quarta-feira, 25 de março de 2020

A Europa arrisca-se a falhar a sua maior prova de vida



OPINIÃO CORONAVÍRUS
A Europa arrisca-se a falhar a sua maior prova de vida

Perante uma crise que “levou três semanas a abater-se sobre as economias”, quando a Grande Depressão ou a Grande Recessão “levaram três anos”, tudo o que se pode esperar dos líderes europeus parece estar agora no domínio dos milagres.

TERESA DE SOUSA
25 de Março de 2020, 21:00

1. Nem sequer vale a pena tentar dourar a pílula. Foram suficientemente parcos e ambíguos os resultados da reunião do Eurogrupo de terça-feira passada para que dela tivesse saído um qualquer sinal positivo de que a União Europeia vai conseguir sobreviver a este tremendo abalo que corre o risco de transformar a crise do euro numa boa recordação. A carta que nesta quarta-feira os chefes de Estado e de Governo de nove países da União, incluindo Portugal, enviaram ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, é já a resposta preventiva à tibieza das decisões do Eurogrupo e às profundas divisões que pôs a nu. Contém uma mensagem essencial: a única forma de evitar as consequências assimétricas de uma crise que é comum a todos e que não é culpa de ninguém, estará na possibilidade de poder emitir dívida conjunta – as coronabonds -, mesmo que delimitada ao esforço suplementar de endividamento que os países vão ter de fazer para suster as respectivas economias num nível de contracção humanamente suportável.

Sem isso, o risco de os mercados voltarem a penalizar os mais fracos e a beneficiar os mais fortes é imenso. E se isso voltar a acontecer - repetindo numa escala ainda mais dramática o que aconteceu com a crise financeira há dez anos –, muito dificilmente o euro e, consequentemente, a Europa, vencerão esta prova de vida.

Os avisos já aí estão. Nos primeiros dias da crise, os juros da dívida dos países do Sul começaram imediatamente a subir enquanto os investidores pagavam para comprar dívida alemã. O que sabemos hoje é que a evidência não foi suficiente para mudar a posição de Berlim, da Haia ou de Viena. O ministro das Finanças alemão, o social-democrata Olaf Scholz, traçou uma linha vermelha mesmo antes do início da reunião dos ministros das Finanças: “Não haverá eurobonds”. Peter Altmaier​, o seu colega da Economia, acrescentou que discuti-los, seria “um debate fantasma” sobre “supostos conceitos novos que são apenas velhas ideias há muito descartadas, que regressam dos mortos”.

O contraste não poderia ser mais flagrante com as palavras do ministro francês das Finanças, Bruno Le Maire: “Ou a zona euro responde de forma unida à crise económica e emerge mais forte, ou reage em ordem dispersa e corre o risco de desaparecer”.

2. E nem sequer foi fácil um consenso – que ainda é demasiado vago – em torno da utilização do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) para fornecer crédito em boas condições. Há 410 mil milhões de euros disponíveis no fundo. O seu director, o alemão Klaus Redling, esfriou as expectativas mais optimistas quando fez questão de sublinhar que cada Estado-membro seria livre de lhe aceder ou não. Ou seja, estabelecendo imediatamente uma divisão que os mercados não hesitarão em interpretar.

Mais dinheiro, mais directo: Economistas defendem maior apoio do Estado

Quando o limite desse crédito é de 2% do PIB de cada país, também não restam dúvidas sobre a sua limitada eficácia. Para Portugal, representaria qualquer coisa como 4,2 mil milhões de euros, menos de metade do que até agora o Governo atribuiu ao apoio directo às famílias e empresas, criticado por muita gente como insuficiente. O Congresso norte-americano acaba de aprovar um pacote de ajuda à económica equivalente a 10% do PIB.

“Esta crise não foi desencadeada pelos gastos sem controlo do Sul, mas por um choque imprevisível que nos afecta a todos e está para além do controlo dos governos. E, mesmo assim, a solidariedade parece um bem tão escasso como as máscaras ou os ventiladores”, podia ler-se esta quarta-feira na habitual análise diária do site EuroActive.

3. A questão seguinte é igualmente simples. O que pensará um italiano sobre a Europa quando a epidemia começar a recuar? No auge da tragédia, quando a Itália pediu ajuda, não recebeu grande coisa, a não ser o encerramento unilateral de fronteiras. Dir-se-á que os outros países estavam a tentar não se transformarem noutra Itália. Como justificação, é pouco. “Neste momento, em Itália, a China é vista como a salvadora porque está a enviar médicos e máscaras, quando os parceiros europeus têm adoptado uma atitude mais proteccionista, sobretudo no que toca ao equipamento médico”, diz a académica Giovanna de Maio, da Brookings Institution. “Até agora, a Europa, enquanto comunidade de solidariedade, parece estar em espera”, acrescenta a colunista do Financial Times Constanze Stelzemuller.

Portugal passou por alguns anos de enormes sacrifícios sociais, impostos por um duro programa de austeridade que teve de ser aplicado num tempo recorde. Fez o que tinha de ser feito para preservar a sua pertença ao euro. Conseguiu o primeiro excedente orçamental da democracia em 2019 e pôs a economia a crescer de forma sustentada. Quem é que vai dizer aos portugueses que, apesar disso, podem vir a pagar por esta crise um preço muito mais alto do que um alemão ou um holandês, apenas porque a União não foi capaz de responder de forma solidária, partilhando os riscos e os sacrifícios?

Perante uma crise que está a ter como resultado, segundo a The Economist ,“uma das mais drásticas contracções económicas dos tempos modernos”, ou que, nas palavras de Nouriel Roubini, “levou três semanas a abater-se sobre as economias”, quando a Grande Depressão ou a Grande Recessão “levaram três anos”, tudo o que se pode esperar dos líderes europeus parece estar agora no domínio dos milagres.

Sem comentários: