Portugueses deitam fora 200 mil toneladas de roupa por ano
Nunca se comprou tanta roupa para usar durante tão pouco
tempo. Embora os têxteis possam ser reciclados, em teoria, na prática uma boa
parte vai parar aos aterros. Isto aumenta o impacto ambiental do setor têxtil,
que já é um dos mais poluentes.
Joana Capucho
08 Abril 2019 — 06:30
I. Falta sensibilização dos mais jovens
II. Sasia recicla 900 toneladas por mês
III. Marcas atentas às preocupações dos consumidores
IV. Preocupação vs. marketing
A moda rápida e barata - conhecida como fast fashion - que
veio com as grandes cadeias mundiais, mudou a forma como nos vestimos. A
produção mundial de roupa duplicou, tendo ultrapassado os cem mil milhões de
peças por ano em 2015. Entre as várias consequências deste movimento -
nomeadamente a aceleração da moda, a cópia, e a globalização dos estilos - veio
também o peso ambiental. É que quando deixa de ser útil grande parte da roupa
velha acaba no lixo. Há uma parte que é colocada em contentores para reutilização,
mas outra vai parar aos caixotes indiferenciados, e para estes o único destino
é o aterro e a incineração. Em Portugal, deita-se para o lixo 200 mil toneladas
de têxteis por ano.
De acordo com os dados da Agência Portuguesa do Ambiente
(APA) em 2017 foram recolhidas cerca de 200 756 toneladas de têxteis nos
resíduos urbanos, um valor ligeiramente superior ao registado no ano anterior
(196 865) - o que representa cerca de 4% do total de resíduos produzidos em
Portugal (perto de 4,75 milhões). Se analisarmos o período entre 2011 e 2017,
foram deitados ao lixo 1,2 milhões de toneladas de têxteis - um problema que
não é exclusivo de Portugal. De acordo com o The Guardian, em 2016 foram
enviadas para aterros 350 mil toneladas de roupa no Reino Unido. Já nos EUA,
são gerados mais de 15 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano, e
apenas 2,62 milhões são reciclados.
É lixo a mais. Segundo a Greenpeacecada pessoa compra, em
média, mais 60% das peças do que comprava no ano 2000 e só as mantém metade do
tempo. E isto é especialmente grave porque a indústria têxtil é uma das mais
poluentes do mundo. Em alguns rankings, a moda aparece em segundo lugar entre
os setores menos amigos do ambiente, logo a seguir à indústria petrolífera.
Para produzir uma T-shirt de algodão, por exemplo, são necessários 2700 litros
de água. Já numas calças de ganga, o consumo de água pode chegar aos 10 000
litros. E o consumo de recursos hídricos é apenas um dos muitos impactos desta
indústria.
"A maior parte da roupa é sintética, do petróleo.
Estamos a vestir-nos de plástico. Cada vez mais deixamos de comprar roupa de
algodão."
Um dos maiores problemas diz respeito às matérias-primas
usadas. "A maior parte da roupa é sintética, provém do petróleo. Estamos a
vestir-nos de plástico. Cada vez mais deixamos de comprar roupa de
algodão", diz Carmen Lima, coordenadora do Centro de Informação de
Resíduos da Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza. Por outro
lado, há o impacto associado às tintas, que acabam muitas vezes por contaminar
os rios: "Muitas têm compostos orgânicos voláteis associados e nem sequer
cumprem certificações." Já as emissões atmosféricas de gases de efeito
estufa são uma constante desde o processo de produção, ao transporte, ao
próprio uso.
Além da produção, há também a reciclagem - que não é feita
tanto como devia. A Associação Portuguesa do Ambeite explica que, em Portugal,
"não existindo recolha seletiva de resíduos [têxteis], a sua recolha é
feita em conjunto com a fração indiferenciada, pelo que o destino será aterro,
valorização energética ou, nalgumas situações, produção de combustível derivado
de resíduos". No entanto, adianta, "e em alinhamento com a Diretiva
(UE) 2018/851 de 30 de maio de 2018 (recolha seletiva de resíduos têxteis
obrigatória a partir de 1 de janeiro de 2025) está prevista a implementação de
sistemas de recolha seletiva de resíduos têxteis pelos sistemas de gestão de
resíduos urbanos, ou pelos municípios que os integram". A partir dessa
altura, os têxteis encaminhados como resíduos serão, sempre que possível,
preparados para reutilização e reciclagem.
Nos têxteis, há "uma parte significativa" que é
recolhida para reutilização, feita em contentores localizados na via pública,
com intenção de "que a mesma seja novamente usada para o mesmo fim".
Uma das empresas que se dedicam à recolha de roupa em Portugal é a Ultriplo,
com sede em Braga. Em 2018 recolheu 6 333 584 quilos de resíduos têxteis, sendo
na sua maioria roupas, e contando também com calçado, brinquedos e livros. Atendendo
a este valor, estima "uma redução anual de 19 634,1 toneladas de dióxido
de carbono".
Anualmente, a Ultriplo recolhe "mais de 6000 toneladas
de resíduos têxteis um pouco por todo o país, impedindo que 90% do que é
recolhido acabe em aterros". Após a receção dos artigos, estes são
separados consoante as suas características e qualidade, podendo ser
encaminhados para os parceiros sociais da empresa, para reutilização (uma parte
é exportada), para reciclagem (30%) ou para o aterro.
Falta sensibilização dos mais jovens
Carmen Lima, da Quercus, diz que "o que vai parar aos
aterros em Portugal ainda tem alguma expressão". Não há dados
centralizados sobre a quantidade recolhida nos contentores para reutilização -
"e que devia estar quantificada" -, mas acredita que será
"francamente superior ao que vai parar ao aterro". Quando chega lá,
geralmente encontra-se em mau estado. "Mas não sabemos se chegou assim ao
lixo ou se ficou danificada durante o processo."
Neste assunto, não há ainda muitas pessoas que tenham noção
do que estão a fazer quando estão a deitar fora uma peça de roupa. "Há um
núcleo de consumidores de fast fashion que usam a roupa uma ou duas vezes e não
têm a preocupação de a passar para as organizações. Sobretudo nas gerações mais
novas, não há tendência para entregar a roupa às organizações de solidariedade
social", critica Carmen Lima, destacando que, quando não há contentores
nas proximidades, há "uma franja da população" que não os procura
quando se quer desfazer da roupa.
É preciso educar a sociedade para o destino que dá aos
produtos usados. Sobretudo roupa em bom estado. Deve ser reutilizada.
Seria importante fazer recolha seletiva de roupa em
Portugal? "Era importante, mas isso não implica mais um contentor."
Na opinião de Carmen Lima, era preferível "promover uma rede, talvez com
uma entidade gestora, que organizasse o processo de recolha", nomeadamente
com mais contentores nas proximidades das pessoas. E, sublinha, que cada loja
"pagasse uma ecotaxa por produto, pelo seu impacto ambiental
associado".
Na opinião de Carmen Lima, a sociedade "está mais
atenta às questões sociais" associadas ao fabrico da roupa, mas nem tanto
ao impacto ambiental que este setor tem. "A moda é feita de tendências, o
que faz que as pessoas tenham uma necessidade constante de comprar. É feita de
roupa barata, com pouca qualidade, fibras sintéticas e pouco controlo sobre as
condições ambientais e de trabalho." Por isso, prossegue, é preciso educar
a sociedade para a compra e o destino que dá aos produtos usados. "Quando
nos tentamos ver livres da roupa em bom estado, devemos encaminhá-la para ser
reutilizada ou reciclada."
Sasia recicla 900 toneladas por mês
Em Vila Nova de Famalicão, a Sasia recicla "todo o tipo
de resíduos têxteis e de diferentes composições: algodão, poliéster, lã, linho,
viscose, acrílico, entre outros". Miguel Silva, administrador, explica que
"a grande maioria dos resíduos são provenientes da indústria têxtil
(confeção, fiação, tecelagem, etc.)", tanto nacional como internacional.
Por mês, a Sasia recicla cerca de 900 toneladas de tecidos.
Em funcionamento há 67 anos, a empresa trabalha "no
sentido de criar um sistema circular que permita recuperar resíduos das suas
produções, dando-lhes assim um novo destino". Com "processos
tecnológicos automatizados", Miguel Silva conta que a empresa transforma
os resíduos "em ramas destinadas a segmentos de mercado muito diferentes:
indústria automóvel, hidrófila, colchoaria, fiação, geotêxtil e horticultura,
entre outras".
Para Paulo Vaz, diretor-geral da Associação Têxtil e
Vestuário de Portugal, o futuro da indústria têxtil passa "pela economia
circular e pela sustentabilidade", nomeadamente com o desenvolvimento
"de tecnologias evoluídas e economicamente sustentáveis, que permitam
transformar os resíduos em matéria-prima". Atendendo ao facto de Portugal
ter de importar praticamente todas as matérias-primas, um grande passo seria a
criação destas através dos resíduos. Hoje, frisa, já há muitas empresas que
usam materiais reciclados na confeção do seu vestuário.
Marcas atentas às preocupações dos consumidores
Nos últimos anos, várias empresas deram passos em frente
rumo a um futuro mais sustentável. Assistiu-se à criação de vários conceitos
amigos do ambiente, nomeadamente dentro da moda ecovegan, mas também a
iniciativas com vista à redução da pegada ecológica do setor. A H&M, por
exemplo, diz que 57% dos materiais usados pelo grupo são atualmente "reciclados
ou de origem sustentável". Desde que lançou a sua iniciativa de reciclagem
de têxteis, em 2013, a H&M reciclou 25 mil toneladas de roupa doada pelos
seus clientes em todo o mundo, o equivalente a 125 milhões de T-shirts. Nas
lojas da marca, os clientes recebem vouchers por cada saco de roupa usada que
entregam: "Todos os têxteis são bem-vindos - qualquer marca, qualquer
estado -, até meias sem par, T-shirts gastas e lençóis antigos."
Desde 2013, a H
Mais tarde, em 2016, foi a vez de a Zara apostar na
reciclagem de roupa: "Traga a roupa que não usa e dê-lhe uma nova
vida." Atualmente, a marca do grupo Inditex tem pontos de recolha em
algumas lojas, mas pretende vir a estender o serviço a toda a sua rede. De
acordo com a informação disponível no site, as peças recolhidas serão
"doadas, recicladas, transformadas em novos tecidos ou comercializadas de
forma a permitir o financiamento" de várias organizações sem fins
lucrativos, como a Cáritas ou a Cruz Vermelha.
Atenta à preocupação dos consumidores com a sustentabilidade
dos produtos que adquirem, a C&A também tem vindo a desenvolver várias
ações e produtos, que procuram diminuir o seu impacto ambiental. Uma estratégia
que passa, por exemplo, pela aposta em algodão biológico ou pela utilização de
materiais reciclados.
Preocupação vs. marketing
E quando são as marcas a pedir que os consumidores comprem
menos? Foi o que fez a Adolfo Dominguez, em março, ao lançar a campanha
"Pensa. Depois compra". Ao DN, os responsáveis pela marca espanhola
explicam que "o objetivo da campanha é convidar os consumidores a refletir
sobre um modelo de consumo mais responsável, sobre a valorização da qualidade e
da durabilidade das peças".
Segundo a marca, cada espanhol compra, em média, 34 peças de
roupa por ano. "Mas a questão não é só o número de peças. Há pessoas que
compram uma camisola para usar e tirar, e isso não é o normal. O normal é ter
uma peça que possa durar dez anos no armário", refere a marca, numa
resposta escrita enviada ao DN. Numa era em que "o que importa é o último,
o novo, o que acabou de sair", a Adolfo Dominguez - marca de autor - quer
ter uma visão alternativa, apelando também aos consumidores que "sejam
mais velhos". Porque isso é "escolher melhor" e, assim,
"ser mais sustentável".
Há pessoas que compram uma camisola para usar e tirar, e
isso não é o normal. O normal é ter uma peça que possa durar dez anos no
armário.
Para Mafalda Ferreira, professora no IPAM - Instituto
Português de Administração e Marketing, este tipo de estratégias
"pretendem ir ao encontro dos valores emergentes em termos de
consumo". Atualmente, a especialista em consumo diz que há dois eixos que
os consumidores valorizam: a transparência e a responsabilidade. "As
marcas assumem que poluem, que este não é o mundo ideal, mas que têm
problemas", afirma.
Ao lançar uma campanha que apela a um consumo mais
consciente, Mafalda Ferreira considera que a Adolfo Dominguez quer
"posicionar-se, fazer frente à fast fashion, que tem preços mais baratos,
menor qualidade, que contribui ainda mais para todos os impactos que a
indústria já tem". Este é, segundo a docente, um movimento global, que
atinge as várias áreas. "O apelo à sustentabilidade é um caminho para as
marcas se diferenciarem das suas concorrentes, valorizando aquilo que vai sendo
gradualmente mais importante para os seus consumidores." É
"claramente uma estratégia".
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