quarta-feira, 17 de abril de 2019

Portugal, um paraíso fiscal para os reformados estrangeiros / Bruxelas atenta às distorções do eldorado fiscal, Governo avança com revisão das regras


Paraíso Fiscal para 'quem' ? 
Numa altura em se noticia "Vistos Gold" sem fiscalização há cinco anos, e também no que respeita os Residentes Não Habitiais, em que  Bruxelas sustenta que cabe a Portugal assegurar que o regime “não é utilizado de forma abusiva” !?
Moscovici lembra em reacção à carta escrita por Ana Gomes a denunciar o escândalo do regime dos Residentes não habituais, que os governos não podem discriminar cidadãos em função da residência
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OVOODOCORVO

Portugal, um paraíso fiscal para os reformados estrangeiros
07:00 por Maria Espírito Santo
O País oferece-lhes boa vida, casas baratas e segurança. Não param de chegar de toda a Europa.

Já são 9.589 pensionistas a beneficiar de isenção fiscal e que escolheram Portugal para viver a reforma. O bom clima, os produtos frescos, a riqueza cultural e um custo de vida mais baixo são algumas das vantagens.

Criado em 2009 para atrair trabalhadores qualificados e reformados, o o regime fiscal dos Residentes Não Habituais permite àqueles que integram uma lista de profissões, que o País considera de valor acrescentado, pagar apenas 20% de impostos sobre os rendimentos do trabalho (o IRS). Por outro lado, os reformados beneficiam de uma isenção de tributação – que, na prática, permite aos nacionais de países com os quais Portugal tem acordos para evitar a dupla tributação não pagar impostos sobre o rendimento durante uma década.


Bruxelas atenta às distorções do eldorado fiscal, Governo avança com revisão das regras
Governo vai rever regime especial do IRS dos residentes não habituais. Bruxelas avisa que cabe a Portugal evitar abusos.

Pedro Crisóstomo 16 de Abril de 2019, 15:00

Moscovici lembra que os governos não podem discriminar cidadãos em função da residência

A Comissão Europeia reagiu a uma carta da eurodeputada Ana Gomes sobre as desigualdades criadas entre cidadãos pelo regime fiscal português dos Residentes Não Habituais (RNH) garantindo estar a analisar “cuidadosamente” as práticas fiscais agressivas na União Europeia.

A posição pública de Bruxelas acontece numa altura em que o Governo de António Costa se prepara para levar a Conselho de Ministros nas próximas semanas uma alteração a este regime especial de IRS, numa óptica que o ministro das Finanças, Mário Centeno, diz ser a de tornar o regime “mais activo na captação de qualificações”. De acordo com dados conhecidos sobre este regime, os números mostram um falhanço na captação de “cérebros”, com a esmagadora dos beneficiários a usufruírem de uma taxa especial de IRS sem exercerem uma “actividade de valor acrescentado”, ao mesmo tempo em que as regras são questionadas por outros parceiros europeus que olham para este regime como um esquema de concorrência desleal ao permitir que alguns cidadãos europeus fiquem isentos de IRS ou beneficiem de uma taxa mais baixa.

Ao responder a uma missiva enviada em Março por Ana Gomes, o comissário europeu dos assuntos económicos e financeiros, Pierre Moscovici, mostra estar de acordo com alguns pontos levantados pela eurodeputada, que denunciara a existência em Portugal de um “esquema de dumping fiscal” que diz ser uma “grosseira injustiça para com os contribuintes portugueses e uma deslealdade para com outros Estados-Membros da União”.

Em resposta a uma carta enviada em Março pela eurodeputada do PS, comissário europeu dos assuntos económicos e financeiros, Pierre Moscovici concorda com alguns pontos levantados pela eurodeputada, que denunciara à Comissão Europeia a existência em Portugal de um “esquema de dumping fiscal que agrava a iniquidade fiscal e discrimina negativamente contra cidadãos portugueses e europeus” em violação do Tratado de Lisboa e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

O RNH, com 27 mil beneficiários, foi lançado há uma década para atrair “cérebros” e pensionistas estrangeiros, acenando a quem se mudasse para Portugal com um IRS especial — uma taxa de 20% durante dez anos para quem passasse a trabalhar em Portugal numa actividade de “elevado valor acrescentado” ou uma isenção do imposto (IRS de 0%) para os reformados cuja pensão fosse paga pelo Estado de origem.

Olhando para a realidade, o comissário francês concorda que o regime é “menos favorável para as pessoas que já residem em Portugal independentemente da nacionalidade, em comparação com aquelas que se mudam para Portugal”, seja cidadãos estrangeiros ou emigrantes portugueses que regressam ao país.

Embora sublinhe que não cabe à Comissão avaliar se existe um eventual problema de discriminação entre cidadãos à luz da lei portuguesa, Moscovici recorda que os Estados-membros “não podem discriminar, através das suas leis fiscais, em função da nacionalidade ou da residência, contra os cidadãos de qualquer Estado-membro, nem podem aplicar restrições injustificadas ou desproporcionais”. E revela que Bruxelas “está a analisar cuidadosamente as políticas fiscais os Estados-membros no quadro do Semestre Europeu, para assegurar que os regimes fiscais ou as práticas de um país não têm efeitos prejudiciais noutros países da UE”. O Semestre Europeu é um processo em contínuo durante o qual Bruxelas pode propor recomendações específicas aos governos sobre políticas públicas.

Internamente, o Bloco de Esquerda já pediu o fim do regime, cenário que Mário Centeno nunca admitiu. Fora de portas, as regras são motivo de descontentamento e alvo de críticas concretas de outros governos. A Finlândia e a Suécia olham para Portugal como um paraíso fiscal que está a usar as suas regras de IRS para fazer concorrência desleal e os dois países já obrigaram o Governo de Costa a negociar acordos fiscais. E este é um assunto que começa a ganhar lastro em França, o país com mais beneficiários do RNH e onde o assunto já chegou ao debate das europeias (foi uma das questões referidas no site de auscultação dos franceses promovida pelo movimento “Em Marche” pelo Presidente Emmanuel Macron).

Números incertos
Dos 27 mil beneficiários, só pouco mais de dois mil (8%) desenvolvem uma actividade da lista oficial de profissões de elevado valor acrescentado; a larga maioria, 25 mil, surgem nas estatísticas divulgadas pelas Finanças como cidadãos “sem actividade de elevado valor acrescentado”.

Entre os 2140 “cérebros”, quase metade (pouco mais de mil casos) são quadros superiores de empresas. Na lista surgem 384 engenheiros, 170 consultores de programação informática, 80 trabalhadores na área da investigação científica e desenvolvimento, 50 programadores informáticos, 48 professores universitários, 45 consultores fiscais, 42 designers, mais 41 consultores em informática e 24 auditores. No fim da tabela, os beneficiários contam-se pelos dedos das mãos outras actividades de valor acrescentado: em dez anos, o regime captou sete cantores, seis músicos, cinco pintores, quatro psicólogos, dois escultores, um cirurgião, um médico dentista e um pediatra.

Não é claro como é que estes números se compatibilizam com o facto de a AT contabilizar também cerca de 9000 pensionistas. Factos que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, opta por continuar sem esclarecer o PÚBLICO.

O regime exige que os beneficiários tenham morado fora de Portugal nos cinco anos anteriores, mas durante algum tempo Portugal fez um controlo deficiente dos pré-requisitos (agora já verifica se nesses cinco anos um cidadão era ou não titular de um imóvel, mas é uma incógnita quando é que essa fiscalização começou, porque o Governo não o esclarece).

O Governo de Costa já tinha admitido rever o regime, mas o assunto foi sendo adiado e só agora, na recta final da legislatura, está de novo em cima da mesa. Em entrevista à TVI na segunda-feira à noite, ao ser questionado sobre as desigualdades que o regime cria no IRS entre cidadãos europeus, o ministro passou ao lado desse ponto e desviou: “Estamos a revê-lo no sentido de ele ser mais activo na captação de qualificações de que o país precisa para crescer. Se for um regime temporário e de forma contida que permita essa captação, pode ser justificado numa fase precisa, como a que temos hoje, de necessidade de crescer em novas tecnologias, com novas profissões…”. O ministro diz haver um “compromisso europeu para que isso aconteça” e revelou que “daqui a umas semanas” será levada uma proposta à reunião do Conselho de Ministros.

Falsos não residentes
Na carta a Moscovici, Ana Gomes expunha a existência de casos de falsos não residentes, notando que o RNH tem sido uma “oportunidade para a fraude” usada por alguns cidadãos portugueses que, afirma, fingem “não residirem no país durante os tais cinco anos [exigidos para pedir o estatuto], através de complexos esquemas de compras com cartões estrangeiros e contas bancárias noutros países”, ficando a beneficiar durante dez anos de um IRS mais baixo.

Bruxelas sustenta que cabe a Portugal assegurar que o regime “não é utilizado de forma abusiva”. Na carta à eurodeputada, há uma frase com a qual Moscovici parece responder àquela denúncia dos potenciais beneficiários indevidos, quando o comissário afirma que os cidadãos “que já residem em Portugal permanentemente não exerceram as liberdades da União Europeia” de circulação através das fronteiras e que, “portanto, não as podem invocar” para terem o estatuto de RNH.

Outra consideração da eurodeputada tem a ver com as consequências sociais da combinação do RNH com as regras dos vistos gold. “Tal qual como o esquema dos vistos gold, este tipo de programas é responsável pela criação de uma bolha especulativa no sector imobiliário que está a impedir, por exemplo, estudantes de arrendarem casas no centro de Lisboa ou do Porto, inflacionando os preços do imobiliário para máximos nunca antes vistos”.

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