terça-feira, 24 de março de 2020

Sindicatos denunciam despedimentos, lay offs, dispensas e férias forçadas



Sindicatos denunciam despedimentos, lay offs, dispensas e férias forçadas

Com os restaurantes e as lojas fechados e os hotéis sem turistas por causa do novo coronavírus, estes setores já começaram a dispensar trabalhadores. Os contratados a termo ou em período experimental são os primeiros a receber as cartas de despedimento, mas também há empresas a forçar férias.

Graça Henriques
24 Março 2020 — 00:20

Os telefones dos sindicatos não param de tocar e as caixas de correio eletrónico entopem-se com os mails de tantos trabalhadores que querem pôr questões, ter uma resposta para as suas dúvidas e alguém que olhe pelo seu caso. Nem no tempo da troika, quando o desemprego ultrapassou os 17%, os sindicatos tiveram uma avalanche destas - passou uma semana desde que foi decretado o estado de emergência para fazer face ao surto do novo coronavírus e empresas, nomeadamente da restauração, hotelaria e do comércio, viram-se obrigadas a fechar portas temporariamente e, em poucos dias, começaram imediatamente a dispensar trabalhadores. Mesmo que o primeiro-ministro, António Costa, não se canse de pedir que não haja despedimentos, aliás uma condição para as empresas poderem aceder aos apoios.

A denúncia é comum a qualquer sindicato com que se fale: trabalhadores com contratos a termo e quem está no período experimental foram dos primeiros a receber em casa a carta a dizer que os contratos não serão renovados ou que estão dispensados.

Mas há outras situações que as estruturas sindicais consideraram "ilegais" e "abusivas" por parte dos empregadores - induzir os trabalhadores a pedirem eles próprios a rescisão do contrato, mas não lhes sendo depois facultada documentação para pedirem o subsídio de desemprego; forçar os trabalhadores a tirarem férias no período em que a empresa está encerrada e até criar um banco de horas negativo, em que os funcionários ficam a dever tempo de trabalho. Até há propostas para que tirem licenças sem vencimento. E há o recurso ao lay-offque o primeiro-ministro disse nesta segunda-feira que custa mil milhões de euros por mês - o Estado paga um terço do salário, o mesmo que o empregador.

São muitas as arbitrariedades cometidas pelas entidades empregadoras que, dizem os sindicatos, são incompreensíveis, sobretudo no caso das grandes empresas e das multinacionais que sempre tiveram lucro.

Trabalhadores - e empregadores - estão assustados com as previsões económicas que apontam para um crescimento do PIB inferior ao de 2014, quando a troika saiu do país. A OCDE já admitiu que a crise provocada pelo covid-19, no pior cenário, pode reduzir em metade o crescimento da economia mundial em 2020, acenando com uma recessão na Europa. E o FMI já disse que a crise económica mundial poderá ser pior do que a de 2008.

O governo já anunciou uma série de medidas para ajudar as empresas e manter os postos de trabalho, como o adiamento para o segundo semestre do pagamento do IVA e do IRC, que teria de ser pago nos próximos meses. A nível social, aprovou a prorrogação automática do subsídio de desemprego, do complemento solidário para idosos e do rendimento social de inserção e a suspensão do prazo de caducidade dos contratos de arrendamento de casas que terminassem nos próximos três meses.

Madalena foi mandada embora sem papéis para o desemprego
Madalena (prefere identificar-se assim, com receio de represálias) foi uma das trabalhadoras que pediram ajuda ao sindicato. Até ao passado dia 16 era camareira no Hotel Fénix do Porto, com um contrato a termo, mas nesse dia foi-lhe comunicado verbalmente pela empresa que presta serviço em outsourcing para o hotel que não teria mais trabalho. Que iriam buscá-la ao fundo de desemprego, a ela e aos outros cerca de 70 trabalhadores, quando voltasse a haver trabalho.

"Até compreendemos a situação, porque o hotel está vazio e vai fechar, mas estou muito preocupada, porquenão nos foi entregue a carta para o desemprego. Dão várias desculpas, como os correios não estarem a trabalhar a 100%, que não podem enviar todas ao mesmo tempo..."

Enquanto isso, Madalena desespera com a incerteza. "Quando vamos receber a carta? Estou com medo de não receber nem de um lado nem de outro. O fim do mês está a aproximar-se e as despesas são muitas."

Francisco Figueiredo, do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte, dá outro exemplo do que considera ser "uma violência sobre os trabalhadores" - o caso da cadeia de restaurantes Zenith, que, só no Porto, despediu cerca de 30 pessoas, mas que queria ficar como se não tivesse despedido. Ou seja: "Exerceu pressão sobre os trabalhadores para que assinassem um acordo de revogação dos contratos e eles ficaram sem modelo para o subsídio de desemprego."


Neste caso, a lei dá sete dias ao trabalhador para revogar o acordo e foi isso que fizeram. O sindicato sublinha a dificuldade em entrar em contacto com o empregador e denuncia ainda que, no dia em que os funcionários foram convencidos a assinar o acordo, foi distribuído por todos o dinheiro que existia em caixa, com alguns a receberem pouco mais de mil euros. O que não dá para pagar as indemnizações, quanto mais os subsídios de férias, o salário do mês e os avos do subsídio de férias e de Natal equivalentes aos meses já trabalhados.

Federação quer fundo para garantir salários de março
Francisco Figueiredo, que é também dirigente da Federação dos Sindicatos de Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, lembra que, apesar das medidas de apoio às empresas anunciadas pelo governo com vista à manutenção do emprego, dificilmente as pequenas e microempresas recorrerão a estes benefícios, até porque são processos complicados - sendo nestas que trabalha a esmagadora maioria.

A federação entende que, para além da proibição de despedimentos, é preciso medidas de apoio direto aos trabalhadores, que poderão passar pela criação de um fundo que garanta o salário de março aos trabalhadores.

"Estamos a viver uma situação muito difícil e muitos estabelecimentos de restauração, bebidas e alojamento local já informaram os trabalhadores de que não vão reabrir. Estamos muito preocupados porque, neste setor, os trabalhadores das microempresas, com menos de dez funcionários, representam 85% do setor", diz.

Férias forçadas no Algarve
Tiago Jacinto, do Sindicato do Turismo do Algarve, refere que muitos hotéis da região já tinham começado a reforçar o pessoal para responder à sazonalidade da Páscoa, que costuma ser um período de grande afluência turística. Mas, como se trata de trabalhadores temporários e alguns ainda estavam no período experimental, foram mandados embora.

Todos eles têm dramas pessoais associados - despesas para pagar ao final do mês e filhos para alimentar. No caso do Adriana Beach Club, conta o dirigente sindical, há ainda o problema das pessoas que vieram de fora para ali trabalhar e que se endividaram para ir viver para o Algarve. Outros, nomeadamente estrangeiros, "estavam alojados nas instalações e, como o hotel fecha nesta terça-feira, não têm para onde ir".

O dirigente sindical do Algarve denuncia ainda situações em que o patronato está a forçar as férias dos trabalhadores e outras em que lhes é proposto ficar em casa mas "acumular esse tempo para ficarem a dever à empresa".

"Estamos numa situação de isolamento social, não são férias. A entidade patronal não pode impor as férias se o trabalhador não estiver de acordo" - se não houver acordo, o empregador pode fixar as férias entre 1 de maio e 31 de outubro.

"O turismo tem crescido desde 2013 e esse crescimento não se refletiu no salário dos trabalhadores."

Para Tiago Jacinto, há outra questão: "O turismo tem crescido desde 2013 e esse crescimento não se refletiu no salário dos trabalhadores. Os grandes grupos do setor têm obrigação de assegurar a manutenção dos postos de trabalho e os salários a 100%."

E é também disso que fala Filipa Costa, coordenadora da Federação dos Sindicatos do Comércio e Serviços: "Não há pé-de-meia nestas grandes empresas? Há uma situação de crise e são logo os trabalhadores a ficarem penalizados?"

"Vivemos num clima de incerteza para as próprias empresas, mas o que estamos a verificar é que as multinacionais começam a pôr o futuro em causa. Tiveram sempre lucros e nem há uma semana que estão fechados e já colocam tudo em causa", acrescenta.

Filipa Costa alerta que algumas já estão a pedir o lay-off simplificado, como a Loja do Gato Preto ou a Seaside, situação em que os trabalhadores só recebem dois terços do salário, pagos equitativamente pelo empregador e pelo Estado. "O governo e as autoridades têm de se pôr em cima disto e fiscalizar."

Além da imposição de férias enquanto a empresa está fechada, da dispensa dos trabalhadores a termo e em período experimental, Filipa Costa fala ainda do que se está a passar no setor social, em que os trabalhadores das instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e das Misericórdias estão a trabalhar 12 a 14 horas diárias, algumas vezes oito dias seguidos. "Há situações de tentativa de internamento, para que os trabalhadores não saiam das instituições, mas ninguém pode obrigar o trabalhador a dormir no local de trabalho."

Trabalhadoras das cantinas escolares despedidas
Quem está também a dispensar os trabalhadores com contratos a termo são as empresas que fornecem refeições nas escolas. Os estabelecimentos de ensino estão encerrados desde o passado dia 16 - a 9 de abril o governo reavaliará a situação. A Gertal, segundo Maria das Dores Gomes, da Federação dos Sindicatos de Hotelaria, Turismo e Restauração, é uma das que já estão em lay-off.

A sindicalista critica o procedimento dos fornecedores das cantinas, argumentando que a atividade escolar está suspensa, mas os contratos com o Ministério da Educação não chegaram ao fim. Além disso, lembra que muitas escolas continuam a fornecer refeições aos alunos mais carenciados, e às forças de segurança e da proteção civil. "Muitos destes trabalhadores não perfizerem sequer o tempo de trabalho para ter direito ao subsídio de desemprego. Tem de haver um plano especial para estas pessoas", reivindica.

O despedimento das trabalhadoras das empresas que fornecem refeições escolares já levou o partido ecologista "Os Verdes" a questionar o governo sobre se existe alguma decisão por parte da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares relativamente à cessação dos contratos ou se foram decididos pela ICA unilateralmente? E questiona ainda se não entende não haver fundamento legal para a cessação dos contratos de trabalho, tendo em conta que a concessão se estende ao ano letivo 2019-2020?

Os Verdes questionaram igualmente o governo sobre se este está a acompanhar as denúncias de contratos que alegadamente a TAP está a promover, com base na crise originada pelo covid-19. A TAP, recorde-se, suspendeu 3500 voos até abril por causa do surto de coronavírus.

Centrais sindicais atentas
Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, não tem dúvidas de que se está a assistir a despedimentos ilegais, tendo como justificação a crise criada pelo novo coronavírus e que isso se estende também ao lay-off, que "nem todas as empresas estão em condições de acionar". A líder da central sindical garante que irá denunciar estas situações junto das empresas, da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) e, se for preciso, nos tribunais.

"Este problema aconteceu no princípio de março [o estado de emergência foi decreto no dia 18] e já há empresas que não têm dinheiro para pagar salários. Estão a aproveitar a situação para despedir trabalhadores. Não vamos aceitar isso!"

Criticando as grandes empresas que estão a recorrer ao lay-off, Isabel Camarinha exige ao governo que aprove medidas que apoiem as necessidades dos trabalhadores, mas também que penalize as empresas que atiram os seus funcionários para "situações de pobreza".

"Vivemos um momento em que devia ser proibido despedir. As palavras são de Carlos Silva, líder da UGT, a propósito das medidas de apoio económico e social anunciadas na sexta-feira pelo governo.

Mas a central sindical entende que há muitas dúvidas que persistem depois de o governo anunciar este pacote. Uma delas é se o lay-off pode ser prorrogado para lá de um mês se tiver sido esgotado o período de férias.

Outra questão que a UGT quer esclarecer com o executivo, refere o secretário-geral adjunto Sérgio Monte, é o ponto em que se refere que os trabalhadores vulneráveis, com doenças crónicas, têm de ter proteção. "Que proteção é essa? Em que regime fica abrangido? Pedir baixa, por exemplo, não é para prevenir a saúde."

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