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ANÁLISE
CORONAVÍRUS
Efeito colateral
do coronavírus: o regresso do Estado
Estas semanas
trouxeram a convicção, certa ou ilusória, de que a pandemia marca uma ruptura
mais funda do que o 11 de Setembro ou a crise financeira de 2008. Será mesmo
uma ruptura de época.
JORGE ALMEIDA
FERNANDES
21 de Março de
2020, 7:00
https://www.publico.pt/2020/03/21/mundo/analise/efeito-colateral-coronavirus-regresso-estado-1908798
Estamos numa
viragem de época. De momento, ocupam-nos a sobrevivência e a contenção da
epidemia. Os humanos são curiosos e, mesmo no pico da crise, não conseguem
deixar de imaginar que mundo vai nascer da pandemia. Seria estúpido morrer
agora - e ainda mais se for por culpa própria - sem ter sequer uma pista sobre
esse “mundo depois do coronavírus”. O sentimento dominante é o de que
assistimos ao fim de uma era e à inauguração de outra. Certo, parece ser o
reforço do papel do Estado.
Explico. Num
texto publicado no dia 8 de Fevereiro (As duas pestes de 2000), escrevi: “A
grande dúvida é saber se a epidemia se mantém como crise sanitária
internacional ou se vai transformar-se num fenómeno geopolítico susceptível de
alterar os equilíbrios do sistema internacional.”
A resposta dos
factos foi rápida: O coronavírus pode remodelar a ordem global – é o título de
um artigo da revista Foreign Affairs, análogo a muitos outros. Estas semanas
trouxeram a convicção, certa ou ilusória, de que o coronavírus marca uma
ruptura mais funda do que o 11 de Setembro ou a crise financeira de 2008. Será
mesmo uma ruptura de época. O colunista americano Thomas Friedman propôs há
dias, no New York Times, um título que exprime o este novo sentimento: A nossa
nova divisão histórica: A.C e D.C – o mundo Antes do Corona e Depois do Corona.
(Em inglês, B.C e A.C. de Before e After). Friedman não tem dúvidas sobre a
ruptura mesmo se não sabe desenhar os traços do futuro.
A ordem global
Descontada a
retórica, temos razões para pensar que vai mudar muito mais do que os
equilíbrios entre as potências. Este é um terreno em que é inútil especular,
pois estamos em plena pandemia e não no seu fim. Há um mês, a imagem da China
estava destroçada. Hoje, Pequim está apressadamente a recuperar o seu soft
power, tentando assumir a liderança da cooperação no combate à Covid-2, lugar
ostensivamente deixado vazio pelos Estados Unidos. Teremos outras surpresas nas
próximas semanas.
Paralelamente, a
explosão do coronavírus na América baralhou as cartas políticas. É um terreno
em que Trump não se sabe mover e em que, desde o início, perdeu toda e qualquer
autoridade. Os economistas prevêem uma recessão até ao fim do ano, o que faz
lembrar um velho e pragmático princípio: o Presidente em funções será reeleito
se a economia estiver a crescer. Trump saiu ileso do processo de impeachment
mas o coronavírus subverteu todos os seus planos de campanha.
Por tudo isto, é
muito cedo para imaginar as mudanças nas relações de força entre as potências,
designadamente na competição Pequim-Washington.
A previsível recessão
dará aos Estados um motivo para “limitar a globalização”. É um diagnóstico
crescentemente partilhado por políticos e economistas. Os Estados europeus são
os primeiros a assinalar a necessidade de travar a deslocalização do trabalho e
a autonomia da esfera financeira. Mas, apesar das pulsões proteccionistas, é
impossível regressar a um mundo de espaços autárcicos, como nos anos 1930.
A emergência
sanitária e as quarentenas conduzirão inevitavelmente a uma dramática crise
económica. Não é por acaso que se multiplicam as propostas de um novo Plano
Marshall para a Europa, o que pressupõe uma mudança no paradigma económico
dominante. Subitamente, a França e a Itália parecem decididas a salvar as suas
últimas “jóias”. O ministro da Economia francês admite recorrer à sua
nacionalização. “Para grandes males, grandes remédios”, dizem economistas. A
crise sanitária força a repensar o papel do Estado na sociedade. E a crise
económica, cujos efeitos ainda mal se sentem, vai impor um regresso da
intervenção estatal na economia.
É possível que o
futuro da União Europeia se venha a jogar num plano inesperado: ser capaz ou
não de voltar a pensar a longo prazo, com o horizonte da década e abandonar a
“gestão corrente”. Este é o momento mais baixo da UE. Resta saber se, perante a
emergência, e depois dela, os grandes desafios vão reensinar aos europeus a
retomar a “grande política”.
Regressando à
política internacional, cito um comentário do politólogo americano Stephen
Walt: “Primeiro, e muito obviamente, a presente emergência lembra-nos que os
Estados são ainda os principais actores da política global. Até há poucos anos,
académicos e colunistas sugeriam que os Estados estavam a tornar-se menos
relevantes nos assuntos mundiais substituídos por outros actores ou forças
sociais. (…) No entanto, quando crescem os novos perigos, os humanos olham
primeiro, e principalmente, para os governos nacionais buscando protecção.”
O princípio de
Quarantelli
Na Itália, que
continua a funcionar como laboratório europeu, a epidemia não beneficiou o
populismo. Provocou uma onde de “orgulho nacional” e reuniu o país em volta do
primeiro-ministro, Giuseppe Conte, que recolhe o apoio de 71% dos italianos, a
taxa mais alta dos últimos dez anos.
Para lá do apoio
ao governo, um inquérito do Instituto Demos indica uma natural e unânime
aprovação do sistema sanitário. Mas indica também uma avaliação positiva das
instituições - incluindo políticos e
jornalistas. A antipolítica saiu da cena. “Ao contrário do passado, quase todo
o país se reuniu em volta do primeiro-ministro e do governo”, escreve o
sociólogo Ilvo Diamanti, responsável pelo inquérito.
“A emergência do
vírus, além das vítimas, gerou medo. E produziu também um resultado, talvez
inesperado, gerando um clima de opinião pública imprevisível até há poucas
semanas. Isto é, reconstruiu a unidade nacional.”
Antes, o alvo do
medo foi o “outro”, o “estrangeiro” que vem de África ou de outras paragens. Os
italianos têm medo. Mas agora o “outro”, resume Diamanti, tornou-se um “inimigo
invisível”, que não pode ser parado fechando as fronteiras.
Na segunda-feira,
La Repúbblica, inaugurou a semana com um título: A primeira coisa bela de
segunda-feira 16 de Março de 2020. Era uma evocação de Enrico Quarantelli, um
sociólogo americano que dedicou a sua vida científica ao estudo das reacções
aos desastres. Ao contrário do senso comum, demonstrou que os acontecimentos
catastróficos trazem à tona o que a humanidade tem de melhor. “A solidariedade
prevalece sobre o conflito. A sociedade torna-se mais democrática.” É
sempre útil ler os clássicos.
Opinion
Our New
Historical Divide: B.C. and A.C. — the World Before Corona and the World After
Here are
some trends to watch.
Thomas L.
Friedman
By Thomas
L. Friedman
Opinion
Columnist
March 17,
2020
Before the
coronavirus crisis hit, I was toying with writing a book about 21st-century
political parties, but in light of this global epidemic it’s obvious that
whatever nonfiction book you’re working on now, put it down. There is the world
B.C. — Before Corona — and the world A.C. — After Corona. We have not even
begun to fully grasp what the A.C. world will look like, but here are some
trends I’m watching.
Unknown
unknowns. I wrote my book “The World Is Flat” about growing global
interconnectedness in 2004. The world has gotten so much flatter and
interconnected since. Heck, when I started writing that book, Facebook was just
being launched; Twitter was only a sound; the cloud was still in the sky; 4G
was a parking place; LinkedIn was a prison; for most people, applications were
what you sent to colleges, Skype was a typo and Big Data was a rap star. And
the iPhone was still Steve Jobs’s secret pet project.
All of
those connectivity tools, not to mention global trade and tourism, exploded
after 2004 and really wired the world. Which is why our planet today is not
just interconnected, it’s interdependent — and in many ways even fused.
This has
driven a lot of economic growth. But it’s also meant that when things go bad in
one place, that trouble can be transmitted farther, faster, deeper and cheaper
than ever. So, a virus-laden bat bites another mammal in China, that mammal is
sold in a Wuhan wildlife market, it infects a Chinese diner with a new
coronavirus and in a few weeks all my public schools are closed and I’m edging
six feet away from everyone in Bethesda.
But that’s
why this virus crisis is so not over. Bill Joy, the computer scientist who
co-founded Sun Microsystems, put it to me like this: “The last few weeks were
actually pretty unsurprising and predictable in how the pandemic spread. But
we’ve now reached a point where all of our interlocking systems, each with
their own feedback loops, are all shutting down in unpredictable ways. This
will inevitably lead to some random and chaotic consequences — like health care
workers not having child care.”
The power
of exponentials: One of the hardest things for the human mind to grasp is the
power of an exponential — something that just keeps relentlessly doubling and
doubling, like a pandemic. The brain just can’t appreciate how quickly 5,000
cases of confirmed coronavirus infection in America can explode into one
million if we don’t lock down now.
Here’s a
simple way to explain the exponential threat we face — in a way an oft-bankrupt
real estate developer like Donald Trump might understand. It was also offered
by Bill Joy: “The virus is like a loan shark who charges 25 percent a day
interest. We borrowed $1 (the first coronavirus to appear here). We then fiddled
for 40 days. Now we owe $7,500. If we wait three more weeks to pay, we’ll owe
almost $1 million.”
That’s why
working every single day to slow the rate of infection and testing everyone
possible is everything. Lose that battle, lose the war.
That’s also
why the only number I am watching now is not the Federal Reserve’s interest
rates, it’s the number of critical-care coronavirus patients versus the number
of general hospital and I.C.U. beds in the country needed to care for them. If
the second number can accommodate the first number when the virus peaks, we’ll
be O.K. If it can’t, we’re going to have pandemonium on top of a pandemic.
The upside
of exponentials. There is, though, another exponential that may end up saving
us: Moore’s Law, which was coined by Intel co-founder Gordon Moore in 1965 and
posited that the speed and processing power of computers would double every two
years, as more transistors could be steadily packed on a microchip.
Intel, to
explain the power of Moore’s Law to make all kinds of things better, smarter,
faster, had its engineers take a 1971 Volkswagen Beetle and try to calculate
what that car would be like today if it had improved at the same exponential
rate that microchips had improved since 1971. Intel’s engineers’ best guess was
that that Volkswagen Beetle today would go about 300,000 miles per hour, it
would get two million miles per gallon and it would cost 4 cents.
That is the
power of an exponential in engineering on the upside — and it may be just the
kind of exponential that can also help bring us a coronavirus treatment and
vaccine quickly.
As Nitin
Pai, director of the Takshashila Institution, an independent research center in
Bangalore, India, wrote on livemint.com on Sunday: “Advances in computer
technology and synthetic biology have revolutionized both detection and
diagnosis of pathogens, as well as the processes of design and development of
vaccines, subjecting them to Moore’s Law-type cycles. Recent epidemics,
starting with SARS, and including H1N1, Ebola, Zika and now Covid-19, will
drive more talent and brainpower to the biological and epidemiological
sciences.”
But will it
be fast enough? Even in the age of supercomputers, noted Gautam Mukunda, a
research fellow at the Harvard Kennedy School’s Center for Public Leadership,
“we still have no vaccine for H.I.V. or malaria — two widespread critical
diseases that we have been fighting for years. It is definitely true that the
science will reach the point where we can develop new vaccines on the fly; the
problem is, it’s still really, really hard.”
Will
American culture or politics be fundamentally changed by this pandemic? I know
for sure one joke Republican politicians will not be telling on the campaign
trail this year. It’s the one where they impugn the deep state, government
bureaucrats and get the audience to laugh by saying, “Hi, I’m from the
government and I’m here to help.”
We’ll get
through this crisis because of the depth of talent, and selfless commitment, in
our deep state, our Big Government: the scientists, the medical professionals,
the disaster professionals, the environmental experts — all the people whom
Trump tried to prune. Right now I am rooting for both Big Government and Big
Pharma to rescue us.
Our
political culture may also change before this is over. My friend Prof. Michele
Gelfand from the University of Maryland is the author of “Rule Makers, Rule
Breakers: How Tight and Loose Cultures Wire the World.”
In an essay
in The Boston Globe last week, Gelfand recalled that in a paper she and her
colleagues published in Science several years ago, they classified countries in
terms of how much they prioritized rules over freedom as either “tight” or
“loose,” writing: “Tight societies, like China, Singapore and Austria have many
rules and punishments governing social behavior. Citizens in those places are
used to a high degree of monitoring aimed at reinforcing good behavior. Loose
cultures, in countries such as the United States, Italy and Brazil, have weaker
rules and are much more permissive.”
These
differences in tightness and looseness, she argued, were not random: “Countries
with the strongest laws and strictest punishments are those with histories of
famine, warfare, natural disasters, and, yes, pathogen outbreaks. These
disaster-prone nations have learned the hard way over centuries: Tight rules
and order save lives. Meanwhile, cultures that have faced few threats — such as
the United States — have the luxury of remaining loose.”
It’s been
pretty obvious, said Gelfand, that “famously ‘tight’ societies like Singapore
and Hong Kong … have demonstrated the most effective response to Covid-19.”
At the same
time, our deficiencies in White House coordination and reckless public figures
— like Larry Kudlow, Sean Hannity, Laura Ingraham, Rush Limbaugh, Kellyanne
Conway, Devin Nunes and Trump himself —– who initially minimized the virus’s
potential impact or imputed political motives to those pounding the table for
action, helped compound the risks to us all.
So, Gelfand
concluded: “In all of the uncertainty, we need to remember that the trajectory
of the virus has as much to do with the nature of the coronavirus as it does
with culture. Our loose cultural programming needs to do a big switch in the
days to come.”
The
Greatest Generation did it in World War II. But can we now?
Only
generosity will save us. There are millions of business owners and employers
out there who are invested in long-term assets that they were assuming would go
up in value — a stock, a company, a home, a restaurant, a store — with borrowed
money. That’s money that they can’t now repay.
Therefore,
we not only need the Fed to backstop their banks to prevent a total meltdown,
we not only need the banks to restructure their debts, we need to get fresh
cash into the pockets of all their workers so they can eat after their last
paycheck is spent. It is encouraging to see the administration and Congress
moving rapidly to do just that.
The more we
simultaneously tighten our culture and loosen our purses, the stronger and
kinder society we’ll be A.C. — After Corona.
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