressar a um impulso de reformas estruturais, nomeadamente garantindo que os aumentos salariais não ultrapassam o aumento da produtividade e forçando a abertura de mercados protegidos como a energia.

- Adoptar novas medidas de consolidação orçamental para cumprir as metas do défice definidas inicialmente para 2015 (2,5%) e garantir uma redução do défice estrutural mais próxima dos 0,5 pontos percentuais.

- Reforçar a resistência do sector bancário, de forma a que este possa suportar sem novos incidentes o cenário de baixa rendibilidade que se deverá continuar a fazer sentir no futuro.


Aumento do consumo potencia maior criação de emprego desde 2001
RAQUEL MARTINS 05/11/2014 - PÚBLICO
Taxa de desemprego recua para 13,1%, o nível mais baixo dos últimos três anos. Troika avisa que crescimento do emprego pode não ser sustentável.

A retoma do mercado de trabalho em Portugal acentuou-se no terceiro trimestre do ano, em grande parte à boleia do aumento da procura interna e, também, do Estado. A taxa de desemprego recuou de 13,9 para 13,1% e a criação de postos de trabalho atingiu o crescimento mais expressivo desde 2001. Mas apesar das melhorias, ainda há perto de 689 mil pessoas à procura de trabalho, quase 67% estão nessa situação há mais de um ano e a população empregada continua longe dos níveis anteriores à crise.

Depois de um longo período de destruição contínua de emprego e de subidas recorde da taxa de desemprego, o inquérito do INE dá conta da criação de 50,5 mil postos de trabalho em relação ao trimestre anterior e de quase 96 mil entre Setembro de 2013 e Setembro de 2014.  É preciso recuar até 2001 para encontrar aumentos homólogos do emprego desta dimensão. No entanto, o total da população empregada continua longe dos níveis desse ano (quando ultrapassava os cinco milhões de activos) e o emprego criado ainda não é suficiente para absorver as 131 mil pessoas que deixaram de figurar nas estatísticas como desempregadas.

Olhando para o que aconteceu nos principais sectores de actividade ao longo do último ano, pode concluir-se que a recuperação do mercado de trabalho parece estar ancorada no aumento do consumo. Os serviços foram responsáveis pela criação de 110 mil postos de trabalho e, dentro deste sector, o principal contributo veio do comércio (com mais 27,6 mil postos de trabalho) e da Administração Pública (mais 25,6 mil), enquanto a indústria teve um crescimento mais tímido, de 46,1 empregos, e na agricultura destruíram-se 60 mil.

“O emprego nos serviços cresceu 110 mil em termos homólogos, o que indicia um crescimento pela procura interna”, destaca ao PÚBLICO o economista João Cerejeira. O professor da Universidade do Minho lembra que o desemprego tem vindo a reagir mais depressa do que o esperado, contrariando o que aconteceu em crises anteriores, quando eram precisos crescimentos económicos superiores a 2% para que o mercado de trabalho voltasse a terreno positivo. “O emprego tem sido mais sensível às oscilações da procura interna, enquanto o aumento das exportações não tem um reflexo tão grande no emprego”, nota, lembrando que no futuro essa relação pode ser um risco.

Francisco Madelino, ex-presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional,  acrescenta outras explicações para o comportamento do mercado de trabalho “uma boa Primavera-Verão, que, em termos turísticos aumentou o emprego nos serviços” e o facto de ter aumentado o número de desempregados ocupados em políticas activas de emprego.

Tanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) como a Comissão Europeia (CE) não têm dúvidas de que a retoma da economia baseada no consumo é um risco também para o emprego e receiam que as políticas activas de emprego estejam a dar uma ideia errada da dinâmica do mercado laboral em Portugal.

No documento que resume os resultados da visita que a troika fez a Portugal para avaliar a situação do país no pós-programa, ontem divulgado, o fundo alerta que o ritmo de criação de emprego que se tem verificado nos últimos trimestres poderá abrandar.

O problema, diz o FMI é que o aumento do emprego reflecte, em parte, um crescimento da economia assente no consumo privado, e os efeitos das políticas de activação de desempregados e das políticas de contratação das empresas que, durante a recessão, reduziram excessivamente a sua força de trabalho. Bruxelas já tinha deixado alertas semelhantes nas previsões de Outono, divulgadas na terça-feira, dizendo que esses factores podem estar a inflacionar a dinâmica do mercado de trabalho.

O Governo considera a redução do desemprego “uma boa notícia” e está convencido de que a tendência vai manter-se no médio prazo. O ministro do Emprego, Pedro Mota Soares, destacou a recuperação económica do país “capaz de gerar empregos” e  destacou que os empregos criados têm “mais qualidade e mais qualificação”. Sobre o facto de ser o consumo interno e não a procura externa (com  aquisição de bens produzidos em Portugal) a dinamizar os postos de trabalho, o ministro nada disse.

Emprego mais qualificado e menos precário
Os dados trimestrais do INE revelam ainda que a recuperação do mercado de trabalho beneficia os trabalhadores mais qualificados e que as empresas têm investido em vínculos mais permanentes

O aumento mais expressivo da população empregada, em termos homólogos, ocorreu nos trabalhadores com o ensino superior (144,6 mil pessoas) e entre os que têm o ensino secundário (66,8 mil pessoas), enquanto o emprego para os trabalhadores com o ensino básico recuou 115,7 mil. Este padrão mantém-se, embora com valores diferentes, quando se faz a comparação com o trimestre anterior. Mas ao contrário do que se poderia esperar, não é entre os jovens que o emprego mais cresce. Face ao ano passado, o aumento mais notório ocorre nas faixas entre os 35 e os 64 anos. Na comparação trimestral são os jovens entre os 15 e os 24 anos que mais beneficiam com o aumento do emprego, o que poderá estar relacionado com os efeitos da sazonalidade que atravessam os meses de Junho, Julho e Setembro.

É também esse efeito que pode explicar o aumento trimestral mais acentuado dos trabalhadores por conta de outrém com contratos a termo, em comparação com o aumento mais tímido dos contratos definitivos. Mas na comparação anual o crescimento mais expressivo ocorre nos vínculos sem termo (147 mil pessoas).

Desemprego em mínimo de três anos
A retoma do emprego poderá ajudar a explicar a queda da taxa de desemprego para 13,1% no terceiro trimestre de 2014, a percentagem mais baixa dos últimos três anos e um recuo significativo face aos 15,5% registados no ano passado.

Nos últimos 12 meses, 131 mil desempregados deixaram de constar nas estatísticas do INE. Em comparação com o segundo trimestre do ano eram menos 40 mil. Na prática, são 688,9 mil as pessoas que declaram estar a procurar activamente um trabalho. Parte da redução do desemprego fica a dever-se ao aumento do emprego. Porém, os cerca de 96 mil novos empregos são insuficientes para absorver as 131 mil pessoas que saíram do desemprego. A passagem à inactividade e redução da população total, em parte devido à emigração, são outros destinos potenciais dos desempregados que não conseguiram voltar ao mercado.


Mas há quem se arrisque a permanecer nas malhas do desemprego por longos anos. Apesar das melhorias e embora o INE dê conta de uma redução do número de pessoas que diz estar sem trabalho há mais de um ano, o peso dos desempregados de longa duração no total continua a ser preocupante e é o segundo maior desde que há registos. No final do terceiro trimestre, 460,9 mil desempregados procuravam trabalho há mais de um ano, o que corresponde a 66,9% do total.

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