Contra a aparente inevitabilidade dos contentores, grupo de
cidadãos insiste na criação de jardim no Martim Moniz
Samuel Alemão
Texto
2 Abril, 2019
Enquanto não se conhece a versão final do projecto de
requalificação da praça, nem decorre a prometida discussão pública, mantém-se a
pressão para que a área não se transforme numa “espécie de centro comercial” a
céu aberto”. Dando seguimento à exigência feito através de um cordão humano,
uma petição quer que, no curto prazo, se transforme a Praça Martim Moniz “numa
zona verde onde seja possível relaxar e sentir bem a cidade”. Os promotores do
movimento salientam a inexistência de jardins de dimensão razoável em todo o
eixo compreendido entre a Alameda e a zona ribeirinha. E apontam ainda
“incongruências legais” no processo de concessão, pela Câmara de Lisboa, da
exploração do espaço, até 2032.
Uma questão de crença e de oportunidade. Um grupo de
cidadãos está a organizar um movimento de base popular para insistir na ideia
da construção de um grande jardim na Praça do Martim Moniz, impedindo assim o
avanço do polémico projecto de requalificação daquela área promovido pela
Câmara Municipal de Lisboa (CML), prevendo a instalação de contentores onde
funcionarão estabelecimentos comerciais. O colectivo, formado por pessoas
desvinculadas de interesses políticos e partidários e onde assumem relevância
alguns elementos ligados à Associação Renovar a Mouraria (ARM) e associação
Grupo Gente Nova, lançou recentemente uma petição para ver o assunto discutido
na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), tendo já recolhido o número de
assinaturas necessárias. “Queremos fazer um discurso positivo, relevando o facto
de esta ser oportunidade única para fazer qualquer coisa ali. Não há um único
jardim no eixo entre a Alameda e o rio. Chegou o momento de pensar aquele
espaço de forma benéfica e não apenas como mais uma zona comercial”, diz a O
Corvo Susana Simplício, uma das dinamizadoras.
Inspirando-se no movimento de cidadania que, em 2016,
conseguiu reverter o que parecia a mais que certa construção de um parque de
estacionamento da EMEL no terreno conhecido como Caracol da Penha – situado
entre as freguesias da Penha de França e Arroios -, o grupo Jardim Martim Moniz
entende como necessária e urgente uma mobilização geral por espaço verde ao
serviço da comunidade “que permita às pessoas descansarem e usufruírem de uma
maior qualidade de vida”. Na petição pede-se à câmara que desenvolva “as
diligências necessárias para que, no curto prazo, se transforme a Praça Martim
Moniz numa zona verde onde seja possível relaxar e sentir bem a cidade, brincar
e sentarmo-nos confortavelmente conversando, lendo ou tomando merendas
próprias, com sombras e mobiliário adequados, bem como um parque infantil e
equipamentos para exercício físico”. Ainda mais porque, argumenta-se, não
existe nenhum espaço do género no eixo Alameda-Tejo e por ser evidente a “alta
pressão sonora e urbanística a que aquela área tem estado sujeita nos últimos
anos”.
Os organizadores da recolha de assinaturas – que tem decorrido,
desde 23 de Março, apenas em papel, em diversos pontos ao redor daquela
praça – assumem assim querer manter a
pressão sobre a autarquia liderada por Fernando Medina (PS), quando ainda está
por realizar a prometida discussão pública da versão final do muito contestado
projecto de reconversão da praça, tornado público em Novembro passado. “Se
deixarmos passar este momento, e enquanto ainda nada está feito, estaremos a
permitir que a parte central do Martim Moniz fique entregue à gestão de privados
e com um cariz comercial, até pelo menos 2032 e sem contar com eventuais
renovações”, diz Susana Simplício, referindo-se à concessão da exploração da
parte central da praça, outorgada pela CML à empresa Moonbrigade, Lda. Esta
empresa foi criada em 2017 pelos irmãos Artur e Geoffroy Moreno, ligados à
Stone Capital – responsável por muitos investimentos imobiliários na capital,
nos últimos anos -, e por José Filipe Rebelo Pinto, dono da NCS, firma que
detinha desde 2012 a concessão da exploração comercial da praça, através do
Mercado de Fusão.
O facto de a concessão da NCS, que deveria durar dez anos e
terminaria em 2022, ter sido transferida pela CML para a Moonbrigade, com um
prazo a findar uma década depois, em 2032, tem sido alvo de grande contestação.
Sobretudo porque muita gente interpreta a forma como decorreu essa passagem da
solução anterior, envolvendo a exploração de dez quiosques com esplanada, para
uma outra, em que haverá “uma espécie de centro comercial com cerca de quarenta
lojas”, como um favorecimento de interesses privados. E, por conseguinte, como
um apoucamento do bem público. “Há aqui questões de falta de transparência
neste processo”, refere Susana Simplício, notando que já deveria ter sido
conhecido o parecer jurídico pedido pela câmara, na sequência da polémica que
se instalou nos últimos meses. Não por acaso, a petição do movimento Jardim
Martim Moniz pede à presidente da AML, Helena Roseta, que “tome as diligências
necessárias à construção da zona verde, devendo o projecto resultar de um
concurso público aberto a qualquer proponente e assente num diagnóstico
participado com ampla auscultação cívica”.
É esse envolvimento da população que motiva os promotores da
recolha de assinaturas – os quais promovem uma sessão pública de esclarecimento
no final da tarde (18h30) desta quarta-feira (3 de Março), na sede da
associação Grupo Gente Nova, na Rua das Fontaínhas, na Mouraria. “Achamos que
temos direito a ser ouvidos e manifestar a nossa opinião e, se possível
apresentar uma alternativa por não acreditarmos que esta solução que nos está a
ser proposta sirva os interesses da maioria da pessoas que aqui vivem e
trabalham”, diz a O Corvo o morador Alexandre Cotovio, que, apesar de ser
presidente da direcção da Gente Nova, garante participar nesta mobilização
cívica em nome individual enquanto cidadão. “A CML está a tomar uma decisão com
a legitimidade democrática que detém, por ter sido para isso mandatada, é
verdade, mas fá-lo sem ter em consideração os anseios de quem aqui vive. Temos
a convicção que está a tomar a decisão errada e que, no fundo, servirá
sobretudo os interesses do turismo e das pessoas com mais poder económico e não
de quem aqui está”, sustenta.
O desejo de construção de um grande jardim começou logo a
ser manifestado por alguns, a 20 de Novembro, no Hotel Mundial, durante a
sessão pública de apresentação do projecto promovido pela Moonbrigade. E
conheceu uma expressão mais simbólica através do cordão humano, ocorrido a 2 de
Fevereiro, no Martim Moniz. A pretensão já foi, todavia, criticada por Fernando
Medina, por, garante, a existência de um parque de estacionamento subterrâneo
na praça a inviabilizar. Argumento contestado pela petição. “Estamos
conscientes dos desafios que se colocam relativamente à construção e manutenção
desta zona verde (no âmbito da segurança e das questões técnicas relacionadas
com a existência de um estacionamento subterrâneo na praça), mas acreditamos
que as melhores práticas já implementadas no mundo e nesta mesma cidade de
Lisboa poderão ser replicadas no Martim Moniz”, assevera o texto. Trata-se, no
fundo, de cumprir uma “política sustentável de planeamento da cidade”, sustenta
o argumentário disponibilizado no sítio do movimento de cidadãos.
Nele, chama-se a atenção para o facto de a existência de
dois jardins nas proximidades, o do Campo dos Mártires da Pátria e o da Cerca
da Graça, não poder ser utilizada para justificar a não criação de uma grande
área verde do Martim Moniz. Citando as próprias directiva da CML, o movimento
cívico salienta que o raio de influência dos espaços verdes locais – com áreas
entre 7500 metros quadrados e 20 000 metros quadrados – é de 300 metros. “Os
jardins mais próximos ficam a uma distância superior: 650 metros, no caso da
Cerca da Graça, 850 metros para o Campo Mártires da Pátria. Além disso, ambos
apresentam problemas de acessibilidade para a população oriunda da Mouraria e Baixa,
pois obrigam a subidas íngremes. Existe, portanto, uma vasta área desprovida
deste tipo de equipamentos”, explica-se.
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