Paraíso Fiscal para 'quem' ?
Numa altura em se noticia "Vistos Gold" sem
fiscalização há cinco anos, e também no que respeita os Residentes Não
Habitiais, em que Bruxelas sustenta que
cabe a Portugal assegurar que o regime “não é utilizado de forma abusiva” !?
Moscovici lembra em reacção à carta escrita por Ana Gomes a
denunciar o escândalo do regime dos Residentes não habituais, que os governos
não podem discriminar cidadãos em função da residência
Ler artigo em baixo "Bruxelas atenta às distorções do eldorado fiscal, Governo avança com revisão das regras"
Ler artigo em baixo "Bruxelas atenta às distorções do eldorado fiscal, Governo avança com revisão das regras"
OVOODOCORVO
Portugal, um paraíso fiscal para os reformados estrangeiros
07:00 por Maria Espírito Santo
O País oferece-lhes boa vida, casas baratas e segurança. Não
param de chegar de toda a Europa.
Já são 9.589 pensionistas a beneficiar de isenção fiscal e
que escolheram Portugal para viver a reforma. O bom clima, os produtos frescos,
a riqueza cultural e um custo de vida mais baixo são algumas das vantagens.
Criado em 2009 para atrair trabalhadores qualificados e
reformados, o o regime fiscal dos Residentes Não Habituais permite àqueles que
integram uma lista de profissões, que o País considera de valor acrescentado,
pagar apenas 20% de impostos sobre os rendimentos do trabalho (o IRS). Por
outro lado, os reformados beneficiam de uma isenção de tributação – que, na
prática, permite aos nacionais de países com os quais Portugal tem acordos para
evitar a dupla tributação não pagar impostos sobre o rendimento durante uma
década.
Bruxelas atenta às distorções do eldorado fiscal, Governo
avança com revisão das regras
Governo vai rever regime especial do IRS dos residentes não
habituais. Bruxelas avisa que cabe a Portugal evitar abusos.
Pedro Crisóstomo 16 de Abril de 2019, 15:00
Moscovici lembra que os governos não podem discriminar
cidadãos em função da residência
A Comissão Europeia reagiu a uma carta da eurodeputada Ana
Gomes sobre as desigualdades criadas entre cidadãos pelo regime fiscal
português dos Residentes Não Habituais (RNH) garantindo estar a analisar
“cuidadosamente” as práticas fiscais agressivas na União Europeia.
A posição pública de Bruxelas acontece numa altura em que o
Governo de António Costa se prepara para levar a Conselho de Ministros nas
próximas semanas uma alteração a este regime especial de IRS, numa óptica que o
ministro das Finanças, Mário Centeno, diz ser a de tornar o regime “mais activo
na captação de qualificações”. De acordo com dados conhecidos sobre este
regime, os números mostram um falhanço na captação de “cérebros”, com a
esmagadora dos beneficiários a usufruírem de uma taxa especial de IRS sem
exercerem uma “actividade de valor acrescentado”, ao mesmo tempo em que as
regras são questionadas por outros parceiros europeus que olham para este
regime como um esquema de concorrência desleal ao permitir que alguns cidadãos
europeus fiquem isentos de IRS ou beneficiem de uma taxa mais baixa.
Ao responder a uma missiva enviada em Março por Ana Gomes, o
comissário europeu dos assuntos económicos e financeiros, Pierre Moscovici,
mostra estar de acordo com alguns pontos levantados pela eurodeputada, que
denunciara a existência em Portugal de um “esquema de dumping fiscal” que diz
ser uma “grosseira injustiça para com os contribuintes portugueses e uma
deslealdade para com outros Estados-Membros da União”.
Em resposta a uma carta enviada em Março pela eurodeputada
do PS, comissário europeu dos assuntos económicos e financeiros, Pierre
Moscovici concorda com alguns pontos levantados pela eurodeputada, que
denunciara à Comissão Europeia a existência em Portugal de um “esquema de
dumping fiscal que agrava a iniquidade fiscal e discrimina negativamente contra
cidadãos portugueses e europeus” em violação do Tratado de Lisboa e da Carta
dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
O RNH, com 27 mil beneficiários, foi lançado há uma década
para atrair “cérebros” e pensionistas estrangeiros, acenando a quem se mudasse
para Portugal com um IRS especial — uma taxa de 20% durante dez anos para quem
passasse a trabalhar em Portugal numa actividade de “elevado valor acrescentado”
ou uma isenção do imposto (IRS de 0%) para os reformados cuja pensão fosse paga
pelo Estado de origem.
Olhando para a realidade, o comissário francês concorda que
o regime é “menos favorável para as pessoas que já residem em Portugal
independentemente da nacionalidade, em comparação com aquelas que se mudam para
Portugal”, seja cidadãos estrangeiros ou emigrantes portugueses que regressam
ao país.
Embora sublinhe que não cabe à Comissão avaliar se existe um
eventual problema de discriminação entre cidadãos à luz da lei portuguesa,
Moscovici recorda que os Estados-membros “não podem discriminar, através das
suas leis fiscais, em função da nacionalidade ou da residência, contra os
cidadãos de qualquer Estado-membro, nem podem aplicar restrições injustificadas
ou desproporcionais”. E revela que Bruxelas “está a analisar cuidadosamente as
políticas fiscais os Estados-membros no quadro do Semestre Europeu, para
assegurar que os regimes fiscais ou as práticas de um país não têm efeitos
prejudiciais noutros países da UE”. O Semestre Europeu é um processo em
contínuo durante o qual Bruxelas pode propor recomendações específicas aos
governos sobre políticas públicas.
Internamente, o Bloco de Esquerda já pediu o fim do regime,
cenário que Mário Centeno nunca admitiu. Fora de portas, as regras são motivo
de descontentamento e alvo de críticas concretas de outros governos. A
Finlândia e a Suécia olham para Portugal como um paraíso fiscal que está a usar
as suas regras de IRS para fazer concorrência desleal e os dois países já
obrigaram o Governo de Costa a negociar acordos fiscais. E este é um assunto
que começa a ganhar lastro em França, o país com mais beneficiários do RNH e
onde o assunto já chegou ao debate das europeias (foi uma das questões
referidas no site de auscultação dos franceses promovida pelo movimento “Em
Marche” pelo Presidente Emmanuel Macron).
Números incertos
Dos 27 mil beneficiários, só pouco mais de dois mil (8%)
desenvolvem uma actividade da lista oficial de profissões de elevado valor
acrescentado; a larga maioria, 25 mil, surgem nas estatísticas divulgadas pelas
Finanças como cidadãos “sem actividade de elevado valor acrescentado”.
Entre os 2140 “cérebros”, quase metade (pouco mais de mil
casos) são quadros superiores de empresas. Na lista surgem 384 engenheiros, 170
consultores de programação informática, 80 trabalhadores na área da
investigação científica e desenvolvimento, 50 programadores informáticos, 48
professores universitários, 45 consultores fiscais, 42 designers, mais 41
consultores em informática e 24 auditores. No fim da tabela, os beneficiários
contam-se pelos dedos das mãos outras actividades de valor acrescentado: em dez
anos, o regime captou sete cantores, seis músicos, cinco pintores, quatro
psicólogos, dois escultores, um cirurgião, um médico dentista e um pediatra.
Não é claro como é que estes números se compatibilizam com o
facto de a AT contabilizar também cerca de 9000 pensionistas. Factos que o
secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, opta por
continuar sem esclarecer o PÚBLICO.
O regime exige que os beneficiários tenham morado fora de
Portugal nos cinco anos anteriores, mas durante algum tempo Portugal fez um
controlo deficiente dos pré-requisitos (agora já verifica se nesses cinco anos
um cidadão era ou não titular de um imóvel, mas é uma incógnita quando é que
essa fiscalização começou, porque o Governo não o esclarece).
O Governo de Costa já tinha admitido rever o regime, mas o
assunto foi sendo adiado e só agora, na recta final da legislatura, está de
novo em cima da mesa. Em entrevista à TVI na segunda-feira à noite, ao ser
questionado sobre as desigualdades que o regime cria no IRS entre cidadãos
europeus, o ministro passou ao lado desse ponto e desviou: “Estamos a revê-lo
no sentido de ele ser mais activo na captação de qualificações de que o país
precisa para crescer. Se for um regime temporário e de forma contida que
permita essa captação, pode ser justificado numa fase precisa, como a que temos
hoje, de necessidade de crescer em novas tecnologias, com novas profissões…”. O
ministro diz haver um “compromisso europeu para que isso aconteça” e revelou
que “daqui a umas semanas” será levada uma proposta à reunião do Conselho de
Ministros.
Falsos não residentes
Na carta a Moscovici, Ana Gomes expunha a existência de
casos de falsos não residentes, notando que o RNH tem sido uma “oportunidade
para a fraude” usada por alguns cidadãos portugueses que, afirma, fingem “não
residirem no país durante os tais cinco anos [exigidos para pedir o estatuto],
através de complexos esquemas de compras com cartões estrangeiros e contas
bancárias noutros países”, ficando a beneficiar durante dez anos de um IRS mais
baixo.
Bruxelas sustenta que cabe a Portugal assegurar que o regime
“não é utilizado de forma abusiva”. Na carta à eurodeputada, há uma frase com a
qual Moscovici parece responder àquela denúncia dos potenciais beneficiários
indevidos, quando o comissário afirma que os cidadãos “que já residem em
Portugal permanentemente não exerceram as liberdades da União Europeia” de
circulação através das fronteiras e que, “portanto, não as podem invocar” para
terem o estatuto de RNH.
Outra consideração da eurodeputada tem a ver com as
consequências sociais da combinação do RNH com as regras dos vistos gold. “Tal
qual como o esquema dos vistos gold, este tipo de programas é responsável pela
criação de uma bolha especulativa no sector imobiliário que está a impedir, por
exemplo, estudantes de arrendarem casas no centro de Lisboa ou do Porto,
inflacionando os preços do imobiliário para máximos nunca antes vistos”.
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