A quarentena auto-imposta por Marcelo Rebelo de Sousa foi um enorme erro político, e se continuar enfiado em Cascais com péssima Internet, a comunicar com os portugueses através da câmara de um telemóvel e a parecer que nos quer comer de cada vez que cabeceia para a frente, ele irá atirar pela janela, em pouco mais de uma semana, todo o capital político que amealhou ao longo de quatro anos.
João Miguel
Tavares
Sr. Presidente, saia da quarentena e vá para Belém
A quarentena auto-imposta por Marcelo Rebelo de Sousa foi
um enorme erro político e, se continuar enfiado em Cascais, irá atirar pela
janela todo o capital político que amealhou ao longo de quatro anos.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
16 de Março de
2020, 13:04
Os jovens devem
estar em casa. Os trabalhadores de serviços não essenciais devem estar em casa.
Os mais idosos devem definitivamente estar em casa. Um Presidente da República
sem sintomas de coronavírus não pode estar em casa. A quarentena auto-imposta
por Marcelo Rebelo de Sousa foi um enorme erro político, e se continuar enfiado
em Cascais com péssima Internet, a comunicar com os portugueses através da
câmara de um telemóvel e a parecer que nos quer comer de cada vez que cabeceia
para a frente, ele irá atirar pela janela, em pouco mais de uma semana, todo o
capital político que amealhou ao longo de quatro anos.
Repeti isto
bastantes vezes desde 2016: Marcelo é um excelente Presidente para tempos
normais, mas está ainda por provar a sua capacidade de liderança em tempos
extraordinários, que envolvem sangue-frio, grande estrutura moral e muita
coragem – às vezes, até mesmo coragem física, como aconteceu com Ramalho Eanes
ou Mário Soares. É possível que Marcelo seja óptimo a cozinhar e a engomar –
mas não é altura para ficarmos a saber isso. Um Presidente da República não se
fecha em casa, como não se fecha em casa um primeiro-ministro, uma ministra da
Saúde, um médico, um polícia ou o Rodrigo Guedes de Carvalho.
Sei perfeitamente
a idade que Marcelo tem. E, como todos os portugueses, ao longo destes anos
fiquei a conhecer os seus problemas de saúde. O Presidente da República
pertence a um grupo de elevadíssimo risco e necessita obviamente de se proteger
de um vírus que ameaça a sua vida. Só que precisa de o fazer a partir do
Palácio de Belém. Assoalhadas não faltam por lá. Arranjem-lhe um quartinho
isolado, um fato especial, uns óculos de protecção magníficos que só tira para
comunicar ao país, e gastem, se tiver de ser, duas piscinas de álcool diárias
para desinfectar maçanetas. Façam tudo o que for indispensável, da forma mais
escrupulosa possível, mas coloquem o Presidente da República na Presidência da
República.
O seu exílio
voluntário é sintoma de várias coisas erradas em simultâneo. 1) Marcelo não
percebeu o impacto que o coronavírus iria ter em Portugal. 2) Também não
percebeu que, ao fechar-se em casa numa hora destas, com um teste negativo e
sem vestígio de sintomas, iria deixar no ar um cheirinho a deserção. 3) Avaliou
erradamente as consequências do amadorismo e da futilidade das suas
intervenções caseiras. 4) A Presidência da República, e por extensão o país,
não estava minimamente preparada para enfrentar esta crise, já que nem sequer
existia um plano de contingência para o mais alto magistrado da nação.
A tudo isto
soma-se esta agravante: a tentação de Marcelo apostar num gesto aparatoso para
retomar a iniciativa política, com o objectivo de fazer esquecer as desastradas
comunicações domésticas em banda estreita, pode agora revelar-se irresistível –
e, mais uma vez, prejudicial ao país. Anunciar para quarta-feira, a três dias
de distância, uma reunião do Conselho de Estado para avaliar a necessidade de
declarar o estado de emergência (uma prerrogativa presidencial) é uma
contradição nos próprios termos. Ou bem que é emergente, ou bem que é daqui a
72 horas – para mais quando o primeiro-ministro, que está a assumir a condução
da crise, torceu o nariz à necessidade desse decreto. Estas desarticulações são
um mau sinal. Marcelo que respire fundo e comece pelo óbvio ululante: chamar o
motorista e ir de imediato para o palácio que os portugueses lhe depositaram
nas mãos em 2016.
Sem comentários:
Enviar um comentário