Covid-19:
poluição cai a pique, mas pode ser apenas "fogo-de-vista"
O consumo de
combustíveis fósseis está a decrescer e as emissões poluentes seguem o mesmo
caminho com a pandemia de covid-19. Mas ambientalistas e ativistas climáticos
não estão otimistas. O que até está a ter um efeito positivo a curto prazo nas
alterações climáticas pode não passar de uma situação transitória, tal como
aconteceu aquando da crise financeira de 2008-09. Para já os canais de Veneza
parecem estar mais limpos.
Sandra Gonçalves
20 Março 2020 —
00:28
Com as atenções
desviadas das alterações climáticas para o coronavírus, a jovem ativista sueca
Greta Thunberg apelou aos jovens de todo o mundo para continuarem a
manifestar-se online. Através da sua conta na rede social Twitter, Greta instou
os seus seguidores a não abrandarem a luta contra as alterações climáticas,
ainda que devam evitar a todo o custo grandes concentrações de pessoas e
marchas de protestos, por causa da pandemia.
O apelo da jovem
ativista significa que, face ao covid-19, milhares de jovens terão de mudar a
forma como se manifestam, transferindo as ações de luta para o mundo virtual,
usando e abusando de tags como #DigitalStrike e #ClimateStrikeOnline.
"A luta pela
pandemia não pode fazer esquecer a luta pelo ambiente", avisou Greta
"Mantenham o
entusiasmo e vamos enfrentar uma semana de cada vez. Juntem-se ao movimento
#DigitalStrike e publiquem fotos dos vossos protestos e dos vossos cartazes
usando as hashtags #ClimateStrikeOnline, #fridaysforfuture, #climatestrike,
#schoolstrike4climate", rematou a jovem.
Entretanto,
estimativas indicam que as emissões mundiais de CO2 podem diminuir neste ano em
cerca de 7%, valor próximo ao que o planeta devia atingir com as metas traçadas
no Acordo de Paris sobre alterações climáticas.
Dados conhecidos
nesta semana com base em relatórios internacionais revelam que o mundo está a
emitir menos um milhão de toneladas de dióxido de carbono por dia com a quebra
no consumo de petróleo devido à pandemia de covid-19. A quebra deve-se,
essencialmente, à contração da China. Um balanço publicado no Carbon Brief,
atualizado a 4 de março, indica que a paralisação de grandes regiões da China
reduziu em 25% as emissões de CO2 do país.
Devido ao
covid-19, que surgiu em dezembro de 2019 na China, no primeiro trimestre de
2020 o consumo de carvão nas fábricas caiu 36% e a produção de carvão 29%,
tendo a capacidade de refinar petróleo sido reduzida em 34%. Ao todo, segundo o
Carbon Brief, as medidas da China para conter o coronavírus levaram a uma
redução de entre 15% e 40% da produção nos principais setores industriais.
"É provável
que isso tenha impedido um quarto ou mais das emissões de CO2 do país nas
últimas quatro semanas", refere-se no portal, acrescentando que em 2019 a
China emitiu cerca de 800 milhões de toneladas de CO2, pelo que o vírus poderá
ter impedido a libertação de 200 milhões de toneladas até ao momento.
Extrapolando para
o ano inteiro, com a redução na produção de carvão da China mais a redução na
venda de barris de petróleo, a quebra das emissões de CO2 no país será acima de
6%.
A China é um dos
países mais poluentes do mundo, com as cidades de Hotan e Kashgar no top 20, de
acordo com um relatório da IQAir. A NASA publicou no sábado imagens de satélite
que mostram os níveis de dióxido de azoto na China antes e depois de o país ter
começado a impor bloqueios, a 23 de janeiro. Também mostrou quedas drásticas
nas emissões de gases ao redor de Wuhan, a primeira cidade a ser colocada em
quarentena.
O dióxido de
azoto é emitido pela queima de combustível, carros e centrais termoelétricas, e
pode levar a insuficiências respiratórias, como asma, entre outros efeitos
negativos
Também em Itália,
o país europeu mais afetado pelo covid-19, imagens de satélite da Agência
Espacial Europeia (ESA) mostram um declínio na poluição do ar. Uma animação
feita com base nos dados do satélite Copernicus Sentinel-5P, recolhidos entre 1
de janeiro e 11 de março, mostra uma diminuição nas emissões na Europa,
principalmente em Itália, quando o coronavírus provocou bloqueios e obrigou à
redução da atividade no país.
Por exemplo em
Veneza, a redução drástica de turistas e de movimento fez com que os canais da
cidade ganhassem uma limpeza como há muito não via ao ponto de ser possível ver
cardumes de peixes, de cisnes e de golfinhos.
A autarquia da
cidade adiantou, entretanto, que o regresso dos peixes não se deve à melhoria
da qualidade da água, sendo que esta "parece mais limpa por causa do
tráfego reduzido nos canais, permitindo que os sedimentos assentem no
fundo". Ainda assim, assume que a poluição na água pode não ter diminuído,
a qualidade do ar melhorou consideravelmente.
Gianluca De
Santis
@b8taFPS
Venice
hasn't seen clear canal water in a very long time. Dolphins showing up too.
Nature just hit the reset button on us
"O declínio
nas emissões de dióxido de nitrogénio na planície Padana, no norte de Itália, é
particularmente evidente", disse Claus Zehner, responsável pela missão do
Copernicus Sentinel-5P, em comunicado à imprensa. "Embora possa haver
pequenas variações nos dados devido à cobertura de nuvens e às alterações
climáticas, estamos muito confiantes de que a redução de emissões que podemos
ver coincide com o bloqueio em Itália, causando menos tráfego e atividades
industriais."
Os dados foram
coletados pelo instrumento Tropomi, que mapeia poluentes do ar em todo o mundo.
"O Tropomi é o instrumento mais preciso hoje em dia que mede a poluição do
ar no espaço", disse Josef Aschbacher, diretor de programas de observação
da Terra da ESA. "Essas medições, disponíveis globalmente graças à política
de dados gratuitos e abertos, fornecem informações cruciais para cidadãos e
tomadores de decisão", concluiu.
Atingir a meta de
redução de 7,6% é muito pouco provável, diz Zero
Por cá, ainda não
há dados sobre a redução de emissões poluentes. As recomendações da
Direção-Geral da Saúde (DGS) e do governo para o isolamento social só começaram
a surtir efeitos a 14 de março (sábado), com maior visibilidade na
segunda-feira, com o encerramento das escolas e grande parte da população a
receber indicações para trabalhar a partir de casa.
O presidente da
Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, publicou na segunda-feira, na sua
página no Facebook, duas imagens em que "se constata a brutal diminuição
do trânsito na cidade". Segundo o autarca, "os lisboetas perceberam a
gravidade do momento que estamos a atravessar. No domingo, o número de
passageiros na Carris desceu 70%", destacou. E deixou ainda o apelo:
"É importante cumprir com as recomendações e limitar as viagens ao
essencial."
Já a Agência
Internacional de Energia (AIE) emitiu nesta semana um relatório segundo o qual
a procura global de petróleo deve contrair neste ano pela primeira vez desde
2009, devido ao covid-19, estando em causa menos 90 000 barris de petróleo por
dia em relação ao ano passado, não ultrapassando os 99,9 milhões de barris por
dia.
Transpondo a
quebra no consumo de petróleo para as emissões de dióxido de carbono (CO2) no
primeiro trimestre, houve uma redução de emissões calculada em 9,6 milhões de
toneladas, o equivalente a menos 1,4 vezes as emissões de Portugal em 2017.
Se à redução na
procura de petróleo se juntar o abrandamento do consumo de carvão, com base em
números divulgados pelo portal Carbon Brief, as estimativas indicam que as
emissões mundiais de CO2 podem reduzir-se neste ano em cerca de 7%, um valor
próximo do que o planeta devia atingir em 2020 com os esforços dos países para
cumprir o Acordo de Paris sobre alterações climáticas.
Todavia, todas
estas evidências de abrandamento não deixam os ambientalistas otimistas. Apesar
da quebra na procura mundial de petróleo, o presidente da associação Zero,
Francisco Ferreira, disse em declarações ao DN que "ainda é muito
baixa" e lembrou que "é preciso uma redução de 7,6%" em cada
ano.
De acordo com
Francisco Ferreira, "para que sejam atingidos os números de redução de
emissões para este ano, era preciso que o cenário se mantivesse, o que se
traduziria em graves impactos para a economia, e consequentemente para o
emprego, o que também não é desejável", sublinhou.
De recordar que
na crise financeira de 2008-09 também houve uma grande queda de emissões. Mas
depois foi aprovado um conjunto de medidas pelos governos para estimular a
economia global. Consequentemente, as emissões de CO2 voltaram em força. A
evolução positiva da China pode indicar que a crise do covid-19 será mais curta
do que a crise de 2008-09, e o mais provável é que as emissões voltem aos
níveis habituais.
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