terça-feira, 23 de abril de 2019

Câmara de Lisboa quer recuperar cooperativas de habitação, mas oposição acha a resposta insuficiente



Câmara de Lisboa quer recuperar cooperativas de habitação, mas oposição acha a resposta insuficiente
Sofia Cristino
Texto
23 Abril, 2019

Mais de 13 mil pessoas vivem em casas cooperativas na Área Metropolitana de Lisboa, modelo surgido após o 25 de Abril e  que poderá agora ganhar novo fôlego na capital. A vereadora da Habitação, Paula Marques, apresenta na próxima reunião de câmara (24 de Abril) uma proposta para a criação de mais modelos cooperativos, através da construção de fogos e da reabilitação de edifícios municipais. A inspiração vem de Barcelona e outras cidades europeias, garante a autarquia. A ideia é elogiada pela vereação comunista, que censura apenas a falta de informação quanto à forma como vai ser implementado o projecto. Críticas partilhadas pelas eleitos social-democrata e centrista, ambas considerando vaga a proposta de Paula Marques. O vereador do PSD João Pedro Costa diz ainda que a solução “não é estrutural” e “é incapaz de suprir o problema da falta de casas para a classe média”. O vereador do CDS João Gonçalves Pereira diz que não se percebe bem a quem é que o modelo vai servir e considera mesmo ser uma proposta “propagandística” em véspera de eleições europeias.

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) quer criar mais cooperativas de habitação através da construção de novos fogos e da reabilitação de edifícios municipais. As casas, a custos controlados, deverão chegar a “uma grande faixa da população com rendimentos intermédios e baixos”, lê-se numa proposta que a vereadora da Habitação, Paula Marques, vai levar à próxima reunião de câmara (24 de Abril). Intitulado “Princípios Orientadores de Incentivo ao Movimento Cooperativo – Promoção de Habitação Acessível”, o documento, a que O Corvo teve acesso, sugere a recuperação do movimento cooperativo e salienta, por diversas vezes, que “o sector privado não especulativo é fundamental para se juntar aos programas já existentes, de forma a garantir o direito à habitação”. O papel do sector cooperativo é “inegável” na criação de habitação, lê-se, e para ultrapassar a crise habitacional da cidade “é fundamental a regulação do mercado, com o aumento da oferta pública e a convocação de vários parceiros”.

 “Depois das experiências que conhecemos em Barcelona e outras cidades, também Lisboa está a pensar em novas soluções para o movimento cooperativo, entre as quais a ideia de propriedade colectiva, em vez de propriedade individual, e direito de uso de habitação”, comenta O Corvo uma fonte do gabinete da vereadora titular desta pasta, salientando que “também renasce a ideia das cooperativas de inquilinos, o cohousing e o arrendamento acessível, entre outros modelos”. “A ideia é agora promover soluções e modelos de negócio não especulativos para ter mais habitação acessível na cidade de Lisboa e introduzir unidades no mercado de arrendamento que as famílias possam pagar”, acrescenta a mesma fonte.

A ideia de construção colectiva da cidade divide os vereadores da oposição na Câmara de Lisboa. Todos concordam que a cidade tem um “problema habitacional sério” que é preciso resolver, mas lembram que ainda há muitas perguntas às quais o município tem de responder nesta área. No documento, a vereadora da Habitação sugere que se “privilegie a propriedade colectiva ou co-propriedade” e que se criem meios (como espaços comerciais, equipamentos de lazer, desportivos e culturais) para alavancar e tornar sustentável o projecto cooperativo. O regime de renda destes espaços é de renda livre e, lê-se ainda, a “cooperativa tem total liberdade para escolher a quem arrenda esses espaços”. O vereador do PSD João Pedro Costa tece fortes críticas a estes dois pontos e diz que a autarquia “jamais contará com o apoio do PSD” para a promoção da co-propriedade.

 “Não contém connosco para ir ao armário recuperar os objectivos da colectivização social fora do tempo, inspirados em modelos da ex-URSS. O direito à habitação é compatível com o direito à propriedade”, afirma. A opção de arrendamento dos espaços comerciais por inquilinos da cooperativa também não é elogiada pelo eleito social-democrata. “Não admitimos outra forma de arrendamento com financiamento público senão o concurso público, gerido pela Câmara de Lisboa, como acontece com o Programa Renda Acessível (PRA). Quem quer privilégios e amiguismos que o faça com o seu dinheiro”, censura.

João Pedro Costa considera que “tudo o que se trata da promoção da habitação é bem-vindo”, mas que a solução apresentada pela vereação da Habitação “não é estrutural e é incapaz de suprir o problema da falta de casas para a classe média”, considera. “A autarquia tem de regular o mercado, tem esse papel”, reforça. O eleito pelo PSD critica ainda “a falta de metas e objectivos” da proposta e de esta “não ter nada de concreto” quanto ao número de casas que vai disponibilizar. “É uma mão cheia de boas intenções e outra mão cheia de nada, Lisboa precisa mais do que um movimento cooperativo, que não resolve o grave problema da habitação na cidade”, observa.

Parte das críticas é partilhada pela vereadora do PCP Ana Jara, que considera que a proposta não contempla dados importantes. “Falta perceber qual a escala do programa e os prazos. Temos visto outros programas de habitação com mapeamento, que esta proposta não contempla. Também é estranho a proposta ser apresentada antes de ser conhecido o novo Regulamento Municipal de Habitação, que a câmara está a preparar. Deveria ser apresentada depois”, sugere. Apesar das dúvidas, a vereadora comunista diz que a proposta “é muito positiva” e “uma solução para a crise habitacional”. “Vai permitir um reforço no acesso à habitação, numa altura em que o sector imobiliário especulativo tem sido o maior responsável pelas questões ligadas à falta de habitação. É um novo modelo, que representa um ensaio de outro modo de se fazer a cidade”, elogia.

O vereador do CDS João Gonçalves Pereira acusa a proposta de “propagandística” e critica-a por falta de informações mais concretas. “Há muitos anúncios e intenções, mas pouca materialização. São apenas princípios orientadores, que não passam de mera propaganda em vésperas de eleições europeias. Nem precisam de levar a reunião de câmara”, censura. O eleito pelo CDS-PP admite, porém, que os modelos de cooperativas poderão ser “altamente positivos” se forem construídos com o objectivo de acolher famílias ou jovens que tiveram de sair do centro da cidade para a periferia. “Um instrumento desta natureza poderia servir para as famílias de maior dimensão, com mais dificuldade em aceder aos elevados custos de habitação, mas não está claro a quem se destina. Estas ideias também não são inovadoras e há experiências negativas associadas à vivência em cooperativa que todos conhecemos, que não terminaram nada bem”, lembra.

 Na proposta, que será apresentada nesta quarta-feira (24 de Abril), salienta-se que o modelo cooperativo deverá ter uma “diversidade de escalas, permitindo assim diferentes modelos de habitação cooperativos”. As operações podem ser de reabilitação de edifícios, construção nova ou a conjugação das duas, classificando-se quanto à sua dimensão como “pequenas”, até nove fogos; “médias”, entre 10 e 50 fogos, e “grandes”, mais de 50 fogos. Nos projectos cooperativos não é pré-definida uma quantificação de tipologias, excepto na quota para arrendamento acessível. A produção destas casas deve respeitar os parâmetros de qualidade utilizados para as habitações de arrendamento acessível dos programas municipais, “nomeadamente nos materiais utilizados”, lê ainda.

 Numa altura em que o recurso a parcerias público-privadas para criação de mais habitação acessível tem sido alvo de várias críticas por parte da oposição na câmara de Lisboa – e o Tribunal de Contas também tem mostrado reservas a esta resposta habitacional, ao recusar projectos da autarquia –, a proposta da vereadora da Habitação considera que a parceria entre o município e o movimento cooperativo é “mais uma frente de produção e disponibilização de habitação acessível” e “é fundamental para o relançamento desta expressão de construção colectiva de cidade”. A “regulação do mercado”, lê-se ainda, é fundamental para atravessar a crise habitacional vivida em Lisboa e “o aumento da oferta pública e a convocação de vários parceiros” poderão “suprimir as falhas que persistem”.

 A proposta sugere que se privilegie a recuperação do património municipal e a propriedade colectiva; a reintrodução das cooperativas de inquilinos; a criação de modelos de vivência como o “cohousing”, com serviços partilhados e comunitários e a existência do direito de habitação, “evitando alienação futura”. As três dimensões das cooperativas – pequena, média e grande – deverão ser para habitação própria permanente. Sem quota de fogos para arrendamento acessível, no caso das pequenas, e com quotas nas cooperativas de média e grande dimensão. As quotas de fogos para arrendamento acessível, geridos pela cooperativa, deverão ser integradas nos programas de arrendamento acessível do município e de actividades complementares não habitacionais – que promovam serviços à disposição dos cooperantes, mas também à restante comunidade, e que simultaneamente “permitam a sustentabilidade do projecto cooperativo”.

 O movimento cooperativo, recorda o documento, foi, ao longo dos últimos 45 anos, um “pilar fundamental para a promoção de habitação em Portugal”. Segundo dados do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), entre 1984 e 2005, foram construídos na Área Metropolitana de Lisboa mais de 13 mil fogos em cooperativas. Este movimento tem “sofrido várias transformações” e, hoje, há novos modelos cooperativos, diferentes dos tradicionais, verificando-se “uma evolução positiva na adopção de novos modelos de cooperativismo”. Com este modelo pretende-se ainda “reduzir os potenciais conflitos entre a cooperativa e os cooperantes, conflitos esses registados em operações passadas e sinalizados pela FENACHE – Federação Nacional De Cooperativas de Habitação Económica”.

O Corvo tentou obter um comentário da vereadora Paula Marques à proposta agora apresentada, mas não o conseguiu a tempo da publicação deste artigo. De igual modo, tentou obter comentários sobre por parte da Federação Nacional De Cooperativas de Habitação Económica e da associação Habita, mas tal não se revelou possível até ao momento da publicação deste artigo.

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