Cidadãos apresentam queixa contra Geco para combaterem
“impunidade” dos tags e graffiti ilegais em Lisboa
Samuel Alemão
Texto
24 Abril, 2019
Cansados do que consideram ser a permissividade e a
ineficácia das autoridades para com o “lixo gráfico” nas paredes da capital, o
colectivo Vizinhos em Lisboa apresentou uma participação contra o tagger. A
queixa, só agora revelada, avançou em Outubro de 2018, na sequência da
entrevista dada a O Corvo pelo artista italiano que tem feito da inscrição
maciça do seu nome em todas as paredes, através de tags, graffiti e
autocolantes, uma peculiar forma de expressão visual. O processo de investigação,
liderada pela PSP, é uma forma de chamar a atenção para esta realidade e
colocar pressão sobre as autoridades para que tomem medidas, assume Rui
Martins, dos Vizinhos do Areeiro. “Em vez de terem uma postura de mera reacção
ao fenómeno, deviam agir de forma clara”, diz, sugerindo que se adopte uma
postura de limpar os tags e graffiti “o mais depressa possível”. Evitar-se-ia
assim a propagação das áreas vandalizadas.
O colectivo de agrupamentos de cidadãos Vizinhos em Lisboa,
com núcleos nas freguesias do Areeiro, das Avenidas Novas, de Arroios e de
Alcântara, apresentou uma participação judicial contra o tagger e graffiter
Geco pela proeminência da sua marca nas paredes da capital. O alter-ego do
jovem artista italiano tornou-se ubíquo no espaço público da maior cidade
portuguesa e na sua periferia, dada a acção maciça dele e dos que por ele têm
actuado, colocando tags e autocolantes com a sua marca no maior número possível
de sítios. “O objectivo é estar em tantos lugares que seja impossível não se
lembrarem do meu nome”, assumia o próprio, em Agosto do ano passado, em
entrevista exclusiva a O Corvo, na qual explicava as suas motivações.
Declarações que causaram grande polémica e levaram o Vizinhos em Lisboa a
avançarem com uma queixa às autoridades policiais contra Geco, assume agora Rui
Martins, dirigente dos Vizinhos Areeiro, o mais activo dos núcleos. “Chamou,
certamente, a atenção”, admite.
Mais que uma perseguição a este indivíduo em particular, a
acção judicial, cuja existência apenas neste momento é revelada, visa servir
como um “contributo para a intensificação do combate a esta forma de lixo
gráfico”, diz a associação que junta os diversos grupos de Vizinhos. “A Câmara
de Lisboa tem adoptado uma postura de reacção em relação a este problema, em
vez de assumir uma atitude mais activa”, considera Rui Martins, para quem tal
tem contribuído para criar um clima de permissividade para com o fenómeno.
“Ainda há dois dias, a câmara limpou diligentemente as paredes e muros da
Avenida Gago Coutinho, mas já começam a aparecer tags num dos sítios que havia
sido alvo da intervenção. E isso tem muito que ver com abordagem que existe em
relação ao problema, que se baseia sobretudo numa intervenção geográfica, por
zonas”, critica o dirigente associativo, propondo uma metodologia distinta,
assente na rapidez com que se limpa um tag ou graffiti. “Quanto mais tempo fica
um tag ou graffiti, pior”, diz.
Por isso, na nota que se preparam agora para tornar pública
– e na qual revelam ter feito a denúncia contra Geco, em Outubro de 2018 -, os
Vizinhos em Lisboa apelam à autarquia da capital para que mude a sua forma de
actuação. “É preciso que a CML comece a utilizar, de forma permanente e diária,
os seus meios, designadamente os dos serviços de limpeza e da Polícia
Municipal, para começar a construir uma base de dados destes grafitos, por
forma a poder alargar cada contra-ordenação ou condenação por crime de dano a
todos os ‘tags’ assinados pelo mesmo indivíduo e que inclua um custo estimado
de cada limpeza”, propõe o colectivo cívico. Mais, pedem mesmo à edilidade lisboeta
que garanta uma “resposta em 24 horas” nas zonas consideradas prioritárias,
sobretudo monumentos e perto de escolas, removendo todos os grafitos ilegais
inventariados “num prazo nunca superior a 10 dias úteis”. Tal, consideram,
“desincentivará novos grafitos ilegais”.
Citando a lei de 2013 que enquadra os danos causados por
“grafitos, afixações, picotagem e outras formas de alteração”, a nota do
Vizinhos em Lisboa salienta o facto de que, apesar dessas acções serem
passíveis de contra-ordenação, as mesmas “têm tido por parte das autarquias
portuguesas uma atitude meramente reactiva”. Para além das acções de limpeza
custeadas pelo erário público – com Lisboa a prever gastar 4,7 milhões de
euros, em três anos, através de contratos com empresas especializadas -, sobram
a “centena de contra-ordenações de resultado incerto” levantadas pela PSP e as
“menos de uma dezena de condenações por ano” saídas dos tribunais. Tudo isto,
consideram, ajuda a criar um clima geral de “impunidade” para com os autores
dos graffiti e tags. O movimento de cidadãos pede, por isso, uma mudança clara
na forma de actuação das autoridades, pedindo mão pesada para os incumpridores,
agindo “de forma sistemática e consequente contra estes indivíduos que infestam
a nossa cidade de lixo gráfico e que provocam este desperdício de fundos
públicos e provados”.
Numa contagem feita recentemente pelo colectivo cívico, na
zona do Areeiro, foram identificados cerca de 1200 ‘tags’ em 292 edifícios,
“produzidos por, aparentemente, cerca de 500 indivíduos diferentes, agrupados
por ‘tropas’ ou agindo de forma isolada”. Indignado com tal cenário, e com o
que considera a tibieza da actuação das autoridades, o movimento de cidadãos
“de causas locais e cidadania activa” decidiu assumir como sua esta causa e
apresentar, em Outubro de 2018, “uma denúncia contra um dos taggers mais
activos e mediáticos de Lisboa”. O Vizinhos em Lisboa requereu ainda a sua
constituição como assistente do processo, “que está, tanto quanto é possível
saber, na divisão de investigação da PSP”. O colectivo informa ainda que tem já
em preparação outras iniciativas “a propósito do combate contra fenómeno do lixo gráfico ou ‘tag’ em Lisboa”.
Questionado sobre a natureza das mesmas, Rui Martins diz que serão conhecidas a
seu tempo.
A denúncia
apresentada pelos Vizinhos em Lisboa utiliza como matéria indiciária a referida
entrevista de Geco a O Corvo, publicada no verão do ano passado. Nela, o
artista gráfico de 27 anos, originário de Roma, professa a sua paixão pela
capital portuguesa e dá conta das motivações por detrás da sua forma de
expressão, assumindo a ilegalidade da mesma. “Quero espalhar o meu nome mais do
que ter uma estética super desenvolvida. Os dois podem e devem ser
complementares, mas o primeiro objectivo do bomber é a quantidade, a qualidade
vem depois. A cidade não influencia o meu estilo mas o meu método e abordagem.
Acho que em Lisboa tenho uma abordagem ao graffiti mais natural porque sinto
menor proibição”, afirmava o activista urbano, numa entrevista em que assumia,
porém, a actuação à margem da lei como algo natural. “É perfeitamente justo não
gostar de graffiti, mas as pessoas deveriam ter mais espírito crítico e
perceber que o graffiti não é o verdadeiro problema. São muitas as maneiras
pelas quais somos agredidos visualmente e apontar o graffiti como poluição
visual é estúpido”, dizia.
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