terça-feira, 9 de abril de 2019

Retirada de cabos das fachadas dos edifícios de Lisboa poderá ser tarefa para demorar muitos anos / Marquises, caixotes de ar condicionado e outras excrescências por António Sérgio Rosa de Carvalho



Retirada de cabos das fachadas dos edifícios de Lisboa poderá ser tarefa para demorar muitos anos
Samuel Alemão
Texto
9 Abril, 2019

Desde 2014 que a câmara municipal promete agir contra um fenómeno que contribui de forma decisiva para a descaracterização arquitectónica da capital. O Regulamento de Infraestruturas no Espaço Público, aprovado em 2015, chegou a apontar 31 de Maio de 2017 como data-limite para a retirada das paredes dos prédios dos molhos de fios das operadoras de comunicações e de energia. Mas poucos notarão alguma diferença no que está a vista. A autarquia admite dificuldades para atacar problema criado durante décadas, mas diz-se comprometida em ir resolvendo o que pode resolver. A começar pelos bairros municipais. Há, porém, quem peça acções mais enérgicas.

As promessas da Câmara Municipal de Lisboa (CML) de adopção de medidas concretas para resolver o problema têm sido, nos últimos anos, quase tão prevalecentes quanto os novelos de fios de operadores de comunicações e energia nas paredes dos prédios da capital. Desde 2014 que a autarquia admite a necessidade de agir para acabar com a profusão desordenada de cabos das empresas fornecedoras desses serviços nas fachadas dos edifícios, fenómeno que contribui de forma decisiva para a sua descaracterização arquitectónica. O surgimento do Regulamento de Infraestruturas no Espaço Público, entrado em vigor em Dezembro de 2015, chegou a criar esperanças em que acreditava que Lisboa podia entrar em sintonia com o padrão da generalidade das cidades da Europa ocidental, pois estabelecia 31 de Maio de 2017 como data-limite para a retirada dos cabos e sua colocação em redes subterrâneas. A CML tem reconhecido lentidão na mudança de cenário, mas assegura que está a agir, concretamente nos bairros municipais. Há, contudo, quem não esteja satisfeito e, nos últimos dias, tenha pedido explicações, como o grupo cívico Vizinhos do Areeiro e os deputados municipais do CDS-PP.

Lembrando o incumprimento da autarquia face ao auto-imposto prazo de 31 de Maio de 2017, os deputados centristas na Assembleia Municipal de Lisboa (AML) apresentam esta terça-feira (9 de Abril) uma recomendação para que, até ao final deste ano, sejam criados planos de acção. A serem elaborados, um deles deverá referir-se à “necessidade de remoção e de eliminação das infraestruturas obsoletas e sem utilização, nomeadamente os designados como ‘cabos mortos’ da rede eléctrica e das redes de comunicações eletrónicas e eventual processo coercivo de retirada destes”. Num segundo nível de intervenção, defende-se o surgimento de “planos especiais” em cada freguesia da Lisboa, com o objectivo de assegurar a passagem para o subsolo de cabos que se encontram nas fachadas dos edifícios, “nomeadamente a da rede eléctrica e das redes de comunicações electrónicas, que representam um risco para a segurança e protecção civil, e prejudicam em geral a estética das edificações e do espaço público, e em especial o património cultural construído”. Nos considerandos da proposta, o CDS-PP recorda que a autarquia tem poder para agir coercivamente nesse sentido.

O executivo camarário foi confrontado com o mesmo assunto, durante a última reunião descentralizada da vereação, ocorrida na semana passada (3 de Abril), por parte do rosto mais visível do movimento cívico Vizinhos do Areeiro. “Certamente, se há um problema, também há uma solução. O que é que a Câmara de Lisboa está a pensar fazer em relação a esta questão?”, perguntou Rui Martins, lembrando que o assunto tem sido recorrentemente por si trazido às reuniões descentralizadas, “mas, basicamente, está quase tudo na mesma”. A tal inquietação, o vereador da Mobilidade, Miguel Gaspar (PS), respondendo em substituição de Manuel Salgado (PS), Urbanismo, assegurou que a autarquia tem agido nesta matéria, sobretudo desde a aprovação do Regulamento de Infraestruturas no Espaço Público. “Há um conjunto de trabalhos que estão a ser feitos neste momento pela CML, não só a nível do reforço das infraestruturas de subsolo, mas também em relação às fachadas dos bairros municipais, onde estamos a retirar as cablagens e a colocá-las onde devem estar, que é no subsolo”.



Nessa intervenção, Miguel Gaspar admitiu a dificuldade de actuação da câmara em relação a uma realidade com uma dimensão tão vasta. “Foram muitos anos a colocar estas infratestruturas nas paredes, nas suas fachadas. Demorará, certamente, algum tempo a retirá-las”, reconheceu. Uma admissão que, no fundo, replicou aquela que Manuel Salgado fizera, há cerca de um ano, numa outra reunião descentralizada de vereação. “Infelizmente, são muitas as operadoras. E, além destas empresas, são ainda muitas as que subcontratam a empreiteiros a colocação de cabos, os quais o fazem aos fins-de-semana e fora de horas. Portanto, é particularmente difícil controlar esta situação”, dizia o autarca, em Março de 2018, quando confrontado com a questão por um munícipe. Ainda assim, prometia na altura que a câmara manteria firme o seu propósito de ajudar a acabar com o fenómeno dos fios pendurados nas paredes dos imóveis da cidade. Para isso, contribuiria a instalação de tubagens no subsolo, em todas as intervenções de reabilitação do espaço público, permitindo assim às operadoras para aí migrarem os cabos existentes nas fachadas.

As promessas de resolução do problema por parte de Manuel Salgado vêm, pelo menos, de 2014. Foi quando anunciou em reunião pública de câmara a criação do Regulamento de Ocupação de Via Pública com Estaleiros de Obras, do qual constariam regras específicas sobre as cablagens dos operadores energéticos e de comunicações. Na altura, Salgado disse que “o município tem de impor esta regra com força” e defendeu a aplicação de “sanções pesadas para quem não cumprir”. O referido regulamento acabaria por ser aprovado em 5 de Dezembro de 2014. Alguns meses antes, em Abril, o mesmo vereador havia reconhecido a dimensão do problema, em declarações à agência Lusa. “Há muitas queixas, de moradores, da colocação de cabos nas fachadas dos seus prédios. Dá uma imagem de degradação à cidade”, admitia.

 No ano seguinte, a Câmara de Lisboa faria aprovar o Regulamento de Infraestruturas no Espaço Público, reforçando o enquadramento legal em relação ao qual as empresas se deveriam reger. Era nesse regulamento, publicado em Dezembro de 2015, que constava a obrigatoriedade de retirada das cablagens das fachadas dos prédios até 31 de Maio de 2017 e o seu enterramento em infra-estruturas no subsolo. As regras não se limitavam ao material em utilização pelas diferentes operadores, incluindo ainda os chamados “cabos mortos”. O regulamento diz que, “independentemente da sua localização ou alojamento, as entidades titulares ou gestoras de redes ou infra-estruturas estão obrigadas à remoção de cabos, equipamentos ou quaisquer elementos das suas redes que não estejam a ser efectivamente utilizados”.



Marquises, caixotes de ar condicionado e outras excrescências
António Sérgio Rosa de Carvalho  6 de Setembro de 2009, 0:00

 O tema das marquises e da forma como estas excrescências têm invadido, como verrugas, a pele dos nossos edifícios, tem sido motivo de desespero para todos aqueles preocupados com o património de Lisboa.Com efeito, a varanda, espaço-plataforma que devia garantir o nosso contacto natural com os elementos; que devia ser terraço, jardim suspenso, espaço de lazer e transição térmica natural num clima com as nossas caracteristicas, foi transformada através da marquise, irracionalmente, em estufa asfixiante e excrescência desfiguradora.
O desespero vem do sentimento que este fenómeno, tão terceiro-mundista, parece constituir uma fatalidade irreversivel e incontrolável, tal como os carros em cima dos passeios ou os "cachos" de caixotes de ar condicionado que invadiram tudo quanto é fachada.
Tomámos conhecimento através do PÚBLICO, que alguém tomou a iniciativa louvável de desencadear uma campanha sensibilizadora, tendo como objectivo, se não acabar, pelo menos inverter progressivamente esta calamidade. Este texto tem como objectivo contribuir através de uma proposta concreta, "de facto" para o sucesso progressivo desta campanha. A única forma efectiva de desenvolver um exemplo estimulante e pedagógico, capaz de mudar mentalidades e estabelecer disciplina, é conseguir uma situação de conjunto, onde num conjunto arquitectónico significativo, a situação seja invertida e o desastre e o atentado sejam corrigidos.
Na história do urbanismo português, a Baixa pombalina e o bairro de Alvalade constituem dois exemplos paradigmáticos.
No entanto, além da diferença fundamental de discursos determinada pelas diferentes épocas, eles só são comparáveis não só na escala gigantesca dos projectos urbanisticos, mas também pelo facto de que foram executados na íntegra. Fora disso, enquanto um, o da Baixa, nasce da urgência de reconstrução do centro depois do cataclismo, e é portanto sistemático tanto na linguagem arquitectónica unificada e única, como nos métodos de produção, o outro apresenta características diferentes.
O bairro de Alvalade é planeado por Faria da Costa, e conhece o início da sua execução coerente, na década do apogeu do Estado Novo, ou seja os anos 40. Ele é desenvolvido, em diversas fases e células, numa dialéctica simbiótica de diversas inspirações e modelos internacionais, e da "receita-síntese" tradicionalismo-modernismo.
Dentro dele, o bairro das Estacas (1949) surge como uma peça única para a época, de pura influência CIAM - Carta de Atenas (1933) e de linguagem corbusiana, com todos os seus elementos de morfologia e detalhes arquitectónicos (pilotis, brise-soleils, etc). O estado de conservação e de alienação deste notável conjunto é lastimável.
Ainda por cima, quando sabemos que o Icomosdispõe de um departamento dedicado aos monumentos do modernismo, o Docomomo, com trabalho internacional de restauro, ou mesmo de reconstruções integrais, de grande prestígio (Openlucht School Amsterdam, Zonnenstraal Sanatorium Hilversum, Café de Unie Roterdam, Pavilhão de Barcelona, etc., etc.,)
Não teríamos aqui uma oportunidade de classificação de conjunto urbano, de restauro integral e de limpeza de todas as excrescências como marquises, caixotes de ar condicionado e cabos pendurados? Esta mensagem é dirigida à CML, ao Ministério da Cultura e acima de tudo ao Igespar, lembrando esta última instituição de que a forma de como "arrumou" o caso da Classificação do Bairro Social do Arco Cego, é simplesmente inaceitável!
Historiador de Arquitectura

Sem comentários: