OPINIÃO
É a água, estúpido!
Com Portugal ameaçado na sua existência pela seca, é
surpreendente que nenhum político em campanha tenha ainda referido esta questão
de vida ou de morte.
António Sérgio Rosa de Carvalho
9 de Abril de 2019, 20:44
Em época de eleições, eleitoralismo. Este é um “clássico” a
que a classe política nos habituou. O país tem andado dominado por uma
avalanche de revelações a que a Comunicação Social, sempre saudosa do glorioso
episódio do “Watergate”, já apelidou de “Familygate".
Com pingue-pongue eleitoralista ou sem, a dimensão e escala
do nepotismo no PS ultrapassa o imaginável, e ultrapassa muito a simples
acusação de “aristocracia/oligárquica”, para atingir o perfil omnipresente de
“Dono Disto Tudo” da democracia portuguesa, ou seja, de grande “gestor” das
conquistas de Abril.
Não que este fenómeno seja exclusivo do PS, pois é uma
tendência verificada em toda a classe política, mas é o PS que agora é Governo
e pretende ser, de novo, Governo.
Mas isto em relação ao tema deste artigo é secundário, e
apenas muito importante pelo facto de que em plena campanha eleitoral para o
Parlamento Europeu as mentes andam ocupadas por estas fragilidades da
democracia representativa, precisamente num momento em que esta é ameaçada por
uma inédita crise de credibilidade e de confiança, numa Europa onde o comum
cidadão se sente ameaçado e manipulado por uma globalização galopante, que o
deixa desprotegido, enfraquecendo progressivamente o seu direito ao trabalho e
à habitação. Sentindo-se, ele, traído pela esquerda, esta também globalizada,
que substituiu a sua tradicional moral e as suas preocupações sociais pela
questões “fracturantes” e colocou todo o seu engagement nas questões
migratórias e o multiculturalismo.
Estes sentimentos são também dirigidos à direita que se
empenhou numa Europa Federalista, custe o que custar, guiada por uma outra
globalização: a do trânsito livre do trabalho e do capital, inspirado pelos
dogmas do neoliberalismo.
Pôs-se assim de parte o equilíbrio original do mercado comum
que defendia o princípio da unidade europeia baseada na premissa e condição da
diversidade cultural e nacional entre os Estados-membros.
As presentes tensões vindas de radicalismos populistas que
apregoam a democracia directa e que pretendem penetrar em massa no Parlamento a
fim de o erodir e minar por dentro, caos bem ilustrado no ensaio geral do
“Brexit”, vai obrigar a UE a uma reforma de elites, linha de conduta e
objectivos.
Ora, é neste contexto que Portugal é ameaçado na sua
existência, não de forma temporária, mas definitiva, pelas alterações do clima,
que estão a tornar os ciclos de seca cada vez mais frequentes, e segundo os
avisos dos peritos, com tendência a tornarem-se permanentes, quando afirmam que
a Península Ibérica está a evoluir para um padrão de clima do Norte de África.
Este mesmo diário tem dedicado grande atenção à questão do
Tejo, e da nossa dependência total da boa ou má vontade de Espanha que controla
grande parte da água e dos caudais em Portugal, através da “gestão” das suas
barragens e necessidades de regadio através de transvases massivos da
indispensável e preciosa água.
É, portanto, surpreendente que nenhum político em campanha
tenha ainda referido esta questão de vida ou de morte.
Paulo Rangel teve o desplante surpreendente de afirmar
categoricamente, numa conferência organizada pelo Jornal de Notícias na Casa da
Música, no Porto: "Há-de chegar um dia em que não vai haver Portugal.”
Preocupação, profecia ou ilustração de uma campanha para as eleições europeias?
Perdoai-lhe, senhor...
Historiador de Arquitectura
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