Comissão Europeia questiona borlas no Castelo de São Jorge
aos domingos e feriados para residentes em Portugal
Samuel Alemão
Texto
8 Abril, 2019
Desde o Verão de 2017 que o Monumento Nacional tem acesso
gratuito, aos domingos e feriados, para todos os residentes no país. Uma
iniciativa do PCP, aprovada por unanimidade pela vereação da Câmara de Lisboa,
mas que não terá sido do agrado das autoridades de Bruxelas. Em causa estará a
diferença de tratamento entre cidadãos do espaço comunitário. Depois de um
primeiro questionamento informal, em Abril do ano passado, a Comissão Europeia
terá voltado recentemente a abordar a autarquia da capital sobre a matéria. Por
isso, o vereador e eurodeputado João Ferreira perguntou, na semana passada, à
comissão, se o que está em causa é uma “interferência” numa matéria que
considera como de exclusiva competência nacional. Caso se tal se confirmasse,
diz Ferreira, “a CML tem ao seu dispor todos os instrumentos para contrariar
essa decisão e salvaguardar a manutenção da decisão”.
Trata-se de uma conquista relativamente recente, mas poderá
ser revertida em breve. Isto se a Câmara Municipal de Lisboa (CML) não
conseguir convencer as autoridades de Bruxelas sobre a bondade das suas razões.
Em Agosto de 2017, a autarquia da capital decidiu deixar de cobrar a entrada no
Castelo de São Jorge, bem como noutros equipamentos culturais geridos pelo
município, a todos os residentes no território nacional, aos domingos e aos
feriados de manhã. Agora, passado mais de ano meio sobre a adopção de tal
prática, chegou à câmara um pedido de esclarecimentos, relativo apenas ao
acesso ao castelo, por parte da Unidade de Modernização do Mercado Único, da
Direcção-Geral do Mercado Interno, da Indústria, do Empreendedorismo e das PME,
da Comissão Europeia. Isto já depois de o primeiro questionamento ter
acontecido, se bem que informalmente, em Abril de 2018.
O PCP, partido que originalmente
havia feito aprovar a medida em reunião de vereação, já depois de ter feito o
mesmo na Assembleia da República relativamente aos Monumentos Nacionais, veio
agora denunciar o que considera ser uma ingerência da comissão numa medida que
considera de exclusiva responsabilidade nacional. Numa questão enviada, na
semana passada, àquela instância, o eurodeputado e vereador na câmara da
capital João Ferreira quer saber se a curiosidade de Bruxelas sobre a matéria
se trata de uma “interferência” em matéria de soberania nacional. E diz a O
Corvo que, acaso a autarquia seja formalmente notificada para reverter a
medida, “a CML tem ao seu dispor todos os instrumentos para contrariar essa
decisão e salvaguardar a manutenção da decisão tomada”.
O acesso pago ao Castelo de São Jorge começou no dia 1 de
Novembro de 2004, quando a Empresa municipal de Gestão de Equipamentos e
Animação Cultural (EGEAC) passou a cobrar três euros a todos os que não fossem
residentes em Lisboa, mas também a menores de 10 anos e a maiores de 65 anos. A
medida, destinada a ajudar a financiar a manutenção de uma construção visitada
na altura por um milhão de pessoas por ano, foi muito contestada por impor uma
discriminação entre cidadãos nacionais – os que vivem na capital e os outros.
Tal quadro foi alterado no verão de 2017, quando a vereação aprovou uma moção
do PCP visando a tomada de medidas necessárias “para clarificar e divulgar
junto do grande público em geral a gratuidade das entradas ao domingo e
feriados no Castelo de São Jorge e restantes equipamentos culturais
municipais”.
A proposta comunista votada por todos os vereadores, a 28 de
Julho desse ano, dava continuidade à alteração ao Orçamento de Estado de 2017,
aprovada no parlamento, no início desse mês, segundo a qual passou a ser
gratuita a entrada em museus e monumentos nacionais, até às 14h de domingos e
feriados, para todos os cidadãos residentes em território nacional. Tal faz com
que, desde então, todos os residentes em território nacional, excluindo Lisboa,
que não queiram gastar 10 euros – valor cobrado pela EGEAC desde 1 de Janeiro
deste ano – tenham que realizar as visitas ao Castelo nas manhãs desses dias
(das 10h às 14h). A “benesse” não inclui, porém, os estrangeiros ou os
portugueses que vivam fora de Portugal.
A Comissão Europeia (CE) vem agora, através da Unidade de
Modernização do Mercado Único, da Direcção-Geral do Mercado Interno, da
Indústria, do Empreendedorismo e das PME, questionar a Câmara de Lisboa sobre
esta discriminação entre cidadãos da União Europeia. Um interesse que é,
todavia, visto de outra forma pelo vereador e eurodeputado comunista João
Ferreira. Nesta última condição, enviou, na semana passada (quarta-feira, 3 de
Abril), uma pergunta à comissão, questionando-a se essa diligência “visou
interferir com a política de acesso a este Monumento Nacional”.
Nos considerandos da
pergunta, João Ferreira qualifica de “inusitado” o procedimento das entidades
europeias. O eurodeputado lembra que está em causa um “Monumento Nacional,
parte integrante do património e da História de Portugal, facto de que decorrem
óbvias responsabilidades do Estado Português na sua conservação, manutenção,
valorização cultural e promoção do acesso à população (…) sem que se vislumbre
qualquer justificação para intervenção de uma ‘Unidade de Modernização do
Mercado Único’ neste processo”.
Nesse considerando,
João Ferreira faz notar à comissão que “em última instância, os impostos- cuja
criação, em Portugal, é uma prerrogativa exclusiva do Estado Central – pagos
por cidadãos residentes em território nacional financiam o exercício das
referidas responsabilidades”. E lembra “que a Lei do Orçamento de Estado prevê
entradas gratuitas aos domingos e feriados em todos os museus e monumentos sob
alçada do Estado”.
Argumentos que o
eurodeputado e vereador do PCP repete, quando questionado por O Corvo – a quem
explica que, daquilo que é do conhecimento do partido, “o primeiro
questionamento, informal, ocorreu em Abril de 2018”. João Ferreira diz não ter
dúvidas que, acaso venha a ocorrer alguma notificação da comissão para se
reverter a decisão de Julho de 2017, “a CML tem ao seu dispor todos os
instrumentos para contrariar essa decisão e salvaguardar a manutenção da
decisão tomada de garantir a gratuitidade de acesso ao Castelo de São Jorge,
aos domingos e feriados, nos termos previstos na Lei do Orçamento de Estado,
também por proposta do PCP, para todos os museus e monumentos sob alçada do
Estado”.
O Corvo questionou a
Câmara de Lisboa sobre esta matéria, mas não recebeu resposta até ao momento da
publicação deste artigo.
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