Coronavírus:
perdas mensais para a economia portuguesa podem chegar aos 4000 milhões
Com a actividade
económica quase estagnada em sectores fundamentais para a economia portuguesa,
uma recessão é o cenário mais provável, avisam os economistas, com a sua
dimensão a depender da duração da crise sanitária.
Sérgio Aníbal
Sérgio Aníbal 16
de Março de 2020, 6:15
A situação de
quarentena em que vive actualmente uma grande parte da população portuguesa
pode conduzir, num cenário inspirado naquilo que está a acontecer em países
como a China ou Itália, a perdas para a economia que superam os 4000 milhões de
euros ao mês, um valor que corresponde a quase um quarto do valor acrescentado mensal
da economia portuguesa.
Os cálculos,
ainda preliminares e assumindo pressupostos relativamente à percentagem de
empresas que podem ver a sua actividade fechada por causa da quarentena, são
apresentados numa análise realizado pelo economista Francesco Franco, professor
na Nova SBE.
Salvaguardando
que os números apresentados “são indicativos e têm como objectivo identificar
uma ordem de grandeza”, Francesco Franco defende que, nesta fase em que se
tomam decisões sobre a resposta de política económica a dar à crise, “começa a
ser importante perceber quais os números que podem estar em causa” e assinala
que a análise que efectuou revela que os custos para a economia “podem vir a
ser muito altos”.
A análise
centra-se nas três vias pelas quais as medidas de contenção do coronavírus
poderão fazer conduzir a impactos directos negativos na actividade económica: a
diminuição da procura de bens e serviços consumidos fora de casa, a redução da
oferta de trabalho na produção de bens e a redução da oferta de trabalho na produção
de serviços que não podem ser consumidos online.
A primeira via –
a diminuição do consumo de bens e serviços por parte da população, pelo facto
de uma grande parte das pessoas ficar em casa e várias lojas fecharem – é, de
longe, a que pode gerar um impacto mais negativo. Levando em conta que, na
China e em Itália, se chegou a uma situação em que os únicos estabelecimentos
comerciais que se mantiveram abertos foram os supermercados e as farmácias, o
economista da Universidade da Nova assume como pressuposto uma redução de 80%
neste sector, o que significaria, tendo em conta os números sectoriais
disponíveis, uma perda mensal de 3200 milhões de euros no valor acrescentado da
economia portuguesa.
Relativamente à
impossibilidade de uma parte dos trabalhadores continuar a contribuir para a
produzir bens, é assumida uma quebra da actividade nesse sector de 20%, o que
representaria uma perda mensal no valor acrescentado de 720 milhões de euros.
E por fim, no que
diz respeito à produção de serviços, é assumida uma quebra de 5%,
correspondendo a uma perda de 359 milhões de euros no valor acrescentado.
No total, a perda
estimada, tendo em conta os pressupostos de quebra de actividade assumidos,
supera os 4000 milhões de euros ao mês, o que representa quase um quarto do
valor acrescentado mensal português.
Outros números
que revelam a dimensão dos impactos que podem ser sentidos pela economia
portuguesa são, por exemplo, os 1440 milhões de euros que podem vir a ser
afectados pela redução da procura ou os 370 mil trabalhadores que poderão ter
problemas em continuar a assegurar a produção de bens num cenário de quarentena
generalizada.
O impacto global
na economia portuguesa estará, é claro, dependente da rapidez com que se
resolva o problema de saúde pública e se regresse à normalidade, mas com perdas
mensais desta natureza, fica evidente a dimensão do desafio que constitui
mitigar os impactos negativos na economia. “Como é que se pode partilhar este
custo pela sociedade portuguesa? É um assunto muito importante e tem de ser
resolvido, sendo que para já não se pode criar um pânico relativamente às
expectativas, nas pessoas e nas empresas”, afirma Francesco Franco,
reconhecendo que medidas já tomadas, como as linhas de crédito e os apoios às
baixas, podem ser importantes, “se forem muito bem comunicadas e fáceis de
utilizar”. Mas podem não chegar. ”Se o problema for desta dimensão e se
prolongar no tempo, não sei se este tipo de medidas clássicas será suficiente”,
alerta.
A caminho de uma
recessão
Neste momento, um
pouco por todo o mundo, reina a incerteza relativamente à dimensão do impacto
negativo trazido pelo novo coronavírus à economia. Apenas uma coisa é certa: já
está a ocorrer uma quebra significativa na actividade.
Para Portugal, as
previsões de crescimento económico ainda estão na maioria dos casos por
actualizar. Na sexta-feira, a agência de notação financeira internacional
Standard & Poor’s traçou um cenário relativamente benigno para a economia
portuguesa, em que o crescimento, em vez dos 1,9% projectados inicialmente pelo
Governo cairia em 2020 para 1,3%, regressando logo em 2021 para valores acima
de 2%.
De Bruxelas,
contudo, vêm projecções menos optimistas, mas realizadas para o total da União
Europeia (UE): em vez de um crescimento de 1,4% em 2020, uma contracção de 1%.
Tendo em conta a correlação muito forte entre o desempenho económico em
Portugal e na Europa e o facto de a economia portuguesa ser, por exemplo, uma
das que maior dependência tem do sector do turismo ou do consumo das famílias, não
é difícil assumir que o impacto em Portugal possa ser muito maior do que o do
resto da UE.
Para o economista
Ricardo Cabral, não há dúvidas que “o impacto no crescimento económico será
significativo”, afectando em particular sectores como os da “restauração,
hotelaria e alojamento local, viagens, transportes de pessoas, cultura, eventos
públicos e desportivos e provavelmente no mercado automóvel e no mercado
imobiliário”. “O coronavírus também afectará muitas cadeias de produção,
nomeadamente dos serviços e o funcionamento das Administrações Públicas, que
constituem a maior parte da actividade económica nas economias desenvolvidas”.
Perante isto, diz, “é provável que a economia portuguesa entre em recessão”.
Para o professor
do ISEG, o cenário que se tem pela frente exigiria uma resposta mais forte das
autoridades. “A resposta das autoridades nacionais (bem como das europeias)
ainda é insuficiente”, afirma. Embora reconhecendo a importância de medidas
entretanto tomadas e lembrando que, na política orçamental, “os estabilizadores
automáticos irão funcionar”, reduzindo os impostos e aumentando a despesa com
subsídios de desemprego, Ricardo Cabral considera que “as medidas de política
orçamental específicas de apoio aos sectores afectados são insuficientes”.
“Parece-me que são necessárias medidas que injectem capital nas empresas, mais
do que medidas de apoio à tesouraria ou de concessão de empréstimos a essas
empresas. Injecções de capital pelo sector público provavelmente traduzir-se-ão
em nacionalizações completas ou parciais de grandes empresas dos sectores
afectados, nomeadamente da TAP e de alguns dos grandes grupos hoteleiros
nacionais”, diz.
João Borges de
Assunção, professor na Universidade Católica, defende uma resposta mais
prudente, assinalando que “a forte redução de actividade económica é ainda
influenciada duplamente pela dimensão da pandemia, que ainda não se conhece na
sua dimensão plena, e pelas respostas dos Estados, que também estão em mutação
constante”. Nesse cenário, diz, “o mais prudente para Portugal é manter o
diálogo aberto com os governos dos países mais preparados, como o alemão, e
tentar aplicar em Portugal o mesmo tipo de medidas de excepção que adoptarem
lá”.
Para Portugal, um
dos cenários mais desfavoráveis seria se, perante uma crise na economia, o país
voltasse a ser colocado sob pressão dos mercados, com um agravamento sério dos
seus custos de financiamento. Para já, apesar das taxas de juro da dívida terem
registado uma subida, os custos de financiamento mantém-se em níveis bastante
baixos (Portugal emitiu esta semana dívida a 10 anos a uma taxa de juro
inferior a 0,7%). E o facto de a Standard & Poor’s ter mantido uma
perspectiva “positiva” para o rating português revela que o país não está, como
a Itália, nos radares dos mercados.
Ainda assim, é
possível, como afirma Ricardo Cabral, que “se o BCE permitir que as taxas de
juro das dívidas públicas de Itália e Espanha aumentem muito, o mercado de
dívida português seja afectado por contágio, já que passaria a ser a própria
sobrevivência do euro que estaria em causa”. O economista diz que os passos
dados pelo BCE na semana passada ”não inspiraram confiança” e alerta que “os
interesses financeiros, nomeadamente especulativos, são muito grandes”. “O
coronavírus representa um enorme teste à arquitectura do euro. Por conseguinte,
o risco de desintegração da Zona Euro aumentou”, defende.
Para João Borges
de Assunção, embora esta “não seja ainda a questão prioritária”, existe o risco
que “o excesso de voluntarismo dos nossos governantes crie esse tipo de
riscos”. Defende por isso, “a criação de uma estrutura de crise em que o
principal partido da oposição tenha assento” e a aposta numa “coordenação de
medidas com os principais países europeus, liderados pelo governo alemão”, o
que “daria confiança aos cidadãos sobre a qualidade das medidas de excepção”.
Uma coordenação
entre os governos europeus na resposta à crise económica é exactamente aquilo
que o Eurogrupo, liderado por Mário Centeno, irá tentar esta segunda-feira
definir, numa reunião realizada por vídeoconferência. Na antecipação desse
encontro, o ministro das Finanças, na sua conta do Twitter, disse estar
convencido que “à medida que a situação evolui, novos passos serão dados”.
“Vamos estar unidos para ultrapassar o medo e reiniciar as nossas economias”,
garantiu.
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