Alojamento local. "Alfama, Castelo e Mouraria estão em
estado pré-comatoso"
Há um ano a Freguesia de Santa Maria Maior, uma das zonas de
Lisboa mais atingida pelo alojamento local, mostrou os rostos de quem estava a
ser "expulso" dos bairros históricos. Depois das alterações à lei
conseguidas, o próximo objetivo do presidente da Junta é proteger as
"famílias com crianças e jovens em idade escolar".
Miguel Coelho lembra que a freguesia a que preside perdeu
desde 2013 mais de dois mil eleitores e que tem ruas desertas nos bairros
históricos devido à aposta no alojamento local© Álvaro Isidoro / Global Imagens
Carlos Ferro
09 Abril 2019 — 12:20
Há um ano a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior lançou
"Os Rostos dos Despejos", um projeto em que as figuras eram as
pessoas dos bairros que estavam a receber ordens para sair das suas casas, num
movimento potenciado pelo aumento do turismo e da procura de alojamento local.
Nessa altura os habitantes de Alfama, Mouraria, Castelo - os bairros mais
afetados - deram a cara pelas suas histórias e colocaram na agenda as suas
dificuldades.
Uma ano depois, a autarquia liderada por Miguel Coelho
(eleito pelo PS) divulgou um documentário sobre o tema e fez um balanço do que
aconteceu nestes 12 meses em que muita coisa mudou - começando pela legislação
que possibilitou às câmaras, como a de Lisboa, impor regras nesta oferta
turística e proibir a abertura de unidades de alojamento local nas zonas da
capital.
O autarca, cuja freguesia tem 9777 habitações de alojamento
local (mais de metade dos existentes na cidade, 17 995) e que desde 2013 perdeu
2491 eleitores (20 % da população que pode votar), deu a cara pelo projeto e
reconhecendo que muito foi feito defende que há um próximo passo necessário:
defender as famílias que moram nestas zonas e que têm filhos em idade escolar.
Tudo para dar vida a bairros históricos que estão a ficar
desertificados e onde, reconhece Miguel Coelho, "há ruas desertas".
Entre as iniciativas da junta está a disponibilização de um número telefónico -
800 21 00 05 - para os moradores puderem denunciar casos que considerem ser de
alojamento local ilegal.
Um ano depois de "Os Rostos dos Despejos" o que
mudou?
O projeto "Os Rostos dos Despejos" espoletaram um
processo de consciencialização muito rápida por parte de quem tem competências
para poder alterar a legislação no sentido de que o problema era real e que era
necessário encontrar respostas. O que é que mudou? Conseguiu paralisar os
despejos durante um ano. Fizemos uma proposta de moratória e foi aceite.
Depois, fez com que governo e os partidos políticos andassem mais depressa e
que convertessem em legislação na Assembleia da República muitas das nossa
propostas, designadamente uma nova Lei do Alojamento Local que permite às
autarquias estabelecerem quotas e limites por bairro. Isso já está em vigor,
concretamente aqui em Lisboa e na minha freguesia há já três bairros onde não é
possível haver mais alojamento local.
Foi uma alteração à legislação conhecida com a Lei
Cristas...
Foi uma profunda alteração à Lei Cristas, fazendo com que
seja muito injusto dizer que esta é a Lei Cristas pois essa já desapareceu.As
pessoas com mais de 65 anos, com contratos antigos, ficaram protegidas.
Encontrou-se também uma forma de salvaguardar quem estava com contratos
recentes, com contratos a prazo desde que estivessem nas casas há 20 anos. E
isso nem sequer estava previsto na lei anterior. Agora, podemos dizer que quem
tem mais de 65 anos, uma deficiência igual ou superior a 60% está bem protegido
na lei.
E que outras mudanças foram aprovadas?
Com esta nova legislação foi possível alterar as condições
de despejo por obras profundas passando a ser muito mais difícil e raras. E
isso também era algo que nos incomodava bastante. Foi criminalizado o bullying
imobiliário, que era um expediente muito utilizado pelos proprietários para
amedrontar e fazer com que as pessoas, sobretudo as mais desprotegidas, quisessem
ou fossem forçadas a sair das casas independentemente dos contratos. E isso
também é algo muito positivo que importa registar.
Nestas mudanças também foram aprovados incentivos para os
proprietários...
Aceitou-se uma proposta nossa, depois trabalhada na
Assembleia da República, para compensar os proprietários que apostem no
arrendamento de longa duração, dar-lhes incentivos fiscais. Hoje em dia quem
alugar uma casa por 20 anos, ou mais, tem uma isenção de 90% sobre o IRS, o que
é muito positivo. Se for de 10 paga menos também. Estamos satisfeitos com essa
decisão.
Valeu a pena "Os Rostos dos Despejos"?
Valeu. Se não tivéssemos feito nada, isto não teria
acontecido. Agora, se estamos satisfeitos? Se esta lei é o produto final?
Achamos que não. É preciso continuar a pugnar por alguns pontos que ainda não
conseguimos, sobretudo para as famílias que têm crianças em idade escolar. Este
é um processo e achamos que este ponto deve ser introduzido agora. Isto é um
processo e haveremos de lá chegar. Nós, a junta de freguesia.
Na cerimónia de dia 5, onde se assinalou o primeiro ano do
projeto, uma moradora disse que Alfama "estava morta". Está?
A expressão é em sentido figurado. Mas é verdade que Alfama,
Mouraria e Castelo estão irremediavelmente danificados pela saída de tanta e
tanta gente. E se continuasse então morriam mesmo. Sendo certo que agora não
direi que [os bairros] estão mortos, mas estarão num estado comatoso ou pré
comatoso. Isto é, perdemos muita população, que já lá vivia há muitos anos. Em
termos de eleitores perdemos 2491 eleitores, 20% da população, e foi sobretudo
nestas zonas. Isto faz com que haja lá ruas desertas, têm lojas, bares e
alojamento local, mas não se fixa lá população. No caso do alojamento local as
pessoas estão lá 4 ou 5 dias e vão embora. Isso não cria tecido social. E nesse
sentido a frase faz sentido se for interpretada neste espírito.
Bairro não rejuvenesce...
Não, mesmo em relação às pessoas que podiam ficar tudo isto
fez com que o preço das rendas subisse muito. Em principio não há casas para
arrendar, mas quando há são caríssimas. Costumo dar um exemplo: há cinco anos
um T1 em Alfama era alugado entre os 100 e os 150 euros, dependia do estado da
casa. Agora quando há está à volta dos mil euros, quando não é mais. Isto não
está acessível às bolsas das pessoas e faz com que tenham de ir procurar casa
noutros lados o que está a fazer subir o preço da habitação nos concelhos
vizinhos de Lisboa.
O projeto "Os Rostos dos Despejos" vai continuar?
Claro. O nosso próximo objetivo é convencer as forças
politicas na Assembleia da República que é preciso legislar também no sentido
de proteger as famílias com crianças e jovens em idade escolar. Isto é um
processo que não se alcança de um dia para o outro. Não vamos desistir.
Esta segunda-feira a Junta de Santa Maria Maior
disponibilizou uma linha telefónica relacionada com o Alojamento Local. Qual é
o objetivo?
É simples. Nós não temos competências de fiscalização
legalmente atribuídas, contudo depois de o sr. presidente da Câmara de Lisboa
[Fernando Medina] ter determinado, e bem, que Alfama, Mouraria e Castelo não
comportam mais alojamento local, é preciso verificar que isto não aconteça. E
do que conhecemos a fiscalização não tem capacidade para verificar isto.
Apontamos. Não sei se este dado é muito rigoroso, mas parece que a ASAE terá um
inspetor para cerca de 10 mil fogos, a CML também não tinha um serviço de
fiscalização para isto [alojamento local]. Presumo que faria essa fiscalização
pelos pedidos de registos. Mas também sabemos, pelo conhecimento que temos do
terreno que há alojamento clandestinos, muitos que abrem sem dizer nada a
dizer. Portanto, esta linha serve para qualquer cidadão comunicar à Junta que
pode haver um alojamento local que não tem licença. Nesse caso, iremos fazer
observação direta para saber se a comunicação tem fundamento. Se não tiver o
caso encerra, se tiver fundamento comunicaremos à ASAE e à CM que na rua tal
poderá estar uma unidade deste género não registada. É o objetivo fundamental
desta linha.
Os efeitos da Turistificação de Lisboa
Cada vez mais gente e menos lisboetas. Câmara entrega a
gestão da habitação ao aluguer online de alojamento para férias
António Sérgio Rosa de Carvalho
23 de Novembro de 2016, 9:45
Fernando Medina não
acompanha a Imprensa internacional. Se o fizesse, ter-se-ia apercebido de uma
avalanche de notícias na Imprensa local de Nova Iorque e de várias cidades Europeias sobre os efeitos
perversos conjugados e interactivos da Turistificação desenfreada, da
Globalização desmedida e da Gentrificaçào galopante na vida quotidiana dos
habitantes locais nestas cidades.
Um clamor profundo, uma agitação permanente de insatisfação
e um desejo urgente e imperativo de mudança, de regulamentos, de fiscalização
e de liderança por parte dos habitantes, ameaça traduzir-se
em consequências políticas, e faz acordar os autarcas.
Temos ouvido sobre as situações em Barcelona e Berlim e das
condições impostas à AIRBNB que vão desde a proibição total na capital alemã
até à imposição de um rigoroso regulamento na cidade da Catalunha.
Numa longa luta do Municipal com a Airbnb [aluguer de
alojamento para férias], Nova Iorque quer agora proibir o aluguer de
alojamentos através da AIRBNB por um período inferior a 30 dias. Medida
destinada a proteger a cidade dos efeitos perversos das estadias curtas / low
cost do turismo barato, massificado, predador e desinteressante. Densidade
intensa de ocupação do espaço físico sem interesse económico e mais valias
financeiras, a não ser, para os estabelecimentos também eles “predadores” do
comércio tradicional, ou seja, “comes e bebes” e “quinquilharia”
pseudoturística em dezenas de lojas asiáticas e afins.
A 6 de Outubro, o “Guardian” publicou um conjunto de três
artigos sobre a interligação destes temas, tendo um deles sido dedicado à
relação de Amsterdão com a AIRBNB.
Embora Amsterdão tenha imposto um regulamento claro à
Airbnb, ocupação máxima de 60 dias por
ano e o máximo de quatro pessoas por edifício, os efeitos sociais de
descaracterização dos bairros têm sido devastadores. O investimento
especulativo junto à forte subida do preço da habitação (também no aluguer a
“expats” do mundo empresarial ) está a expulsar progressivamente os habitantes
locais, transformando os bairros em
plataformas rotativas e contínuas de “idas e vindas” de forasteiros híper
individualizados e indiferentes aos locais, e a transformar os antigos bairros
em locais alienados onde ninguém se conhece e onde reina o anonimato.
Amsterdão tem
fiscalizado intensamente a ocupação através da Airbnb mas é confrontada com a recusa pela
própria Airbnb de fornecimento de dados. Num espaço limitado fisicamente como a
pitoresca Amsterdão, a invasão turística low-cost / aluguer Airbnb, está a
levar a efeitos explosivos no trânsito, no comércio local onde polulam as lojas
de vocação turística e de souvenirs e está a provocar uma avalanche de
insatisfação traduzida em irritação ou animosidade explícita para com o
turismo.
De tal forma que,
muito recentemente, a autarquia fez um discurso explícito inteiramente dedicado
a estes temas, onde anunciou uma atitude de exigência e fiscalização ainda mais
rigorosa para com a Airbnb, medidas legislativas em conjunto com Haia que tornem
possível a escolha do tipo de lojas a instalar em cada rua e uma atitude nítida
de selecção do tipo de turismo, numa
definição e escolha dirigida à clara diferenciação entre o turismo desejável e
indesejável.
Numa entrevista publicada a 18 de Janeiro no PÚBLICO, o
Director Ibérico da Airbnb anunciava orgulhoso: “A evolução em 2015 face ao ano
anterior foi de 65%. Portugal está no 11.º lugar mundial em termos de anúncios
na Airbnb, num ranking liderado pelos EUA. A Airbnb captou um milhão de pessoas
em 2015.”
Orgulhoso, e claro, satisfeito. A Airbnb não está sujeita a
qualquer tipo de regulamento, exigência ou fiscalização em Portugal. Mais. A
AIRBNB colabora com a Autarquia e o Governo, de forma a que os impostos sejam
cobrados ao Alojamento Local. Estes aumentaram.
Mas os efeitos devastadores são ignorados ou mesmo negados
por Fernando Medina que se tem mostrado irónico ou furtivo sobre estes
problemas fundamentais para o presente e o futuro estratégico da cidade de
Lisboa.
Que este se torne o tema fundamental de discussão de todas
as forças políticas em direcção às eleições autárquicas, é um imperativo. Não
se trata de cor política, mas de um tema Universal de Ecologia Urbana e de
equilíbrio salutar no organismo vivo que constitui uma verdadeira cidade.
A Turistificação desenfreada, a Globalização desmedida e a
Gentrificação galopante estão a matar as cidades.
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