EDITORIAL
O mundo global
sob pressão do novo coronavírus
Daqui a dois ou
três meses, a resistência dos humanos, as medidas de contenção das autoridades
e a resposta da ciência poderão ter debelado os perigos da covid-19 . Mas os
seus efeitos hão-de persistir na economia e nas feridas abertas numa ordem
mundial já de si frágil
MANUEL CARVALHO
10 de Março de
2020, 7:12
Num momento em
que, natural e justificadamente, a grande preocupação das autoridades e dos
cidadãos se dirige para o alastramento do novo coronavírus ficou claro que há
pelo menos mais duas consequências do vírus que vão agravar as incertezas sobre
o futuro: o já inevitável afundamento da economia e o aproveitamento
geoestratégico que alguns países vão fazer da crise para se posicionarem para o
futuro. A forte desaceleração da China, os impactes na cadeia de abastecimentos
global, a crise das companhias aéreas, a travagem a fundo do turismo ou a
brutal perda de confiança que se reflecte já nos mercados de capitais ou nas
estratégias de investimento fazem o mundo recuar aos dias sombrios da crise de
2008. E neste quadro global preocupante, Portugal estará seguramente entre os
principais sofredores – até porque está particularmente exposto à crise do
turismo, que no ano passado valeu 14.6% do produto interno bruto do país.
Os organismos
multilaterais da economia e finanças reagiram com a velocidade possível – o FMI
disponibilizando 50 mil milhões de dólares e o Banco Mundial 12 mil milhões.
Vários bancos centrais reduziram taxas de juro para tentar aquecer a economia.
Quase todos os governos anunciaram medidas para mitigar a crise – ainda ontem o
ministro da Economia aumentou de 100 para 200 milhões de euros o valor de um
programa de apoio às empresas. Mas face à dimensão da crise, com sucessivas
fábricas a parar um pouco por todo o mundo, com os fluxos comerciais e o
trânsito de pessoas a contrair-se a grande velocidade, só por milagre a
economia mundial não entrará em recessão. Resistir será a palavra de ordem e,
felizmente, Portugal tem hoje uma situação orçamental que lhe concede folga
para combater os efeitos da crise. Está na hora de esquecer o défice e de
apostar em medidas contracíclicas.
A crise na
economia abrirá portas para a afirmação de egoísmos nacionais e aumentará a
superfície de fricção no jogo dos interesses das principais potências. A
decisão unilateral da Arábia Saudita em reduzir o preço do petróleo deve ser
interpretada como o prenúncio de uma atitude que comprometerá o já de si frágil
multilateralismo e acentuará perigosamente o retrocesso do comércio livre.
Daqui a dois ou três meses, a resistência dos humanos, as medidas de contenção
das autoridades e a resposta da ciência poderão ter debelado os perigos da
covid-19 e afastado as preocupações que hoje toldam o nosso quotidiano. Mas os
seus efeitos hão-de persistir na economia e nas feridas abertas numa ordem
mundial já de si frágil pelos ataques a que tem sido sujeita.
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