Sindicatos
denunciam despedimentos, lay offs, dispensas e férias forçadas
Com os
restaurantes e as lojas fechados e os hotéis sem turistas por causa do novo
coronavírus, estes setores já começaram a dispensar trabalhadores. Os
contratados a termo ou em período experimental são os primeiros a receber as
cartas de despedimento, mas também há empresas a forçar férias.
Graça Henriques
24 Março 2020 —
00:20
Os telefones dos
sindicatos não param de tocar e as caixas de correio eletrónico entopem-se com
os mails de tantos trabalhadores que querem pôr questões, ter uma resposta para
as suas dúvidas e alguém que olhe pelo seu caso. Nem no tempo da troika, quando
o desemprego ultrapassou os 17%, os sindicatos tiveram uma avalanche destas -
passou uma semana desde que foi decretado o estado de emergência para fazer
face ao surto do novo coronavírus e empresas, nomeadamente da restauração,
hotelaria e do comércio, viram-se obrigadas a fechar portas temporariamente e,
em poucos dias, começaram imediatamente a dispensar trabalhadores. Mesmo que o
primeiro-ministro, António Costa, não se canse de pedir que não haja
despedimentos, aliás uma condição para as empresas poderem aceder aos apoios.
A denúncia é
comum a qualquer sindicato com que se fale: trabalhadores com contratos a termo
e quem está no período experimental foram dos primeiros a receber em casa a
carta a dizer que os contratos não serão renovados ou que estão dispensados.
Mas há outras
situações que as estruturas sindicais consideraram "ilegais" e
"abusivas" por parte dos empregadores - induzir os trabalhadores a
pedirem eles próprios a rescisão do contrato, mas não lhes sendo depois
facultada documentação para pedirem o subsídio de desemprego; forçar os
trabalhadores a tirarem férias no período em que a empresa está encerrada e até
criar um banco de horas negativo, em que os funcionários ficam a dever tempo de
trabalho. Até há propostas para que tirem licenças sem vencimento. E há o
recurso ao lay-offque o primeiro-ministro disse nesta segunda-feira que custa
mil milhões de euros por mês - o Estado paga um terço do salário, o mesmo que o
empregador.
São muitas as
arbitrariedades cometidas pelas entidades empregadoras que, dizem os
sindicatos, são incompreensíveis, sobretudo no caso das grandes empresas e das
multinacionais que sempre tiveram lucro.
Trabalhadores - e
empregadores - estão assustados com as previsões económicas que apontam para um
crescimento do PIB inferior ao de 2014, quando a troika saiu do país. A OCDE já
admitiu que a crise provocada pelo covid-19, no pior cenário, pode reduzir em
metade o crescimento da economia mundial em 2020, acenando com uma recessão na
Europa. E o FMI já disse que a crise económica mundial poderá ser pior do que a
de 2008.
O governo já
anunciou uma série de medidas para ajudar as empresas e manter os postos de
trabalho, como o adiamento para o segundo semestre do pagamento do IVA e do
IRC, que teria de ser pago nos próximos meses. A nível social, aprovou a
prorrogação automática do subsídio de desemprego, do complemento solidário para
idosos e do rendimento social de inserção e a suspensão do prazo de caducidade
dos contratos de arrendamento de casas que terminassem nos próximos três meses.
Madalena foi
mandada embora sem papéis para o desemprego
Madalena (prefere
identificar-se assim, com receio de represálias) foi uma das trabalhadoras que
pediram ajuda ao sindicato. Até ao passado dia 16 era camareira no Hotel Fénix
do Porto, com um contrato a termo, mas nesse dia foi-lhe comunicado verbalmente
pela empresa que presta serviço em outsourcing para o hotel que não teria mais
trabalho. Que iriam buscá-la ao fundo de desemprego, a ela e aos outros cerca
de 70 trabalhadores, quando voltasse a haver trabalho.
"Até
compreendemos a situação, porque o hotel está vazio e vai fechar, mas estou
muito preocupada, porquenão nos foi entregue a carta para o desemprego. Dão
várias desculpas, como os correios não estarem a trabalhar a 100%, que não
podem enviar todas ao mesmo tempo..."
Enquanto isso,
Madalena desespera com a incerteza. "Quando vamos receber a carta? Estou
com medo de não receber nem de um lado nem de outro. O fim do mês está a
aproximar-se e as despesas são muitas."
Francisco
Figueiredo, do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo,
Restaurantes e Similares do Norte, dá outro exemplo do que considera ser
"uma violência sobre os trabalhadores" - o caso da cadeia de
restaurantes Zenith, que, só no Porto, despediu cerca de 30 pessoas, mas que
queria ficar como se não tivesse despedido. Ou seja: "Exerceu pressão
sobre os trabalhadores para que assinassem um acordo de revogação dos contratos
e eles ficaram sem modelo para o subsídio de desemprego."
Neste caso, a lei
dá sete dias ao trabalhador para revogar o acordo e foi isso que fizeram. O
sindicato sublinha a dificuldade em entrar em contacto com o empregador e
denuncia ainda que, no dia em que os funcionários foram convencidos a assinar o
acordo, foi distribuído por todos o dinheiro que existia em caixa, com alguns a
receberem pouco mais de mil euros. O que não dá para pagar as indemnizações, quanto
mais os subsídios de férias, o salário do mês e os avos do subsídio de férias e
de Natal equivalentes aos meses já trabalhados.
Federação quer
fundo para garantir salários de março
Francisco
Figueiredo, que é também dirigente da Federação dos Sindicatos de Agricultura,
Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, lembra que, apesar das
medidas de apoio às empresas anunciadas pelo governo com vista à manutenção do
emprego, dificilmente as pequenas e microempresas recorrerão a estes
benefícios, até porque são processos complicados - sendo nestas que trabalha a
esmagadora maioria.
A federação
entende que, para além da proibição de despedimentos, é preciso medidas de
apoio direto aos trabalhadores, que poderão passar pela criação de um fundo que
garanta o salário de março aos trabalhadores.
"Estamos a
viver uma situação muito difícil e muitos estabelecimentos de restauração,
bebidas e alojamento local já informaram os trabalhadores de que não vão
reabrir. Estamos muito preocupados porque, neste setor, os trabalhadores das
microempresas, com menos de dez funcionários, representam 85% do setor",
diz.
Férias forçadas
no Algarve
Tiago Jacinto, do
Sindicato do Turismo do Algarve, refere que muitos hotéis da região já tinham
começado a reforçar o pessoal para responder à sazonalidade da Páscoa, que
costuma ser um período de grande afluência turística. Mas, como se trata de
trabalhadores temporários e alguns ainda estavam no período experimental, foram
mandados embora.
Todos eles têm
dramas pessoais associados - despesas para pagar ao final do mês e filhos para
alimentar. No caso do Adriana Beach Club, conta o dirigente sindical, há ainda
o problema das pessoas que vieram de fora para ali trabalhar e que se
endividaram para ir viver para o Algarve. Outros, nomeadamente estrangeiros,
"estavam alojados nas instalações e, como o hotel fecha nesta terça-feira,
não têm para onde ir".
O dirigente
sindical do Algarve denuncia ainda situações em que o patronato está a forçar
as férias dos trabalhadores e outras em que lhes é proposto ficar em casa mas
"acumular esse tempo para ficarem a dever à empresa".
"Estamos
numa situação de isolamento social, não são férias. A entidade patronal não
pode impor as férias se o trabalhador não estiver de acordo" - se não houver
acordo, o empregador pode fixar as férias entre 1 de maio e 31 de outubro.
"O turismo
tem crescido desde 2013 e esse crescimento não se refletiu no salário dos
trabalhadores."
Para Tiago
Jacinto, há outra questão: "O turismo tem crescido desde 2013 e esse
crescimento não se refletiu no salário dos trabalhadores. Os grandes grupos do
setor têm obrigação de assegurar a manutenção dos postos de trabalho e os
salários a 100%."
E é também disso
que fala Filipa Costa, coordenadora da Federação dos Sindicatos do Comércio e
Serviços: "Não há pé-de-meia nestas grandes empresas? Há uma situação de
crise e são logo os trabalhadores a ficarem penalizados?"
"Vivemos num
clima de incerteza para as próprias empresas, mas o que estamos a verificar é
que as multinacionais começam a pôr o futuro em causa. Tiveram sempre lucros e
nem há uma semana que estão fechados e já colocam tudo em causa",
acrescenta.
Filipa Costa
alerta que algumas já estão a pedir o lay-off simplificado, como a Loja do Gato
Preto ou a Seaside, situação em que os trabalhadores só recebem dois terços do
salário, pagos equitativamente pelo empregador e pelo Estado. "O governo e
as autoridades têm de se pôr em cima disto e fiscalizar."
Além da imposição
de férias enquanto a empresa está fechada, da dispensa dos trabalhadores a
termo e em período experimental, Filipa Costa fala ainda do que se está a
passar no setor social, em que os trabalhadores das instituições particulares
de solidariedade social (IPSS) e das Misericórdias estão a trabalhar 12 a 14
horas diárias, algumas vezes oito dias seguidos. "Há situações de
tentativa de internamento, para que os trabalhadores não saiam das
instituições, mas ninguém pode obrigar o trabalhador a dormir no local de
trabalho."
Trabalhadoras das
cantinas escolares despedidas
Quem está também
a dispensar os trabalhadores com contratos a termo são as empresas que fornecem
refeições nas escolas. Os estabelecimentos de ensino estão encerrados desde o
passado dia 16 - a 9 de abril o governo reavaliará a situação. A Gertal,
segundo Maria das Dores Gomes, da Federação dos Sindicatos de Hotelaria,
Turismo e Restauração, é uma das que já estão em lay-off.
A sindicalista
critica o procedimento dos fornecedores das cantinas, argumentando que a
atividade escolar está suspensa, mas os contratos com o Ministério da Educação
não chegaram ao fim. Além disso, lembra que muitas escolas continuam a fornecer
refeições aos alunos mais carenciados, e às forças de segurança e da proteção
civil. "Muitos destes trabalhadores não perfizerem sequer o tempo de
trabalho para ter direito ao subsídio de desemprego. Tem de haver um plano
especial para estas pessoas", reivindica.
O despedimento
das trabalhadoras das empresas que fornecem refeições escolares já levou o
partido ecologista "Os Verdes" a questionar o governo sobre se existe
alguma decisão por parte da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares
relativamente à cessação dos contratos ou se foram decididos pela ICA
unilateralmente? E questiona ainda se não entende não haver fundamento legal
para a cessação dos contratos de trabalho, tendo em conta que a concessão se
estende ao ano letivo 2019-2020?
Os Verdes
questionaram igualmente o governo sobre se este está a acompanhar as denúncias
de contratos que alegadamente a TAP está a promover, com base na crise
originada pelo covid-19. A TAP, recorde-se, suspendeu 3500 voos até abril por
causa do surto de coronavírus.
Centrais
sindicais atentas
Isabel Camarinha,
secretária-geral da CGTP, não tem dúvidas de que se está a assistir a despedimentos
ilegais, tendo como justificação a crise criada pelo novo coronavírus e que
isso se estende também ao lay-off, que "nem todas as empresas estão em
condições de acionar". A líder da central sindical garante que irá
denunciar estas situações junto das empresas, da Autoridade para as Condições
de Trabalho (ACT) e, se for preciso, nos tribunais.
"Este
problema aconteceu no princípio de março [o estado de emergência foi decreto no
dia 18] e já há empresas que não têm dinheiro para pagar salários. Estão a aproveitar
a situação para despedir trabalhadores. Não vamos aceitar isso!"
Criticando as
grandes empresas que estão a recorrer ao lay-off, Isabel Camarinha exige ao
governo que aprove medidas que apoiem as necessidades dos trabalhadores, mas
também que penalize as empresas que atiram os seus funcionários para
"situações de pobreza".
"Vivemos um
momento em que devia ser proibido despedir. As palavras são de Carlos Silva,
líder da UGT, a propósito das medidas de apoio económico e social anunciadas na
sexta-feira pelo governo.
Mas a central
sindical entende que há muitas dúvidas que persistem depois de o governo
anunciar este pacote. Uma delas é se o lay-off pode ser prorrogado para lá de
um mês se tiver sido esgotado o período de férias.
Outra questão que
a UGT quer esclarecer com o executivo, refere o secretário-geral adjunto Sérgio
Monte, é o ponto em que se refere que os trabalhadores vulneráveis, com doenças
crónicas, têm de ter proteção. "Que proteção é essa? Em que regime fica
abrangido? Pedir baixa, por exemplo, não é para prevenir a saúde."
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