“Não pode
continuar tudo como de costume”, concordam peritos e autoridades entrevistados
pelo Guardian. A directora executiva do Programa das Nações Unidas para o
Ambiente já alerta que o combate à pandemia “deve ter em conta a perda de
habitats e biodiversidade”.
Gonçalo Ramos 26
de Março de 2020, 19:00
“A natureza está
a enviar-nos uma mensagem.” Estas são palavras de Inger Andersen, directora
executiva do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), das Nações
Unidas, em plena pandemia de covid-19. As palavras de alerta foram registadas
pelo Guardian, que apurou a mesma projecção junto de outros peritos da área.
Inger Andersen
frisou que a prioridade imediata é proteger as populações do coronavírus, mas a
resposta a longo prazo, continuou, “deve levar em conta a perda de habitats e
biodiversidade”.
Três quartos das
doenças infecciosas que têm surgido recentemente provêm da vida selvagem.
“Nunca antes se deu tanta oportunidade para tal”, assinala Andersen, num
período em que já temos uma “proximidade desconfortável dos animais e das
plantas que têm doenças”, dada “a erosão continuada de espaços selvagens”.
A autoridade para
a conservação aponta “a nossa interconexão íntima com a natureza”. “Devemos
cuidar [da natureza] ou não conseguiremos tomar conta de nós mesmos”,
sublinhou. Esta é uma “necessidade para futuro que se avizinha (…), à medida
que nos acercamos de uma população mundial de dez mil milhões de pessoas”.
Neste âmbito ainda,
Aaron Bernstein, da Escola de Saúde Pública de Harvard, nos Estados Unidos,
refere ao jornal britânico que “a separação da saúde e de políticas ambientais
é uma fantasia perigosa”.
Já Andrew
Cunningham, professor na Sociedade Zoológica de Londres, vê “o emergir e a
propagação da covid-19” como tendo sido “previsíveis” dados surtos recentes,
também bastante fatais, como o do ébola e do SARS. Como tal, a actual pandemia
de covid-19 deve ser encarada como “um sinal de alerta” para o futur porque o
comportamento humano é “quase sempre a causa” destes eventos.
“Pensei que as coisas iam mudar depois do
SARS, que já era uma enorme chamada de atenção à data”, assume o académico, que
ficou desiludido quando, no fim do surto, “tudo continuou como de costume”, uma
mentalidade que deve ser contrariada.
Cunningham apela
ao encerramento permanente dos wet markets (mercados de animais selvagens ao ar
livre) em todo o mundo — crê-se ter sido num, na China, que esteve a origem da
covid-19 —, já que são “o cocktail perfeito para [uma doença] surgir”. Nestes
mercados existe um “contacto íntimo de muitas pessoas com os fluidos desses
animais”, que, no seu transporte até lá, vivem em ambientes propícios para a
propagação de patogénicos.
Por sua vez, o
ex-secretário-geral da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da
Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção, John Scanlon, vê no mercado
negro global de animais selvagens um bode expiatório. Os países que importam
deveriam impor obrigações legais para provar que “as importações foram
legalmente obtidas sob as leis do país de origem” da mercadoria. “Tal abriria
oportunidades novas para comunidades locais, e ver-se-iam a biodiversidade, os
ecossistemas e as comunidades prosperarem.”
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