segunda-feira, 16 de março de 2020

Sr. Presidente, saia da quarentena e vá para Belém



A quarentena auto-imposta por Marcelo Rebelo de Sousa foi um enorme erro político, e se continuar enfiado em Cascais com péssima Internet, a comunicar com os portugueses através da câmara de um telemóvel e a parecer que nos quer comer de cada vez que cabeceia para a frente, ele irá atirar pela janela, em pouco mais de uma semana, todo o capital político que amealhou ao longo de quatro anos.

João Miguel Tavares

Sr. Presidente, saia da quarentena e vá para Belém

A quarentena auto-imposta por Marcelo Rebelo de Sousa foi um enorme erro político e, se continuar enfiado em Cascais, irá atirar pela janela todo o capital político que amealhou ao longo de quatro anos.

JOÃO MIGUEL TAVARES
16 de Março de 2020, 13:04

Os jovens devem estar em casa. Os trabalhadores de serviços não essenciais devem estar em casa. Os mais idosos devem definitivamente estar em casa. Um Presidente da República sem sintomas de coronavírus não pode estar em casa. A quarentena auto-imposta por Marcelo Rebelo de Sousa foi um enorme erro político, e se continuar enfiado em Cascais com péssima Internet, a comunicar com os portugueses através da câmara de um telemóvel e a parecer que nos quer comer de cada vez que cabeceia para a frente, ele irá atirar pela janela, em pouco mais de uma semana, todo o capital político que amealhou ao longo de quatro anos.

Repeti isto bastantes vezes desde 2016: Marcelo é um excelente Presidente para tempos normais, mas está ainda por provar a sua capacidade de liderança em tempos extraordinários, que envolvem sangue-frio, grande estrutura moral e muita coragem – às vezes, até mesmo coragem física, como aconteceu com Ramalho Eanes ou Mário Soares. É possível que Marcelo seja óptimo a cozinhar e a engomar – mas não é altura para ficarmos a saber isso. Um Presidente da República não se fecha em casa, como não se fecha em casa um primeiro-ministro, uma ministra da Saúde, um médico, um polícia ou o Rodrigo Guedes de Carvalho.

Sei perfeitamente a idade que Marcelo tem. E, como todos os portugueses, ao longo destes anos fiquei a conhecer os seus problemas de saúde. O Presidente da República pertence a um grupo de elevadíssimo risco e necessita obviamente de se proteger de um vírus que ameaça a sua vida. Só que precisa de o fazer a partir do Palácio de Belém. Assoalhadas não faltam por lá. Arranjem-lhe um quartinho isolado, um fato especial, uns óculos de protecção magníficos que só tira para comunicar ao país, e gastem, se tiver de ser, duas piscinas de álcool diárias para desinfectar maçanetas. Façam tudo o que for indispensável, da forma mais escrupulosa possível, mas coloquem o Presidente da República na Presidência da República.

O seu exílio voluntário é sintoma de várias coisas erradas em simultâneo. 1) Marcelo não percebeu o impacto que o coronavírus iria ter em Portugal. 2) Também não percebeu que, ao fechar-se em casa numa hora destas, com um teste negativo e sem vestígio de sintomas, iria deixar no ar um cheirinho a deserção. 3) Avaliou erradamente as consequências do amadorismo e da futilidade das suas intervenções caseiras. 4) A Presidência da República, e por extensão o país, não estava minimamente preparada para enfrentar esta crise, já que nem sequer existia um plano de contingência para o mais alto magistrado da nação.

A tudo isto soma-se esta agravante: a tentação de Marcelo apostar num gesto aparatoso para retomar a iniciativa política, com o objectivo de fazer esquecer as desastradas comunicações domésticas em banda estreita, pode agora revelar-se irresistível – e, mais uma vez, prejudicial ao país. Anunciar para quarta-feira, a três dias de distância, uma reunião do Conselho de Estado para avaliar a necessidade de declarar o estado de emergência (uma prerrogativa presidencial) é uma contradição nos próprios termos. Ou bem que é emergente, ou bem que é daqui a 72 horas – para mais quando o primeiro-ministro, que está a assumir a condução da crise, torceu o nariz à necessidade desse decreto. Estas desarticulações são um mau sinal. Marcelo que respire fundo e comece pelo óbvio ululante: chamar o motorista e ir de imediato para o palácio que os portugueses lhe depositaram nas mãos em 2016.

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