Este mês, é preciso chover o dobro do normal para reverter
situação de seca
Abril será “decisivo” para um Verão sem seca severa. A
precipitação necessária para que tal aconteça só ocorreu em 20% dos meses de
Abril desde 1931.
Rita Marques Costa 5 de Abril de 2019, 7:15
No Outono, temperaturas acima da média e precipitação
normal; no Inverno, dias mais quentes do que o habitual para a época e muito
pouca chuva (foi o 4.º Inverno mais seco dos últimos 18 anos). Foi assim que se
chegou a Março com mais de um terço do território em situação de seca severa —
nos distritos de Évora, Beja, Setúbal e Algarve — e quase metade em seca
moderada. Agora, para reverter a situação, é preciso que chova o dobro do
normal para o mês de Abril, algo que só aconteceu em 20% destes meses desde
1931.
As contas são de Vanda Pires, da Divisão de Clima e
Alterações Climáticas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).
“Neste momento, o mês de Abril é decisivo”, sublinha. “Se [os valores da
precipitação] não forem superiores, a situação pode diminuir ligeiramente, mas
não é suficiente para revertê-la por completo. Têm de ser acima do normal.”
“Se se verificarem estas quantidades [de precipitação], no
Norte e Centro a situação [de seca] termina”, garante Vanda Pires. “No Sul não
termina, mas melhora. Fica entre seca fraca a moderada.” O IPMA prevê chuva
para os próximos dias e a 15 de Abril fará uma reavaliação da situação com os
dados da primeira quinzena.
Mas não basta que chova. Há outra preocupação: “Até pode
chover, mas se tivermos um mês com temperaturas muito altas, pode não ser o
suficiente, uma vez que a evaporação é muito grande e não compensa”, explica
Vanda Pires.
O cenário descrito pela especialista do IPMA é aquele que é
necessário para reverter — e em alguns casos atenuar — a situação de seca. Para
que o ano hidrológico (que vai de Setembro a Agosto) seja considerado “normal”,
os números são outros. Filipe Duarte Santos, professor de Física na
Universidade de Lisboa e especialista em alterações climáticas, explica que, em
média, chovem entre 900 e 1000 milímetros (mm) por ano em Portugal. Entre
Setembro de 2018 e Março de 2019, verificou-se um défice de cerca de 250 mm em
relação à precipitação normal para este período. Nos meses que restam é normal
que chovam cerca de 200 mm, pelo que, para reverter essa diferença e ficar com
um ano que corresponda à média, seria preciso chover “mais do dobro”, conclui.
Mas “é pouco provável” que tal aconteça.
A gravidade da situação já tinha sido notada pelo ministro
da Agricultura, Capoulas Santos, depois de uma reunião da Comissão Permanente
de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca (que voltará a
reunir a 30 de Abril). No final desse encontro, o responsável pela pasta da
Agricultura anunciou a pré-contratação de camiões-cisterna para responder à
eventual necessidade de abastecer aglomerados urbanos que estão dependentes de
captações subterrâneas.
Outra das medidas tomadas no âmbito da actividade desta
comissão foi a de fazer um levantamento das necessidades de investimento dos
agricultores afectados pela seca. O anúncio foi feito na quinta-feira pelo
Ministério da Agricultura, que diz que é “prematuro” falar nos apoios que
resultarão deste levantamento antes de saber as necessidades reais de quem
trabalha na agricultura.
Pouca água armazenada
A falta de chuva durante os últimos meses também já está a
criar problemas na quantidade de água armazenada em albufeiras. Em dez das 60
estruturas espalhadas pelo país, o volume de água armazenado não chega a 40% da
capacidade total — e é particularmente grave em Paradela (no Cávado) e em Monte
da Rocha e Campilhas (ambas no Sado), onde a água armazenada não vai além dos
20%. Por outro lado, só em 14 albufeiras é que o volume de água ultrapassa os
80% da capacidade total. A bacia hidrográfica do Sado é, por enquanto, a única
cuja disponibilidade hídrica está abaixo dos 50%, mostram os dados divulgados
pela Agência Portuguesa do Ambiente.
A situação das albufeiras portuguesas é bem pior do que no
mesmo mês do ano passado. Março de 2018 foi quatro vezes mais chuvoso do que o
normal — o que permitiu que se saísse da situação de seca que assolava o país
desde Abril de 2017 —, o que fez com que só três albufeiras estivessem a menos
de 40% da capacidade total e metade tivesse mais de 80% do volume de água
armazenado.
“Em Março [de 2019] choveu pouco em toda a Península
Ibérica”, nota Filipe Duarte Santos. “Isto não é um problema só de Portugal. É
de toda a Península Ibérica e do sul da Europa.” Por isso, o cenário nas
albufeiras espanholas não é mais animador. “O ano já começou abaixo da média e
não está a crescer”, refere. A 1 de Abril, a quantidade de água armazenada nas
barragens espanholas correspondia a 57,8% da capacidade total. No ano passado,
no mesmo período era 63,4% e a média dos últimos dez anos corresponde a 71,6%.
“Estamos a pisar terreno desconhecido”
Este início de Primavera está longe do desejado, mas já
houve Marços piores. Em 1997, por exemplo, choveram 0,2 mm, quando o esperado
para o mês ronda os 60 mm (média entre 1971 e 2000). O valor mais elevado dos
últimos 89 anos registou-se em Março de 2001, quando a precipitação registada
chegou aos 273,8 mm. No mês passado, não passou dos 45,3 mm. Quanto à
temperatura, este Março foi o 23.º mais quente desde 1931.
O problema dos últimos anos é “o aumento do número e da
intensidade dos fenómenos extremos, nomeadamente secas, inundações e
temperaturas muito elevadas”, nota Vítor Louro, ex-presidente da Comissão
Nacional do Programa de Acção Nacional de Combate à Desertificação e à Seca.
Neste momento, “estamos a pisar terreno desconhecido”.
O que vai ficando claro, sublinha este especialista, é que
“isto é muito complicado”. Enquanto sociedade, “não estamos preparados para
esta situação, apesar de estar a evoluir no sentido em que já sabíamos que
evoluiria”.
Não há “água nova” no Guadiana e no Sado. Quem vive da terra
e dos rios sofre com isso
No Guadiana falta peixe e no Sado há barragens com um volume
de armazenamento de apenas 12% e 16%. Nas culturas de sequeiro, só a chuva pode
ajudar a minorar perdas que se prevêem “em grande escala”. Quem depende da
rega, também não tem garantias. A seca não escolhe quem vai afectar e isso
sente-se nas margens dos dois rios.
Patrícia Carvalho (Texto), Teresa Abecasis (Fotografia e
vídeo) e Francisco Lopes (Infografia) 5
de Abril de 2019, 7:15
Já passaram alguns anos desde que António dos Reis Soeiro,
78 anos, apanhou lampreia que se visse no Guadiana. O pescador da aldeia de
Pomarão – colada à fronteira com Espanha e com a barragem espanhola do Chança
quase a fazer sombra ao casario – está sentado à porta de casa a aproveitar o
sol que espreita entre as nuvens negras desta tarde de domingo. “Aqui há uns
anos, eu e outro rapaz chegámos a apanhar 986 lampreias. Mas tem vindo a
diminuir. Cento e tal... No ano passado foram duas e este agora só uma”, diz,
desalentado. A explicação, coloca-a na falta de chuva, que faz com que a água
do Guadiana e das ribeiras que o engordam não se renove. “A água é sempre a
mesma, está a compreender? E o peixe não entra. A água não vem da barragem, nem
das ribeiras, nem dos barrancos. Isto não está nada famoso.”
Quem olha lá para baixo, para o Guadiana a espraiar-se largo
entre as margens, pode ter dificuldade em acreditar no velho pescador de boina
e olhos claros. Mas ele sabe do que fala. As cheias, que ajudam à subida da
lampreia e antigamente levavam as águas do rio a invadir ruas e casas do
Pomarão (há marcas a assinalar a chegada das águas às habitações baixinhas),
são algo que não se vê por ali desde 1997. Nesse ano, as barragens encheram
tanto que foi preciso abri-las. O alerta chegou na noite de 5 de Novembro. Na
manhã do dia 6 estava tudo como mostram as fotografias que Margarida, esposa do
velho pescador, mostra agora: as ruas mais baixas da aldeia já não se vêem, a
água chega aos patamares superiores, onde está a casa de ambos, e, atrás,
poderosos jactos de água saltam ainda da barragem espanhola.
Mas, entretanto, passaram-se mais de 20 anos. A população
diminuiu e o número de pescadores também. António, que já experimentara a pesca
quando era novo, regressou à actividade depois de se reformar da Guarda Fiscal.
Tem barco, licenças, seguros. E o barco até tem motor, já não é preciso a
canseira dos remos para chegar aos locais onde lança as redes. Há tudo, menos o
peixe. “A lampreia, há uns cinco ou seis anos ainda se apanhava uma maxinha
[mão cheia] delas. Não era uma coisa assim avultada, mas ainda dava para pagar
os papéis que a gente tem para a capitania e seguros, essa coisa toda. Agora,
de há três anos para cá, vê-se pouco. Tem de se tirar da reforma para pagar
essa importância.”
Nos últimos dois anos, diz, o que pesca não cobre as
despesas inerentes à actividade. A esperança está agora na saboga, cujas ovas
são muito apreciadas. “No ano passado escapou, agora a partir deste mês de
Abril, vamos lá ver. Estamos contando a ver se entra alguma coisa de jeito.
Quanto ao resto, mais nada.”
Esta semana, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera
(IPMA) revelou que a situação de seca que se vive no país agravou-se no mês
passado. Os dados mais recentes indicam que, até 28 de Março, 37,5% do
território encontrava-se em seca severa (era apenas 4,8% em Fevereiro), 45,1%
em seca moderada e 16,8% em seca fraca. Pela primeira vez este ano, apareceu um
registo de seca extrema, em 0,5% do território.
O Inverno que agora terminou foi já classificado pelo IPMA
como o 4.º mais seco do século, com a precipitação ocorrida entre Dezembro e
Fevereiro a corresponder a cerca de 41% do valor médio. Uma situação que se
reflecte no volume de água armazenado nas albufeiras das barragens nacionais –
e também espanholas, onde tem chovido ainda menos do que em Portugal. Em Março,
havia dez barragens com um armazenamento inferior a 40% (eram apenas três em
2018), e duas delas estavam no Guadiana: a barragem da Vigia (24%) e a do Caia
(32%).
Luís Rodrigues, 38 anos, aproveitou o domingo de manhã para
passar pela albufeira do Caia e procurar apanhar algum peixe com uma cana. À
volta, só se ouvem pássaros ou o carro muito ocasional que atravessa a estrada
lá em cima. O silêncio é tanto que se ouve o barulho de um cão a sacudir a água
do pelo, depois de um banho na albufeira, a poucas centenas de metros de
distância. O homem olha em redor, para as encostas em que é bem visível o local
onde devia haver água – há uma faixa larga de terra castanha, despida, e só
depois começam as primeiras ervas e árvores. “Isto devia estar mais cinco ou
seis metros acima. Já tínhamos tido seca no ano passado. Agora já cortaram a
rega em Setembro e, com os olivais intensivos, isto vai ser muito complicado”,
diz.
Há-de ser para a rega, mas Francisco Corado, 46 anos, nem
nessa hipótese pode pensar. Nos 400 hectares da Herdade da Fragosa, onde cria
gado, a pastagem de que os animais precisam para se alimentarem é produzida em
regime exclusivo de sequeiro. Ali, diz o produtor de Arronches, já quase não
vale a pena ter esperança que chova. Porque não é possível recuperar de um Inverno
sem chuva. “A pastagem vai ser sempre afectada porque as plantas que estão
secas já não recuperam. O ciclo da planta fechou. Isto são plantas de sequeiro,
pode chover que nunca recuperam”, diz.
Tal como acontecia mais a Sul, em Pomarão, também aqui não é
fácil perceber do que fala o produtor com um simples relance. Porque, à
primeira vista, as azinheiras de copas verdes parecem assentar num manto de
verde também. É preciso olhar melhor para perceber que por baixo das árvores as
plantas secaram todas e que o tapete biodiverso que cobre o solo tem tanto de
seco como de verde. É preciso ver Francisco aproximar a mão do joelho e dizer
que a altura da pastagem devia ser aquela, quando o que vemos é um tapete raso
no chão. E, depois, há o barulho que se obtém ao caminhar, ao arrastar os pés
no chão. Um som quebradiço, um crepitar. “Isto é uma coisa que normalmente só
acontece em Maio”, diz.
É claro que a chuva é sempre bem-vinda. É claro que se ela
chegar, alguma coisa melhora. A parte da pastagem que não morreu, recupera; as
minibarragens que Francisco abriu na herdade, e que são a única forma de dar de
beber aos animais, podem deixar a perigosa capacidade de 50% que têm neste
momento. Furar mais a terra em busca de água subterrânea parece tempo perdido.
“Consegui fazer um furo, estou farto de fazer furos, nenhum dá, estão todos
secos.” No último dia de Março, Francisco não se sentia muito esperançoso.
Todos os dias está atento às previsões do tempo e a promessa quase diária de
chuva vai sendo adiada de dia para dia.
No ano passado, também se temeu o pior, mas Março e Abril
trouxeram muita chuva, que permitiu repor a normalidade. Mas, agora, Março já
lá vai sem que a chuva tenha aparecido. “O alimento disponível não tem nada a
ver com um ano normal. Isto é a altura em que as vacas tinham de deixar a erva
crescer, para ficar de reserva até ao Verão. Nem pensar. Se não chover
rapidamente, tenho erva disponível para mais uma semana, 15 dias. E depois
faltam os outros meses todos, [em] que era [para usar] o que se juntava nesta
altura. Isto é extensivo puro. Ou seja, estes meses de Primavera, final de
Inverno, são os meses em que há verde e em que se cria alguma coisa para, mesmo
em seco, comerem no Verão.”
Dar suplemento aos animais já faz parte da vida normal na
Herdade da Fragosa, mas Francisco teme que, este ano, em vez dos cem dias
habituais em que o faz, tenha de “suplementar 200 e tal dias”. Os custos estão
feitos: “É fácil, 1,5 euros por vaca, por dia.” Mas mesmo que consiga suportar
o acréscimo de custos e alimentar bem os animais, há sempre coisas que são
afectadas. “Nesta altura, já está a afectar o crescimento dos bezerros”,
explica. Dependem da mãe, e se ela não tem nutrientes suficientes, não engordam
tanto. No desmame, podem não ter comida suficiente. E o cio das vacas também
atrasa. “Tenho-lhes dado muita comida, mas nunca consigo fazer o mesmo que
consegue a Primavera, num ano normal”, ironiza.
Fermelinda Carvalho, presidente da Associação de
Agricultores de Portalegre, que representa 3800 produtores – incluindo
Francisco Corado –, diz que o que tem ouvido dos associados é que a situação “é
extremamente grave”. “As secas têm sido sucessivas, mas esta já nos arriscamos
a dizer que será a pior de que temos memória. Choveu muitíssimo pouco de
Novembro até à data”, diz. A seca não escolhe e visa todos por igual. A também
presidente da Câmara de Arronches diz que o efeito faz-se sentir “dos cereais
às pastagens, às vinhas e pomares, que são poucos, ao olival, para quem não tem
regadio”. Quem depende da rega “irá ser afectado mais à frente”, se não chover.
A representante dos agricultores de Portalegre não tem
dúvidas em dizer que “salvar o ano já não é possível”. Resta esperar que chova
bastante, para que as quebras de produção que se prevêem não sejam “em grande
escala”, como antecipa neste instante.
Alto Sado à míngua
No ano passado, foi assim uma espécie de milagre de última
hora que salvou os produtores de arroz de Alcácer do Sal, na região do Sado. Em
Fevereiro, pensava-se que não seria possível fazer a campanha anual. As chuvas
de Março e Abril permitiram encher as barragens e, quando chegou Maio, o mês
tradicional para semear o arroz, conseguiu-se fazê-lo sem quebras. Foi também
essa chuva que permitiu que, este ano, a sementeira nesta zona esteja
assegurada, com uma pequena diminuição da produção que pode variar entre os 10%
e os 20%, explica João Reis Mendes, director executivo do Aparroz – Agrupamento
de Produtores de Arroz do Vale do Sado. “As barragens permitem duas campanhas,
se estiverem completamente cheias. Vamos fazer a campanha deste ano com água do
ano passado”, diz.
O mesmo não se passa mais a sul, no Alto Sado. É aí que se
encontram as duas barragens nacionais com um volume de armazenamento mais
baixo, segundo os dados do Sistema Nacional de Informação dos Recursos
Hídricos: Monte da Rocha (12%) e Campilhas (16%).
Na primeira, a maior parte da albufeira está a descoberto e,
nos locais em que existe água, há zonas com um nível tão baixo que há vacas a
passear-se calmamente no seu interior. Em Campilhas, as faixas nuas de terra
que assinalam, nas encostas, até onde a água sobe em anos normais, estendem-se,
em altura, por muitos metros. É aqui que Ilídio Matos, director executivo da
Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado (ARBCAS), faz o
balanço desde Janeiro: “Temos as piores albufeiras em termos de armazenamento
no presente ano.” E se se alargar no tempo, a situação não melhora: “Este ano é
o culminar de três anos sucessivos de pouca precipitação e nunca estivemos com
níveis de armazenamento tão baixos como está agora”, diz.
A água destas albufeiras, bem como as de Fonte Serne,
Miguéis e Monte Gato, são usadas para regar quatro culturas – olival, milho,
tomate e arroz. Nos primeiros dias de Abril, apesar de ter caído alguma (pouca)
chuva, o responsável da ARBCAS já sabia o que iria acontecer nos próximos
meses: “Só vamos ter água para situações de emergência, para salvação de
animais, de algumas árvores, porque, de resto, a actividades em 3700 hectares
dos 6500 que temos vai estar completamente parada. Não vai haver sequer
sementeira de milho, arroz e tomate nestes 3700 hectares”, disse. Há algo que
possa mudar este cenário? “Teremos de ter um mês de Abril extraordinário para
que isso aconteça.”
Joaquim Chainho, 49 anos, é um dos produtores afectados por
esta situação. Dedica-se ao cultivo do arroz, na região de Alvalade, no Alto
Sado. “Neste momento, não temos água suficiente para fazer o ciclo da cultura
de arroz”, diz. Arriscar é uma hipótese, se ainda chover alguma coisa, mas não
será para todos. “Pode-se chegar a meio do ciclo e não termos água na barragem
para o completar.”
Ele, que anda de volta dos arrozais há 30 anos, lembra-se de
outros anos (como 1993 e 1995) em que também não se cultivou o cereal. Mas as
coisas mudaram, desde então. “Cada vez chove menos. A quantidade de água é cada
vez menos e cada vez chove mais [de forma concentrada]. Às vezes, chove aquela
quantidade de água que até provoca estragos, não há aquele ciclo de chuva
permanente”, diz.
“As alterações climáticas estão aí, elas vieram para ficar”,
sintetiza o presidente da Câmara de Alcácer do Sal, Vítor Proença. Ele tem
reclamado junto do Governo mais acesso à água da barragem do Alqueva, que só
abastece, actualmente, uma das duas barragens do concelho, a do Vale do Gaio (a
outra é Pego do Altar).
As restantes reivindicações são as mesmas que se ouvem da
boca dos produtores ouvidos: um uso de água mais eficiente (e desde Fevereiro
que já há restrições no acesso à água do Alqueva, para algumas culturas), mais
capacidade de armazenamento da água da chuva, construção de mais barragens
(incluindo pequenas barragens, nas propriedades), capacidade de transporte da
água para onde ela é necessária, mais rapidez nas respostas de emergência
quando a seca se concretiza.
Na Herdade da Fragosa, Francisco Corado pede também a ajuda
“da opinião pública, dos consumidores”. Se não vendem o suficiente para ter
“algum desafogo”, não conseguem suportar os anos maus, que as secas trazem,
diz. “Tenho de me preparar nos anos melhores para estes anos, mas, para isso,
tem de me sobrar alguma coisa.” Algumas centenas de quilómetros mais a Sul, na
cadeira voltada para o rio Guadiana, nem as pingas grossas de uma pouca chuva
que cai ao final da tarde, animam o pescador António dos Reis Soeiro. “Já disse
à minha mulher. Temos de largar isto.” com Carlos Dias
Sem comentários:
Enviar um comentário