IMAGENS DE OVOODOCORVO
CORONAVÍRUS
Semana a semana,
o alojamento local vê o negócio a afundar-se
O turismo parou e
as casas esvaziaram-se, sem perspectiva de receita nos próximos meses.
Associação diz que o choque está a ser sentido de forma generalizada pelo
sector, independentemente da sua dimensão, e pede apoios a fundo perdido que
garantam salários dos trabalhadores.
Luís Villalobos e
Cristiana Faria Moreira 28 de Março de 2020, 6:08
“Nos primeiros
meses, tudo indicava que este ia ser um ano excepcional. Agora, as perspectivas
são muito negras.” A síntese é feita por João P., 50 anos, proprietário de uma
unidade de alojamento local (AL) em Cascais, que é a sua única fonte de
rendimento. O ponto de viragem deu-se na manhã de 14 de Março, quando recebeu o
cancelamento por parte de um casal de alemães que deveria estar prestes a fazer
o check-in. Iam ficar hospedados até dia 21 mas em vez disso ligaram a dar a
notícia de que nem tinham saído do seu país — ele é médico e teve de cancelar a
viagem. “Depois”, diz João, “sucederam-se uma série de cancelamentos”.
Onde havia
perspectivas de receitas, como as estimadas com as férias da Páscoa em Abril —
período tão propício para o sector do turismo como o Verão, embora mais curto
—, há agora enorme vazio, ou pior do que isso, um enorme buraco.
Esse é também o
cenário pintado por Ana Cunha, que gere quatro apartamentos em Lisboa e uma
casa em Sesimbra. “As reservas estão completamente paradas. Para Abril está
tudo praticamente cancelado”, nota a proprietária.
Ana Cunha vive
exclusivamente do AL. O marido trabalha numa imobiliária e o cenário que se lhe
afigura não augura tempos fáceis. Com as casas vazias e sem saber quando se
poderão voltar a encher, o futuro é incerto para quem depende desta actividade.
“Isto vai ser o caos para o alojamento local”, prevê. E as dificuldades já
começaram.
No caso de João
P., aquela que é a sua única fonte de rendimentos apresenta-se agora como fonte
de despesa, devido às contas para pagar de água (tarifa comercial) e luz (que
inclui prestações de instalação de painéis solares), além de alguns créditos. A
vantagem é a ausência de pagamentos de empréstimos à habitação, já que o seu AL
está inserido numa propriedade da família, onde reside. A desvantagem é que,
por o AL ser o único rendimento, não lhe foi permitido inscrever-se na
Segurança Social. Ou seja, não tem descontado para a reforma, nem para uma
eventual doença ou desemprego – algo que se avizinha agora para muitas pessoas,
com o Banco de Portugal a estimar que a taxa de desemprego volte aos 10% este
ano.
Choque geral
Nos últimos anos,
o AL tem vindo sempre a crescer à boleia do turismo, e há actualmente quase cem
mil registos por todo o país, com destaque para as áreas metropolitanas de
Lisboa e do Porto e para o Algarve. Aqui, cabem desde pequenos proprietários a
grandes empresas, com vários negócios na sua órbita, desde limpezas a transportes.
Actualmente, estima-se que o sector represente mais de um terço das dormidas do
país. No caso do Porto, o peso é da ordem dos dois terços e em Lisboa situa-se
acima dos 50%, de acordo com a ALEP.
Acusados por
muitos de desertificar zonas históricas e um dos símbolos da pressão turística,
o AL trouxe também reabilitação urbana, com a canalização de poupanças
internas, empréstimos bancários e investimento estrangeiro. Agora, tudo está a
abanar por causa da crise trazida a nível global pela covid-19, com o circuito
das viagens praticamente paralisado.
Eduardo Miranda,
presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) não tem dúvidas
em afirmar que o choque está a ser sentido de forma generalizada por todo o
sector, independentemente da sua dimensão. “Se no início poderia haver uma
pequena diferença, neste momento todos estão a ser afectados”, diz. Ainda
assim, reconhece que “é muito mais duro para quem tenha no AL o seu ganha-pão”
como as microempresas e titulares de AL nos centros urbanos e no Algarve.
Na Homing,
empresa que gere cerca de 300 apartamentos em Lisboa, Porto e Algarve, a gestão
está a ser feita “dia-a-dia”, desde que as reservas começaram a cair em
catadupa. “Tínhamos o mês de Março praticamente cheio, assim como Abril, que
estava composto, e neste momento está praticamente tudo vazio”, diz João Bolou
Vieira, presidente executivo da empresa.
A meio do mês, já
a trabalhar a meio-gás, alguns funcionários foram mandados para casa para
cumprirem o isolamento. João Bolou Vieira não antecipa, para já, o que
acontecerá aos 70 trabalhadores da empresa, mas despedimentos podem estar na
calha. “Muito provavelmente terá de acontecer, mas não sabemos em que moldes.”
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Quando contactado
pelo PÚBLICO, o empresário atirava mais decisões para o final desta semana,
aguardando novidades do Governo relativas ao apoio às empresas. “Há medidas que
são interessantes, mas neste momento, no nosso sector, tivemos quebras de 90%
de um dia para o outro. O impacto é brutal”, diz João Bolou Vieira.
É por isso que
diz que as ajudas em termos de isenção temporária do pagamento das
contribuições à Segurança Social, o layoff, “medidas que têm um impacto mais
imediato, são bem-vindas”. Mas, “o mais premente”, sublinha, “é haver tesouraria
para as empresas neste momento para que possam pagar salários nos próximos
meses”. Se essas medidas demorarem, perspectiva, “muitas microempresas vão
acabar”.
O peso do tempo
Eduardo Miranda
elenca como positiva a linha de crédito de 60 milhões de euros do Turismo de
Portugal para microempresas e empresários em nome individual, destacando que
estes últimos são “a maior parte do sector do AL”. Mesmo assim, afirma, essa e
outras linhas apresentadas têm seguido “uma lógica de financiamento, ou de
adiar tributações e pagamentos”, que, mesmo com condições favoráveis,
“inevitavelmente significam mais dívida”.
No caso de João
P., por exemplo, este está hesitante sobre pedir um empréstimo, mesmo sem juros
como é o caso da linha de 60 milhões, porque ainda não sabe como é que tudo
isto vai acabar, e se terá dinheiro para saldar a dívida. Ana Cunha tem as
mesmas preocupações: “A gente vai pedir o dinheiro e não sabe como é que vamos
depois pagar. Estamos a falar de uma empresa mínima que não tem empregados, agora
veja quem tem.”
O impacto surgiu
na pior altura do calendário, após a época baixa e alguns investimentos feitos
com a época alta à vista, ou seja, com menos margem de tesouraria — em Outubro
a realidade do sector seria diferente. “Se a crise for mais prolongada do que
se espera”, diz Eduardo Miranda, e apanhar o período do Verão, “vamos ter uma
situação estrutural muito complicada e não se vai lá com empréstimos”.
Para este
responsável, a alternativa terá de passar por apoios a fundo perdido que
garantam salários, como se está a fazer, diz, em países como a Holanda e
Dinamarca. E volta a reclamar duas medidas, agora num contexto de agravamento
do sector: o fim do pagamento de mais-valias a quem desista do AL, sem
condições (agora o imóvel tem de ficar pelo menos cinco anos no mercado de
arrendamento para que isso aconteça), e que se permita a opção de pagar
Segurança Social a quem tenha o AL (moradia ou apartamento) como único
rendimento (tal como João P. gostaria que já tivesse acontecido) e não como
segunda actividade.
Para já, vão
resistindo algumas reservas, mas isso não é necessariamente um valor seguro
para o futuro.
Há o caso, por
exemplo, de uma proprietária de dois T0 em Alfama (que não quis ser
identificada) que usa o AL como fonte complementar de rendimentos e que diz que
as poucas reservas que tem para os próximos meses a impedem de poder usar as
casas da forma como quiser — como emprestar a um amigo que precise de
quarentena — sem pagar ela própria uma penalização.
Depois, porque a
manutenção das reservas não quer dizer que todas as pessoas que as marcaram
estejam ainda a pensar viajar nessas datas, mas antes que estão à espera de ver
o que acontece, e se podem ser reembolsadas também a 100%, taxas Airbnb
incluído. “As iniciativas de cancelamento são feitas entre 30 a 90 dias. As dos
próximos 30 dias estão canceladas, o que tem surgido agora são cancelamentos
ligados a Maio e Junho”, diz Eduardo Miranda.
Novos registos
abrandam
Para já, os novos
registos já parecem mostrar um certo efeito travão. De acordo com o Registo
Nacional de Alojamento Local (RNAL), do Turismo de Portugal, entre os dias 1 e
23 de Março foram feitos 802 novos registos, dos quais 242 na última semana
(com destaque para o Algarve), o que representa descidas de 19% e de 26%,
respectivamente, em termos homólogos.
Para o presidente
da ALEP, neste momento “não tem a menor lógica alguém estar a fazer um registo,
a apostar numa coisa nova”. Provavelmente, diz, os novos registos em causa
dizem respeito a projectos que já estavam na sua fase final.
Depois dos anos
do boom de 2017 (com taxas de crescimento recorde no turismo) e 2018, no ano
passado houve já um abrandamento no sector. De acordo com os dados do RNAL,
disponibilizados pelo Turismo de Portugal, houve 14.899 registos de AL no ano
passado, o que representa menos 43% face a 2018. Por outro lado, houve um
recorde nos cancelamentos (por parte das câmaras) e nas cessações (por parte
dos proprietários), que chegaram aos 4606. Aqui, o destaque vai para os
registos de AL cessados, que totalizaram 3408, dos quais 1698 no concelho de
Lisboa e 1030 no concelho do Porto.
Não se sabe se
estes alojamentos transitaram para o mercado de arrendamento tradicional, mas
Eduardo Miranda avança que, já antes desta crise provocada pela pandemia, “uma
parcela”, sobretudo nos centros urbanos de Lisboa e do Porto, dava sinais de
estar disponível para fazer essa “transição”.
“Já havia aqui
uma concentração grande de oferta. A novidade já estava a passar um pouco e as
pessoas já estavam caindo em si e a perceber que o AL dá trabalho e que não é
uma galinha de ovos de ouro”, nota o responsável.
Agora, perante
estes tempos de incerteza, Eduardo Miranda reconhece que será “normal” que mais
pessoas ponderem colocar as casas no mercado de arrendamento. E isso vai poder
perceber-se melhor, nota, quando arrancarem os programas camarários, em Lisboa
e no Porto, em que as autarquias querem arrendar casas a proprietários privados
— nomeadamente aos que têm AL e fazer com que essas fracções transitem para o
arrendamento de longa duração — e subarrendá-las aos jovens e classes médias a
custos controlados, tentando fazer face à escassez de habitação acessível nos
grandes centros urbanos.
“Eu acho que vão
ter uma boa adesão”, nota Eduardo Miranda, para quem é “perfeitamente natural”
que esta transição seja feita. “Ainda bem que este é um sector de actividade em
que se as pessoas quiserem mudar, desistir, têm uma alternativa rápida e fácil
e que é óptima para as cidades”, admite.
Por agora, Ana
Cunha não quer passar as casas para o arrendamento tradicional. Foi a primeira
ideia que lhe ocorreu quando percebeu as dificuldades que se avizinham, mas
teme que não seja boa altura porque toda a população estará também em
dificuldades.
No caso da
proprietária de dois AL em Alfama, o aluguer não é de excluir (a estudantes,
por exemplo) mas, para já, a palavra de ordem é aguardar pelos próximos meses.
Da mesma forma, João P. espera por Junho e de Julho para tentar perceber a
dimensão da crise, mas a antevisão é pessimista: “Penso que não vai haver
turismo este ano”, diz. Para já, emprestou a casa um casal, ele técnico do INEM
(ambulâncias), ela bombeira. “Todos temos de contribuir face ao que se está a
passar”, defende.
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