LISBOA
Reitor da
Universidade de Lisboa diz que destruição da placa da Casa Ventura Terra foi
“um acidente”
António Cruz
Serra diz que placa estava a ser removida do prédio classificado para servir de
molde para a reprodução de réplicas. Associação Ventura Terra quer avançar com
um processo-crime. Fórum Cidadania Lx e grupo municipal do CDS pedem
intervenção do Património.
Cristiana Faria
Moreira
Cristiana Faria
Moreira 12 de Março de 2020, 23:34
Depois de a
Universidade de Lisboa (UL) ter dito que a placa evocativa da Casa Ventura
Terra não tinha sido destruída, mas sim “retirada”, o reitor desta instituição,
António Cruz Serra, admitiu que a sua destruição foi um “acidente”. Segundo
explicou esta quinta-feira, numa curta conversa com o PÚBLICO, a universidade
solicitou a retirada da placa para que fossem reproduzidos mais dois
exemplares, que seriam entregues à Universidade do Porto e à futura residência
de estudantes Ventura Terra.
A placa
evocativa, colocada no prédio após a morte do arquitecto Miguel Ventura Terra
(1866-1919), e onde estava inscrita a sua vontade de que o prédio gerasse
rendimento que fosse atribuído aos alunos carenciados que quisessem estudar as
belas-artes, foi retirada da fachada do n.º 57 da Rua Alexandre Herculano na
tarde de quarta-feira. Quando o PÚBLICO lá chegou, por volta das 18h, a pedra
já estava desfeita no chão.
“Nós levámos uma
grua para tirar a placa. Quando a placa estava quase no chão, deixaram-na cair.
Alguma coisa correu mal”, justificou Cruz Serra. Segundo disse o reitor, “a
placa consegue-se reconstituir” e voltará a figurar na fachada do edifício. “A
original vai ser recuperada, talvez pelos nossos alunos de belas-artes”,
adiantou. Já as duas réplicas que a UL quer fazer serão colocadas uma na
Universidade do Porto e outra na futura residência de estudantes Miguel Ventura
Terra, no pólo da Ajuda. A primeira fase da residência esta já concluída e
inaugurada a prevê-se para breve o início da segunda, com a construção de um
outro bloco com capacidade para mais 120 camas. Estas novas camas serão usadas
“para cumprir o legado do arquitecto Ventura Terra”, disse Cruz Serra. Depois de
concluída receberá então o nome do arquitecto.
A retirada da
placa ganhou repercussão pelo facto de o edifício ter sido vendido em hasta
pública, a meados de Janeiro em hasta pública. No passado mês de Dezembro,
quando se soube que o prédio, que além de ser propriedade da UL (representante
das entidades proprietárias), pertencia também à Universidade do Porto e à
Faculdade de Arquitectura da UL, ia ser alienado, logo surgiram críticas contra
a decisão, uma vez que iria contra a vontade deixada em testamento pelo seu
arquitecto, que não queria que o edifício fosse vendido.
A UL estimava
então que o valor de mercado do prédio de quatro pisos, e uma área bruta de
construção de 2089 metros quadrados, deveria rondar os 3,7 milhões de euros. As
propostas deveriam ser apresentadas, em envelope fechado, até 15 de Janeiro,
data em que se realizaria a hasta pública. Cruz Serra confirmou que a hasta
pública se realizou, mesmo depois de, no dia anterior à data da hasta, a
Associação Ventura Terra ter apresentado junto do Tribunal Judicial da Comarca
de Lisboa, um procedimento cautelar para a suspender a sua realização. A acção
pedia ainda que, caso a hasta se realizasse, deveria ser decretada a “a
suspensão dos seus efeitos até à outorga definitiva da escritura pública e até
à decisão na acção principal onde se decidirá sobre a existência do direito das
entidades adjudicantes para procederem à alienação do imóvel que o testador
legou sob a condição de ‘que muito desejo que não seja vendido'”.
Questionado sobre
que empresa ganhou a hasta pública, Cruz Serra disse não se recordar do nome. A
assessoria da Reitoria também ainda não respondeu.
“Nós temos um
testamento autenticado, que foi muito difícil de descobrir, em que ele foi
muito claro quando disse que era seu desejo que o prédio nunca fosse vendido”,
disse Alda Sarri Terra, sobrinha-bisneta do arquitecto ao PÚBLICO, adiantando
ainda que a acção apresentada está ainda a ser analisada em tribunal.
Sobre a retirada
da placa, a descendente do arquitecto diz que a Associação Ventura Terra vai
avançar com um processo-crime contra quem “a mandou retirar”. “É um atentado
contra o património. Isto de tirar a placa dá-me ideia que é para mostrar uma
força ‘isto é nosso'”, observou.
“Ventura Terra era 13º filho de uma família de
parcos recursos e passou muitos sacrifícios para tirar o curso”, notou Alda
Terra, enaltecendo o trabalho do arquitecto que fez “um mundo em Lisboa”: dos
liceus Camões, Pedro Nunes e Maria Amália, à Casa dos Viscondes de Valmor, ao
Palacete Mendonça, ou mesmo à Maternidade Alfredo da Costa.
Além disso, este
edifício, construído em 1903, recebeu nesse ano o Prémio Valmor, distinção essa
impressa na sua fachada. Em 1983, foi classificado como Imóvel de Interesse
Municipal, tendo sido, em 2006, reclassificado como Imóvel de Interesse
Público. Perante a retirada da placa e tendo em conta estas classificações
patrimoniais, o Fórum Cidadania Lx já solicitou ao novo director-geral do
Património Cultural, Bernardo Alabaça, que inicie um processo de “contra-ordenação
aos responsáveis por esta acção de destruição de património classificado”.
Também o grupo
municipal do CDS questionou a Direcção-geral do Património Cultural (DGPC)
sobre se, enquanto entidade pública responsável pelo património, foi informada
da retirada da placa, se deu parecer favorável e se acompanhou a retirada da
mesma. “Estamos a falar do património legado por Ventura Terra, que é de todos
os portugueses e que o Estado deve preservar, independentemente do destino que
se pretenda dar ao imóvel. Lisboa padece de inúmeros casos de desrespeito pelo
património. Não queremos que este seja mais um”, notou o líder da bancada
centrista em comunicado.
O PÚBLICO
questionou ainda a Câmara de Lisboa sobre a retirada da placa, mas ainda não
obteve resposta.
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