A ascensão e queda de Joe Berardo, o empresário pop
De quinto homem mais rico de Portugal, o empresário
madeirense está em risco de ser alvo de uma execução por dívidas à banca.
Elisabete Tavares
09 Abril 2019 — 06:27
Os bancos propuseram executar a Coleção Berardo de arte a
par de um perdão de grande parte da dívida do empresário. O empresário
recusou.© Carlos Manuel Martins/Global Imagens
Empresário, feito comendador, colecionador de arte notável
-- tendo inclusivamente trazido para o país a mais importante coleção de Arte
Moderna alguma vez vista em Portugal, desde 2007 no Museu a que deu o nome, no
CCB --, o madeirense ex-emigrado na África do Sul chegou a estar entre os mais
ricos do país. Agora, a história é bem diferente.
Aquele que foi um investidor de relevo na bolsa portuguesa,
em 2007, e que chegou a ser o quinto homem mais rico do país, com uma fortuna
avaliada em 890 milhões de euros, segundo a revista Exame -- só no BCP, era
dono de uma posição de 7% do banco, tentou comprar a SAD do Benfica e o seu
papel foi importante para o desfecho de diversas operações, nomeadamente as
relativas ao controlo do BCP e da Portugal Telecom --, hoje, aos 75 anos, está
em apuros. Deve quase mil milhões de euros a três grandes bancos portugueses.
BCP, Caixa Geral de Depósitos (CGD) e Novo Banco estão a pagar caro por terem
concedido créditos ao empresário sem acautelar as devidas garantias. Os três
bancos tentam agora, confirmou o DN/Dinheiro Vivo, executar o antigo investidor
e especulador da bolsa.
"A execução de bens não será fácil", disse fonte
próxima de um dos bancos. O gestor tem entre os seus negócios a Quinta da
Bacalhôa, a Fundação Berardo e a Metalgest. Estes negócios podem vir a servir
para pagar os créditos do empresário. No caso da Coleção Berardo - que está
instalada no Centro Cultural de Belém -, levanta muitas dúvidas sobre se pode
ser executada. A coleção de arte foi dada como garantia aos três bancos.
Um império de Joanesburgo à arte
Nascido José Manuel Rodrigues Berardo no Funchal, em 1944, e
tendo começado a trabalhar antes dos 14 anos na Madeira Wine Company, emigrou
acabado de atingir a maioridade, como tantos outros madeirenses, para
Joanesburgo -- onde viria a conhecer Horácio Roque, de quem ficou amigo e sócio
no Siet Savoy, com três hotéis na Madeira, e na Empresa Madeirense de Tabacos.
Foi por lá que ganhou o nome que o faria famoso, Joe, logo nos primeiros anos,
quando começou por trabalhar "numa loja de produtos agrícolas da qual
viria a tornar-se sócio", conforme o próprio conta na apresentação que se
faz na página do Museu Berardo.
Se o trabalho que o pôs na rota do setor mineiro --
"antecipando a subida do preço do ouro, Berardo dedica-se à reciclagem dos
desperdícios, reiniciando a exploração das minas desativadas que entretanto
havia adquirido" e em poucos anos assumia a liderança como dono de
"várias refinarias em minas de ouro e de diamantes, alargando os seus
negócios ao mercado bancário e ao mercado bolsista", conforme se relata
naquela página -- lhe deu bagagem financeira para expandir os negócios, a sua
paixão sempre foi outra. Colecionador apaixonado, Berardo não descansaria
enquanto das primeiras coleções de selos, postais e caixas de fósforos não
fizesse nascer uma coleção de arte digna desse nome.
Antes disso, porém, alargaria os seus negócios o mármore e
ao granito, ao petróleo, às telecomunicações, ao material informático... até
ser nomeado, "na década de 1980, presidente do Bank of Lisbon",
relata a mesma fonte, recordando ainda a sua passagem, já no final dessa
década, pelo Canadá e Austrália, antes do regresso a Portugal, já com honras de
distinto empresário comprovadas em 1985 com a atribuição do grau de Comendador
da Ordem do Infante D. Henrique, pelo então Presidente Ramalho Eanes (secundada
pela Grã Cruz da mesma Ordem, uma década mais tarde).
Por cá, tornar-se no "senhor Gulbenkian do século
XXI" era o objetivo, traçado já nos anos 1990 por Francisco Capelo, que
tomou por missão ajudar Berardo a transformar e dar sentido e unidade ao seu espólio.
E foi percorrendo essa estrada que Joe conseguiu que a sua coleção se tornasse
numa referência mundial -- segundo o Independent e vários críticos de arte
mundialmente conceituados, numa "das melhores coleções privadas da Europa,
superior à de Guggenheim".
Além do Museu de Arte Moderna por si inaugurado em 1997,
tendo posteriormente conseguido chegar a acordo com o governo para a instalação
da sua coleção no Centro Cultural de Belém -- o Museu Berardo de Arte Moderna e
Contemporânea, inaugurado em 2007 --, reúne obras de incrível valor e que já
foram integradas em exposições dos mais importantes museus do mundo, incluindo
o Centro Georges Pompidou, em Paris, a Tate Gallery, em Londres, o MoMA e o
Guggenheim Museum, em Nova Iorque, e o Museu Rainha Sofia, em Madrid.
Casado e com dois filhos, Joe Berardo deu ainda vida a uma
outra paixão, os vinhos, através da Quinta da Bacalhôa, em Azeitão --
propriedade da Fundação Berardo.
Ator em guerras de poder
Se os negócios de Berardo começaram na África do Sul, em
Portugal, o comendador investiria em diferentes áreas, do tabaco à banca e aos
vinhos. Os seus investimentos têm sido feitos através da Fundação Berardo e da
Metalgest.
Investidor e especulador em bolsa, entrou na Cimpor e na
Teixeira Duarte, tendo sido um ator decisivo na guerra de poder no BCP e também
na oferta pública de aquisição (OPA) falhada da Sonae sobre a Portugal Telecom.
E nessa altura tinha mesmo presença assídua nos media.
No caso do BCP, o empresário madeirense ficou do lado dos
grandes acionistas, incluindo Manuel Fino e Teixeira Duarte, na guerra contra
Jorge Jardim Gonçalves, que liderava o banco.
BES (atual Novo Banco), CGD e BCP ajudaram Berardo a comprar
ações do BCP, financiando o empresário. "Os bancos é que vieram
oferecer-me crédito para comprar ações", garantiu, numa entrevista ao DE
em 2011. E quando as ações do BCP afundaram em bolsa -- fazendo a sua fortuna
perder um terço do valor em apenas alguns meses --, Berardo deu como garantia a
sua coleção de arte. Mas a garantia foi dada através da Associação Coleção
Berardo, conforme conta o Correio da Manhã, pelo que, juridicamente, há
diferentes interpretações sobre as obras de arte poderem ser alvo de execução.
A Coleção Berardo foi avaliada pela leiloeira Christie's em 2006 num valor que
ascende a 316 milhões de euros.
No caso da Portugal Telecom, Berardo acabaria por ficar
contra a Sonae na OPA, que foi chumbada numa assembleia geral da PT em março de
2007. Nesse mesmo ano, a PT Multimédia comprou os negócios de TV por cabo de
Berardo por 65 milhões de euros. De resto, o BES, a CGD e o BCP financiaram
vários dos atores principais da OPA sobre a PT, incluindo a Ongoing e Joaquim
Oliveira.
O empresário foi um ator decisivo na guerra de poder no BCP
e também na OPA falhada da Sonae sobre a Portugal Telecom
Esta OPA acabou por chamar a atenção do Ministério Público,
no âmbito da Operação Marquês, que começou a investigar o que levou ao seu
desfecho, noticiou o DN em 2015. Um desfecho para o qual Joe Berardo e os
bancos que o financiaram contribuíram.
O nome de Berardo voltou a estar na agenda mediática numa
altura em que decorre a segunda comissão parlamentar de inquérito à gestão da
CGD. O ex-presidente do conselho fiscal da CGD Eduardo Paz Ferreira afirmou em
audição na comissão que havia um "tratamento especial" dado a alguns
grandes devedores do banco público, incluindo Joe Berardo, que era "o
cliente especial à margem das regras".
Paz Ferreira também disse estar "muito longe de
acreditar que a Coleção (de arte) seja executável" e desejou "boa
sorte" aos bancos sobre a eventual execução de bens do empresário por
parte dos bancos. Segundo o Correio da Manhã, a Direção de Gestão de Risco da
CGD só encontrou uma garagem em nome do empresário madeirense.
O processo conjunto dos três bancos vai avançar depois de
ter falhado uma última tentativa de acordo para a liquidação dos empréstimos,
segundo o mesmo jornal. Os bancos propuseram executar a Coleção Berardo a par
de um perdão de grande parte da dívida do empresário. Berardo recusou.
Os bancos portugueses têm vindo a ser pressionados a cortar
no crédito malparado. O nível de crédito em incumprimento em Portugal ainda é
elevado, apesar de se ter reduzido em 24 600 milhões de euros desde o pico em
2016. Mas os empréstimos "tóxicos" ainda representam 9,4% do crédito
em carteira no sistema bancário português, acima dos 4,5% de média na zona
euro.
O DN/DV contactou o advogado de Joe Berardo, José Luiz
Gomes, mas até à hora de fecho desta edição não obteve resposta.
Com Joana Petiz
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