OPINIÃO
Em defesa do
Estuário do Sado: que a memória não nos falhe
Por cada tonelada
de areia que se draga do Sado, afundamos ainda mais a conservação da Natureza.
Inês Cardoso
7 de Janeiro de
2020, 21:06
O ilógico, e até
absurdo, tem uma data: 22 de Março de 2017. Discretamente, sem contexto
estratégico, surge “A Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal”
para consulta. Um projecto que, se visse a luz do dia, traria uma substancial
alteração na utilização das infra-estruturas do Porto de Setúbal. A intenção da
administração do Porto de Setúbal e Sesimbra (APSS) era crescer, vencer a
estagnação, e impor a sua necessidade de crescimento ao país. Queriam-se mais e
maiores navios em pleno rio Sado, uma nova porta do mundo na Europa. Com tal
desígnio, quem ficaria indiferente? O governo apostou nesta miragem, tornando-a
uma prioridade nacional pouco tempo depois. Em Novembro de 2017, a vontade de
um privado é concretizada numa resolução do Conselho de Ministros:
“O XXI Governo Constitucional entende a aposta
no mar como um desígnio nacional, assente numa estratégia a médio e longo
prazo, sustentada na potenciação das atividades económicas do mar, na criação
de oportunidades de negócio que levem à geração de emprego e ao aumento das
exportações, maximizando a dinâmica de crescimento do transporte marítimo. O
aproveitamento sustentável das potencialidades do mar, símbolo profundo de identidade
nacional, permitirá que Portugal assuma um papel de liderança num sector que
constitui uma aposta de futuro, reforçando a posição geoestratégica nacional e
contribuindo para o sucesso da economia do mar que, por sua vez, assenta, entre
outros vectores estratégicos, no reforço da centralidade euro-atlântica do
ponto de vista portuário e logístico.”
Quem poderia
agora duvidar de que o Projecto de “Melhoria da Acessibilidade Marítima ao
Porto de Setúbal” se enquadrava, que nem uma luva, nesta estratégia definida a
gosto e à medida? A visão estratégica definida pela Administração da APSS
impôs-se e foi até condecorada como prioridade nacional, com direito a
dedicatória oficial. Com o Porto de Sines, outra porta para a Europa, a uma
distância irrisória à escala de navegação marítima, procurou-se justificar o
injustificável crescimento do Porto de Setúbal, procurou-se deitar milhões de
euros por água abaixo.
O estudo de
impacto ambiental apresentado, tão pobre em conteúdo e seriedade quanto rico em
limitações e fragilidades, passou na conformidade e o projecto passou com
parecer favorável condicionado pela Declaração de Impacte Ambiental (DIA) de
Julho de 2017. [AP1] Dois anos depois, vemos as dragas no Sado e as dragagens
[AP2] a decorrer, envoltas em contestação e polémica por anunciarem o fim do
Estuário do Sado como é hoje e que, ao longo das últimas décadas, se almejou
melhorar e preservar.
Portugal tinha já
uma estratégia para o mar, tal como refere a DIA. Mas nesta estratégia está
subjacente uma outra, decretada pela Directiva Quadro Estratégia Marinha. O
governo esqueceu-se desta Directiva, e da Directiva Quadro da Água e da
Directiva Habitats e de todos os contextos que obrigam Portugal a preservar o
Património Natural independentemente de este estar, ou não, definido e limitado
a áreas com algum estatuto de conservação.
O uso da palavra
sustentabilidade é no mínimo abusivo, porque na verdade é um absurdo. O Governo
falhou, Portugal perdeu, e o estuário será retalhado, os organismos que dele
dependem empurrados,, projectados para
longe, arrastados pela erosão, afastados pelo ruído, contaminados e desorientados
pela violenta operação que implica a fase A deste projeto. Assim sendo, a fase
B, a da exploração , diminuiu substancialmente o impacto. [AP3]
A Natureza parece
estar longe das prioridades nacionais. Se o processo decisivo no aumento e reforço
da rede Natura 2000 fosse tão linear como foi o processo decisivo para o Porto
de Setúbal, Portugal estaria perto de atingir as metas a que se propôs. Aliás,
de facto a Rede Natura 2000 em Portugal tem servido antes de palco aos mais
variados investimentos, desde turísticos, energéticos ou para infra-estruturas
de transportes, colocando assim em causa os seus objectivos
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