OPINIÃO
CORONAVÍRUS
A Europa
arrisca-se a falhar a sua maior prova de vida
Perante uma crise
que “levou três semanas a abater-se sobre as economias”, quando a Grande
Depressão ou a Grande Recessão “levaram três anos”, tudo o que se pode esperar
dos líderes europeus parece estar agora no domínio dos milagres.
TERESA DE SOUSA
25 de Março de
2020, 21:00
1. Nem sequer
vale a pena tentar dourar a pílula. Foram suficientemente parcos e ambíguos os
resultados da reunião do Eurogrupo de terça-feira passada para que dela tivesse
saído um qualquer sinal positivo de que a União Europeia vai conseguir
sobreviver a este tremendo abalo que corre o risco de transformar a crise do
euro numa boa recordação. A carta que nesta quarta-feira os chefes de Estado e
de Governo de nove países da União, incluindo Portugal, enviaram ao presidente
do Conselho Europeu, Charles Michel, é já a resposta preventiva à tibieza das
decisões do Eurogrupo e às profundas divisões que pôs a nu. Contém uma mensagem
essencial: a única forma de evitar as consequências assimétricas de uma crise
que é comum a todos e que não é culpa de ninguém, estará na possibilidade de
poder emitir dívida conjunta – as coronabonds -, mesmo que delimitada ao
esforço suplementar de endividamento que os países vão ter de fazer para suster
as respectivas economias num nível de contracção humanamente suportável.
Sem isso, o risco
de os mercados voltarem a penalizar os mais fracos e a beneficiar os mais
fortes é imenso. E se isso voltar a acontecer - repetindo numa escala ainda
mais dramática o que aconteceu com a crise financeira há dez anos –, muito
dificilmente o euro e, consequentemente, a Europa, vencerão esta prova de vida.
Os avisos já aí
estão. Nos primeiros dias da crise, os juros da dívida dos países do Sul
começaram imediatamente a subir enquanto os investidores pagavam para comprar
dívida alemã. O que sabemos hoje é que a evidência não foi suficiente para
mudar a posição de Berlim, da Haia ou de Viena. O ministro das Finanças alemão,
o social-democrata Olaf Scholz, traçou uma linha vermelha mesmo antes do início
da reunião dos ministros das Finanças: “Não haverá eurobonds”. Peter Altmaier,
o seu colega da Economia, acrescentou que discuti-los, seria “um debate
fantasma” sobre “supostos conceitos novos que são apenas velhas ideias há muito
descartadas, que regressam dos mortos”.
O contraste não
poderia ser mais flagrante com as palavras do ministro francês das Finanças,
Bruno Le Maire: “Ou a zona euro responde de forma unida à crise económica e
emerge mais forte, ou reage em ordem dispersa e corre o risco de desaparecer”.
2. E nem sequer
foi fácil um consenso – que ainda é demasiado vago – em torno da utilização do
Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) para fornecer crédito em boas
condições. Há 410 mil milhões de euros disponíveis no fundo. O seu director, o
alemão Klaus Redling, esfriou as expectativas mais optimistas quando fez
questão de sublinhar que cada Estado-membro seria livre de lhe aceder ou não.
Ou seja, estabelecendo imediatamente uma divisão que os mercados não hesitarão
em interpretar.
Mais dinheiro,
mais directo: Economistas defendem maior apoio do Estado
Quando o limite
desse crédito é de 2% do PIB de cada país, também não restam dúvidas sobre a
sua limitada eficácia. Para Portugal, representaria qualquer coisa como 4,2 mil
milhões de euros, menos de metade do que até agora o Governo atribuiu ao apoio
directo às famílias e empresas, criticado por muita gente como insuficiente. O
Congresso norte-americano acaba de aprovar um pacote de ajuda à económica
equivalente a 10% do PIB.
“Esta crise não
foi desencadeada pelos gastos sem controlo do Sul, mas por um choque
imprevisível que nos afecta a todos e está para além do controlo dos governos.
E, mesmo assim, a solidariedade parece um bem tão escasso como as máscaras ou
os ventiladores”, podia ler-se esta quarta-feira na habitual análise diária do
site EuroActive.
3. A questão
seguinte é igualmente simples. O que pensará um italiano sobre a Europa quando
a epidemia começar a recuar? No auge da tragédia, quando a Itália pediu ajuda,
não recebeu grande coisa, a não ser o encerramento unilateral de fronteiras.
Dir-se-á que os outros países estavam a tentar não se transformarem noutra
Itália. Como justificação, é pouco. “Neste momento, em Itália, a China é vista
como a salvadora porque está a enviar médicos e máscaras, quando os parceiros
europeus têm adoptado uma atitude mais proteccionista, sobretudo no que toca ao
equipamento médico”, diz a académica Giovanna de Maio, da Brookings
Institution. “Até agora, a Europa, enquanto comunidade de solidariedade, parece
estar em espera”, acrescenta a colunista do Financial Times Constanze
Stelzemuller.
Portugal passou
por alguns anos de enormes sacrifícios sociais, impostos por um duro programa
de austeridade que teve de ser aplicado num tempo recorde. Fez o que tinha de
ser feito para preservar a sua pertença ao euro. Conseguiu o primeiro excedente
orçamental da democracia em 2019 e pôs a economia a crescer de forma
sustentada. Quem é que vai dizer aos portugueses que, apesar disso, podem vir a
pagar por esta crise um preço muito mais alto do que um alemão ou um holandês,
apenas porque a União não foi capaz de responder de forma solidária,
partilhando os riscos e os sacrifícios?
Perante uma crise
que está a ter como resultado, segundo a The Economist ,“uma das mais drásticas
contracções económicas dos tempos modernos”, ou que, nas palavras de Nouriel
Roubini, “levou três semanas a abater-se sobre as economias”, quando a Grande
Depressão ou a Grande Recessão “levaram três anos”, tudo o que se pode esperar
dos líderes europeus parece estar agora no domínio dos milagres.
Sem comentários:
Enviar um comentário