quarta-feira, 10 de abril de 2019

Alojamento local. "Alfama, Castelo e Mouraria estão em estado pré-comatoso" / Os efeitos da Turistificação de Lisboa por António Sérgio Rosa de Carvalho



Alojamento local. "Alfama, Castelo e Mouraria estão em estado pré-comatoso"

Há um ano a Freguesia de Santa Maria Maior, uma das zonas de Lisboa mais atingida pelo alojamento local, mostrou os rostos de quem estava a ser "expulso" dos bairros históricos. Depois das alterações à lei conseguidas, o próximo objetivo do presidente da Junta é proteger as "famílias com crianças e jovens em idade escolar".

Miguel Coelho lembra que a freguesia a que preside perdeu desde 2013 mais de dois mil eleitores e que tem ruas desertas nos bairros históricos devido à aposta no alojamento local© Álvaro Isidoro / Global Imagens

Carlos Ferro
09 Abril 2019 — 12:20

Há um ano a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior lançou "Os Rostos dos Despejos", um projeto em que as figuras eram as pessoas dos bairros que estavam a receber ordens para sair das suas casas, num movimento potenciado pelo aumento do turismo e da procura de alojamento local. Nessa altura os habitantes de Alfama, Mouraria, Castelo - os bairros mais afetados - deram a cara pelas suas histórias e colocaram na agenda as suas dificuldades.

Uma ano depois, a autarquia liderada por Miguel Coelho (eleito pelo PS) divulgou um documentário sobre o tema e fez um balanço do que aconteceu nestes 12 meses em que muita coisa mudou - começando pela legislação que possibilitou às câmaras, como a de Lisboa, impor regras nesta oferta turística e proibir a abertura de unidades de alojamento local nas zonas da capital.

O autarca, cuja freguesia tem 9777 habitações de alojamento local (mais de metade dos existentes na cidade, 17 995) e que desde 2013 perdeu 2491 eleitores (20 % da população que pode votar), deu a cara pelo projeto e reconhecendo que muito foi feito defende que há um próximo passo necessário: defender as famílias que moram nestas zonas e que têm filhos em idade escolar.

Tudo para dar vida a bairros históricos que estão a ficar desertificados e onde, reconhece Miguel Coelho, "há ruas desertas". Entre as iniciativas da junta está a disponibilização de um número telefónico - 800 21 00 05 - para os moradores puderem denunciar casos que considerem ser de alojamento local ilegal.

Um ano depois de "Os Rostos dos Despejos" o que mudou?

O projeto "Os Rostos dos Despejos" espoletaram um processo de consciencialização muito rápida por parte de quem tem competências para poder alterar a legislação no sentido de que o problema era real e que era necessário encontrar respostas. O que é que mudou? Conseguiu paralisar os despejos durante um ano. Fizemos uma proposta de moratória e foi aceite. Depois, fez com que governo e os partidos políticos andassem mais depressa e que convertessem em legislação na Assembleia da República muitas das nossa propostas, designadamente uma nova Lei do Alojamento Local que permite às autarquias estabelecerem quotas e limites por bairro. Isso já está em vigor, concretamente aqui em Lisboa e na minha freguesia há já três bairros onde não é possível haver mais alojamento local.

Foi uma alteração à legislação conhecida com a Lei Cristas...

Foi uma profunda alteração à Lei Cristas, fazendo com que seja muito injusto dizer que esta é a Lei Cristas pois essa já desapareceu.As pessoas com mais de 65 anos, com contratos antigos, ficaram protegidas. Encontrou-se também uma forma de salvaguardar quem estava com contratos recentes, com contratos a prazo desde que estivessem nas casas há 20 anos. E isso nem sequer estava previsto na lei anterior. Agora, podemos dizer que quem tem mais de 65 anos, uma deficiência igual ou superior a 60% está bem protegido na lei.

E que outras mudanças foram aprovadas?

Com esta nova legislação foi possível alterar as condições de despejo por obras profundas passando a ser muito mais difícil e raras. E isso também era algo que nos incomodava bastante. Foi criminalizado o bullying imobiliário, que era um expediente muito utilizado pelos proprietários para amedrontar e fazer com que as pessoas, sobretudo as mais desprotegidas, quisessem ou fossem forçadas a sair das casas independentemente dos contratos. E isso também é algo muito positivo que importa registar.

Nestas mudanças também foram aprovados incentivos para os proprietários...

Aceitou-se uma proposta nossa, depois trabalhada na Assembleia da República, para compensar os proprietários que apostem no arrendamento de longa duração, dar-lhes incentivos fiscais. Hoje em dia quem alugar uma casa por 20 anos, ou mais, tem uma isenção de 90% sobre o IRS, o que é muito positivo. Se for de 10 paga menos também. Estamos satisfeitos com essa decisão.

Valeu a pena "Os Rostos dos Despejos"?

Valeu. Se não tivéssemos feito nada, isto não teria acontecido. Agora, se estamos satisfeitos? Se esta lei é o produto final? Achamos que não. É preciso continuar a pugnar por alguns pontos que ainda não conseguimos, sobretudo para as famílias que têm crianças em idade escolar. Este é um processo e achamos que este ponto deve ser introduzido agora. Isto é um processo e haveremos de lá chegar. Nós, a junta de freguesia.

Na cerimónia de dia 5, onde se assinalou o primeiro ano do projeto, uma moradora disse que Alfama "estava morta". Está?

A expressão é em sentido figurado. Mas é verdade que Alfama, Mouraria e Castelo estão irremediavelmente danificados pela saída de tanta e tanta gente. E se continuasse então morriam mesmo. Sendo certo que agora não direi que [os bairros] estão mortos, mas estarão num estado comatoso ou pré comatoso. Isto é, perdemos muita população, que já lá vivia há muitos anos. Em termos de eleitores perdemos 2491 eleitores, 20% da população, e foi sobretudo nestas zonas. Isto faz com que haja lá ruas desertas, têm lojas, bares e alojamento local, mas não se fixa lá população. No caso do alojamento local as pessoas estão lá 4 ou 5 dias e vão embora. Isso não cria tecido social. E nesse sentido a frase faz sentido se for interpretada neste espírito.

Bairro não rejuvenesce...

Não, mesmo em relação às pessoas que podiam ficar tudo isto fez com que o preço das rendas subisse muito. Em principio não há casas para arrendar, mas quando há são caríssimas. Costumo dar um exemplo: há cinco anos um T1 em Alfama era alugado entre os 100 e os 150 euros, dependia do estado da casa. Agora quando há está à volta dos mil euros, quando não é mais. Isto não está acessível às bolsas das pessoas e faz com que tenham de ir procurar casa noutros lados o que está a fazer subir o preço da habitação nos concelhos vizinhos de Lisboa.

O projeto "Os Rostos dos Despejos" vai continuar?

Claro. O nosso próximo objetivo é convencer as forças politicas na Assembleia da República que é preciso legislar também no sentido de proteger as famílias com crianças e jovens em idade escolar. Isto é um processo que não se alcança de um dia para o outro. Não vamos desistir.

Esta segunda-feira a Junta de Santa Maria Maior disponibilizou uma linha telefónica relacionada com o Alojamento Local. Qual é o objetivo?

É simples. Nós não temos competências de fiscalização legalmente atribuídas, contudo depois de o sr. presidente da Câmara de Lisboa [Fernando Medina] ter determinado, e bem, que Alfama, Mouraria e Castelo não comportam mais alojamento local, é preciso verificar que isto não aconteça. E do que conhecemos a fiscalização não tem capacidade para verificar isto. Apontamos. Não sei se este dado é muito rigoroso, mas parece que a ASAE terá um inspetor para cerca de 10 mil fogos, a CML também não tinha um serviço de fiscalização para isto [alojamento local]. Presumo que faria essa fiscalização pelos pedidos de registos. Mas também sabemos, pelo conhecimento que temos do terreno que há alojamento clandestinos, muitos que abrem sem dizer nada a dizer. Portanto, esta linha serve para qualquer cidadão comunicar à Junta que pode haver um alojamento local que não tem licença. Nesse caso, iremos fazer observação direta para saber se a comunicação tem fundamento. Se não tiver o caso encerra, se tiver fundamento comunicaremos à ASAE e à CM que na rua tal poderá estar uma unidade deste género não registada. É o objetivo fundamental desta linha.




Os efeitos da Turistificação de Lisboa

Cada vez mais gente e menos lisboetas. Câmara entrega a gestão da habitação ao aluguer online de alojamento para férias

António Sérgio Rosa de Carvalho
23 de Novembro de 2016, 9:45

Fernando Medina  não acompanha a Imprensa internacional. Se o fizesse, ter-se-ia apercebido de uma avalanche de notícias na Imprensa local de Nova Iorque e de  várias cidades Europeias sobre os efeitos perversos conjugados e interactivos da Turistificação desenfreada, da Globalização desmedida e da Gentrificaçào galopante na vida quotidiana dos habitantes locais nestas cidades.

Um clamor profundo, uma agitação permanente de insatisfação e um desejo urgente e imperativo de mudança, de regulamentos, de fiscalização e  de liderança  por parte dos habitantes, ameaça traduzir-se em consequências políticas, e faz acordar os autarcas.

Temos ouvido sobre as situações em Barcelona e Berlim e das condições impostas à AIRBNB que vão desde a proibição total na capital alemã até à imposição de um rigoroso regulamento na cidade da Catalunha.

Numa longa luta do Municipal com a Airbnb [aluguer de alojamento para férias], Nova Iorque quer agora proibir o aluguer de alojamentos através da AIRBNB por um período inferior a 30 dias. Medida destinada a proteger a cidade dos efeitos perversos das estadias curtas / low cost do turismo barato, massificado, predador e desinteressante. Densidade intensa de ocupação do espaço físico sem interesse económico e mais valias financeiras, a não ser, para os estabelecimentos também eles “predadores” do comércio tradicional, ou seja, “comes e bebes” e “quinquilharia” pseudoturística em dezenas de lojas asiáticas e afins. 

A 6 de Outubro, o “Guardian” publicou um conjunto de três artigos sobre a interligação destes temas, tendo um deles sido dedicado à relação de Amsterdão com a AIRBNB.

Embora Amsterdão tenha imposto um regulamento claro à Airbnb, ocupação máxima  de 60 dias por ano e o máximo de quatro pessoas por edifício, os efeitos sociais de descaracterização dos bairros têm sido devastadores. O investimento especulativo junto à forte subida do preço da habitação (também no aluguer a “expats” do mundo empresarial ) está a expulsar progressivamente os habitantes locais,  transformando os bairros em plataformas rotativas e contínuas de “idas e vindas” de forasteiros híper individualizados e indiferentes aos locais, e a transformar os antigos bairros em locais alienados onde ninguém se conhece e onde reina o anonimato.

Amsterdão tem  fiscalizado intensamente a ocupação através da  Airbnb mas é confrontada com a recusa pela própria Airbnb de fornecimento de dados. Num espaço limitado fisicamente como a pitoresca Amsterdão, a invasão turística low-cost / aluguer Airbnb, está a levar a efeitos explosivos no trânsito, no comércio local onde polulam as lojas de vocação turística e de souvenirs e está a provocar uma avalanche de insatisfação traduzida em irritação ou animosidade explícita para com o turismo.

 De tal forma que, muito recentemente, a autarquia fez um discurso explícito inteiramente dedicado a estes temas, onde anunciou uma atitude de exigência e fiscalização ainda mais rigorosa para com a Airbnb, medidas legislativas em conjunto com Haia que tornem possível a escolha do tipo de lojas a instalar em cada rua e uma atitude nítida de selecção do tipo de turismo,  numa definição e escolha dirigida à clara diferenciação entre o turismo desejável e indesejável.

Numa entrevista publicada a 18 de Janeiro no PÚBLICO, o Director Ibérico da Airbnb anunciava orgulhoso: “A evolução em 2015 face ao ano anterior foi de 65%. Portugal está no 11.º lugar mundial em termos de anúncios na Airbnb, num ranking liderado pelos EUA. A Airbnb captou um milhão de pessoas em 2015.”

Orgulhoso, e claro, satisfeito. A Airbnb não está sujeita a qualquer tipo de regulamento, exigência ou fiscalização em Portugal. Mais. A AIRBNB colabora com a Autarquia e o Governo, de forma a que os impostos sejam cobrados ao Alojamento Local. Estes aumentaram.

Mas os efeitos devastadores são ignorados ou mesmo negados por Fernando Medina que se tem mostrado irónico ou furtivo sobre estes problemas fundamentais para o presente e o futuro estratégico da cidade de Lisboa.

Que este se torne o tema fundamental de discussão de todas as forças políticas em direcção às eleições autárquicas, é um imperativo. Não se trata de cor política, mas de um tema Universal de Ecologia Urbana e de equilíbrio salutar no organismo vivo que constitui uma verdadeira cidade.

A Turistificação desenfreada, a Globalização desmedida e a Gentrificação galopante estão a matar as cidades.

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