OPINIÃO
CORONAVÍRUS
A pandemia, o Estado e a garganta sem voz dos neoliberais
Portugal, neste tempo de pandemia, depende do SNS.
Afirmá-lo em voz alta é tão natural como o oxigénio que se respira.
Domingos Lopes
24 de Março de
2020, 15:00
https://www.publico.pt/2020/03/24/sociedade/opiniao/pandemia-estado-garganta-voz-neoliberais-1909176
É natural que aos ideólogos do neoliberalismo lhes falte
a voz nesta altura em que o SNS constitui a defesa dos portugueses face à
pandemia.
Os médicos e
restantes trabalhadores da saúde do SNS são a primeira linha do combate ao
vírus assassino; não porque não haja nos que trabalham no setor privado gente
solidária e competente, mas porque é o Estado o único capaz de o fazer. O setor
privado não compareceu. Ou compareceu para ganhar mais uns “tostões” com os
testes.
Não se trata de
qualquer obsessão pelo Estado, mas é evidente que a sua centralidade num Estado
de direito democrático e social se revela decisiva.
Portugal, neste
tempo de pandemia, depende do SNS. Afirmá-lo em voz alta é tão natural como o
oxigénio que se respira.
Quem faz melhor
quando o desafio tem esta envergadura? Que fez o sistema de saúde privado?
O SNS, abandonado
para salvar os bancos da ganância, não é nenhuma maravilha, nem sequer adequado
à missão, mas nesta luta titânica é ele que nos está a salvar.
Ao afirmá-lo não
se quer dizer, ao contrário do que por aí se escreve, que os liberais não
querem Estado. Querem, querem, ai se querem… A questão é – para quê? E a
resposta é simples – para que do alto da sua maquinaria administrativa,
securitária e militar se assegure que o essencial da estrutura das sociedades
dominadas pelo neoliberalismo se mantenha, isto é, que se assegure que a riqueza
produzida seja distribuída de modo a que o setor financeiro se locuplete à
fartazana, que os multibilionários engordem à custa dos baixos salários ou dos
despedimentos selvagens. Sem Estado, os liberais não conseguiam esta “façanha”.
Sem o Estado a
proteger a saúde dos cidadãos seria a corrida às armas, como acontece nos EUA.
Nesta conceção de modo de viver os homens são os lobos (sem desprimor para esta
espécie) do próprio homem. Veja-se o tipo de Estado e de sociedade com Trump ao
comando. O importante é ter armas para se defenderem dos seus compatriotas, não
é a saúde pública; cada um que trate de si e, para tal, armas na mão.
É o Estado,
através das suas funções na Saúde, Ensino, Segurança Social, Administração
Interna, quem pode deitar a mão aos portugueses, mesmo quando há tantas
insuficiências e falhas. Essa é que é essa.
Não são gritos
nem gritinhos, como alguém escreveu; são clamores de evidência de quem é capaz
de tratar da saúde das portuguesas e dos portugueses.
Em 2008 pagamos a
crise provocada pela gula do sistema financeiro, que recuperou à custa do
empobrecimento geral e depois se instalou também na Saúde para fazer grandes
negócios.
Apesar do
empobrecimento que impôs o desinvestimento no SNS, os ideólogos de direita
engolem em seco, não gritam porque já muitos mais cidadãos estão a ver que o
rei vai nu. Calam-se a ver se passa a pandemia para de novo se atirarem à Saúde
à procura do lucro e, quiçá capturando o Estado, fazerem do SNS um lugar
impróprio e, em paralelo, reduzindo a Saúde nos privados em belas parcerias
pagas pelos impostos dos contribuintes.
Claro que os
privados têm todo o direito de terem negócios na saúde, mas que façam à custa
exclusiva das suas capacidades e competências. Querem que o Estado que dizem
abominar lhes assegure lucros fabulosos e limpos. Sem riscos. A crise pandémica
tornou esta evidência mais clara. Por isso ficaram sem voz. Não gritam por
parcerias para tratar os doentes covid-19. Assobiam. E acenam com uns tantos
ventiladores. E pouco mais. De todos os modos, o que vier, se vier, fará falta.
Que venha.
Advogado
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