sábado, 14 de março de 2020

Maioria dos marroquinos que desembarcou no Algarve já fugiu de Portugal



Maioria dos marroquinos que desembarcou no Algarve já fugiu de Portugal

Apenas cinco dos 19 imigrantes marroquinos continuam a aguardar resposta do SEF ao seu pedido de asilo. Todos os outros já abandonaram o Centro de Refugiados e estão em paradeiro desconhecido.

Valentina Marcelino
13 Março 2020 — 17:53

"Neste momento só estão connosco quatro adultos do segundo grupo e um menor de idade", confirma ao DN fonte oficial do Conselho Português para os Refugiados (CPR), onde estavam alojados e a receber apoio os 19 imigrantes marroquinos que desembarcaram ilegalmente no Algarve - um primeiro grupo de oito em dezembro último e um segundo grupo de 11 em janeiro passado. Tito Matos, coordenador, desconhece a localização e as motivações dos que abandonaram o CPR, mas diz que os "cidadãos em causa começaram a sair à medida que foram sendo informados da resposta negativa ao pedido de asilo. Não sabemos onde estão, embora haja alguns contactos esporádicos".

Em janeiro, recorde-se, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF considerou "inadmissível" a concessão de asilo aos marroquinos que tinham chegado à praia de Monte Gordo, por não se enquadrarem nos critérios previstos na lei para a proteção internacional. Os imigrantes do segundo grupo também foram recebendo as mesmas respostas.

Apesar desta decisão, estes imigrantes ainda podiam beneficiar de uma autorização de residência "a título excecional" por "razões humanitárias", concedida pela ministro da Administração Interna. "Não está terminada ainda essa avaliação, o que foi solicitado foi um estatuto de proteção internacional, entendemos que não faz nenhum sentido, relativamente a um país amigo como Marrocos, a concessão de um estatuto de asilo para o qual não foi apresentado nenhum fundamento adequado", referiu na altura Eduardo Cabrita, acrescentando que seriam sempre avaliadas alternativas, "designadamente a concessão de uma autorização de residência". Mas os imigrantes marroquinos não quiseram esperar.

Questionado pelo DN sobre a situação destes imigrantes, o SEF não respondeu às perguntas do DN.

Questionado pelo DN sobre a situação destes imigrantes, o SEF não respondeu às perguntas enviadas.

Portugal, porta de entrada

Fontes policiais que estiveram a acompanhar o processo revelaram, no entanto que "os imigrantes estão em paradeiro desconhecido" e que "o mais certo é terem ido para Espanha ou França ao encontro das suas comunidades, como, aliás, seria o seu primeiro destino, sendo Portugal apenas uma porta de entrada na Europa".

com este desfecho, há lições a tirar para o futuro: primeiro estas decisões têm que ser muito mais céleres; segundo, neste género de casos, enquanto aguardam resposta aos seus pedidos, os requerentes devem estar retidos com vigilância

António Nunes, presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) entende que "com este desfecho, há lições a tirar para o futuro: primeiro estas decisões têm que ser muito mais céleres; segundo, neste género de casos, enquanto aguardam resposta aos seus pedidos, os requerentes devem estar retidos com vigilância, como acontece no aeroporto, e não em regime aberto como foi o caso". Este perito em segurança internacional entende que "só desta forma o nosso país e as autoridades podem garantir à União Europeia que controlam as fronteiras".

Para o presidente do OSCOT "as nossas autoridades não podem permitir que entrem pessoas ilegalmente e que, tendo recebido apoio institucional, depois fujam e entrem no espaço europeu ilegalmente". "E só por acaso algum deles fizesse parte de uma célula jihadista?", questiona. "É um risco que não podemos correr e Portugal fica muito mal visto perante os parceiros europeus, porque éramos responsáveis por estas pessoas", acrescenta.

a primeira conclusão a tirar é que, à semelhança de outros países na fronteira da UE (marítima ou terrestre), Portugal não é um destino, mas um ponto de entrada

Para Felipe Pathé Duarte, investigador académico e analista de segurança internacional, "a primeira conclusão a tirar é que, à semelhança de outros países na fronteira da UE (marítima ou terrestre), Portugal não é um destino, mas um ponto de entrada". Uma "segunda conclusão", acrescenta, "prende-se com a facilidade de deslocação em espaço europeu. Embora seja uma parte importante do ideal europeu, Schengen tem sido uma das primeiras vítimas da crise dos migrantes".

Este especialista acredita que "do ponto de vista moral" o procedimento do governo - que acolheu os imigrantes e os colocou sob apoio do CRP - "foi correto". No entanto, salienta que "há fundamentos normativos distintos entre a proteção de refugiados ou admissão de migrantes económicos. No entanto, os fluxos e os motivos são muitas vezes misturados e as políticas de bloqueio dos Estados de destino tendem a contribuir para essa mistura".

Aumentam redes ilegais a partir de Marrocos
O primeiro grupo de oito imigrantes, entre os 16 e os 20 anos, foi detetado pela Polícia Marítima, depois de alertada por pescadores locais, na praia de Monte Gordo. Outros quatro jovens, que vinham também na pequena embarcação, conseguiram escapar antes da chegada das autoridades, nunca mais sendo capturados.

O segundo grupo, que desembarcou em Olhão e foi também detetado por populares, era composto por homens com idades compreendidas entre os 21 e os 30 anos.

Todos os 19 tinham a mesma origem geográfica: El Jahid (antiga Mazagão portuguesa), na costa atlântica marroquina, uma das áreas onde tem mais aumentado as redes de imigração ilegal com destino à Europa.

Todos os 19 tinham a mesma origem geográfica: El Jahid (antiga Mazagão portuguesa), na costa atlântica marroquina, uma das áreas onde tem mais aumentado as redes de imigração ilegal com destino à Europa. Segundo dados da Frontex (Agência Europeia de Fronteiras), a rota marítima do Mediterrâneo Ocidental registou uma subida de 40% no último ano - mais do dobro de 2017.

Nesta rota os principais pontos de partida estão na costa marroquina e é do lado do Atlântico que a pressão tem sido maior, com as redes dominadas por grupos étnicos locais. Também os 23 marroquinos que desembarcaram no Algarve em 2007 saíram desta zona, de Kenitra.

O desembarque destes últimos dos grupos levantou a questão sobre se, perante o reforço de medidas de segurança na costa espanhola, as redes de auxílio à imigração ilegal estavam a testar novas rotas, designadamente através de Portugal. O Serviço de Informações de Segurança (SIS) chegou a alertar para essa possibilidade. O ministro da Administração Interna, por seu turno, disse que era cedo para essa elação: "é de todo prematuro. Tivemos dezenas de milhares de chegadas em Espanha e não poderemos, relativamente a 19, extrair daí qualquer conclusão. Estamos atentos".

Fica por esclarecer qual das análises está mais próxima da verdade. Bem como qual foi, de facto, o trajeto feito por estes marroquinos, com que apoios e objetivos - uma matéria que estava a ser investigada pelo SEF. Os jovens não traziam documentos e também não se sabe se e quantos chegaram a ser identificados oficialmente.

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