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Eles são franceses e escolheram fazer
da capital portuguesa a sua nova casa
POR O CORVO • 5 MAIO, 2017 •
Numa semana decisiva para a França, que escolhe o seu novo
presidente da república no próximo domingo (7 de maio), O Corvo ouviu uma mão
cheia de franceses que trocaram um país com os nervos à flor da pele por uma
vida mais tranquila em Lisboa. Todos elogiam a beleza e a serenidade da capital
portuguesa. Razão pela qual, aliás, a elegeram como sítio de residência. Mas, e
apesar de serem estrangeiros, na sua maioria chegados há pouco tempo, alguns
confessam-se preocupados com o domínio crescente do turismo sobre a vida da
cidade. Outros, porém, lucram com a efervescência comercial trazida pelas
hordas de visitantes.
Texto: Rui
Lagartinho Fotografia: Líbia
Florentino
Vídeo. Imagens: Líbia Florentino Edição: Álvaro Filho
Em 1952, a parceria
Raúl Ferrão e José Galhardo escreve uma canção para a opereta “A Invasão” que
depressa saltaria os muros do Parque Mayer e se tornaria popular na voz de
Amália Rodrigues. Nela fazia-se um pedido: “Lisboa, não sejas francesa/ Tu és
portuguesa/ Tu és só para nós.”
Nessa altura, Lisboa
amava tudo o que era francês e a canção falava quase de um amor, obsessão, não
correspondido. Hoje, basta andar nas ruas de Lisboa para perceber que, ao fim
de tantos anos, tanto amor é, finalmente, correspondido. E os franceses que nos
amam fazem questão de vir à capital dizê-lo bem alto. O Corvo encontrou-se com
alguns dos que escolheram a cidade para viver.
O encontro com
Catherine Henry é no renovado Largo da Graça, na esplanada do novo “Bar a Crêpes”.
Elegante, Catherine tem aquele ar je ne sais quoi que faz com que se reconheça
o charme de qualquer mulher francesa mal nos sentamos à sua mesa.
Foi professora de
francês toda uma vida e, hoje, continua a dar aulas para estrangeiros e a
interessar-se pelo diálogo de culturas. Faz questão que se saiba que nasceu no
mesmo ano que o festival de teatro de Avignon, um par de anos depois do fim da
Segunda Guerra Mundial.
Lisboa, foi amor à
primeira vista, corria o ano de 1978. A memória de uma cidade onde o tempo
corria de forma suave, mesmo num país saído da Revolução, perdura até hoje. Tem
agora a vida com que sonhou. Reparte o tempo entre Avignon e Lisboa. Assistiu a
esta nova invasão francesa e foi esta uma da razões pelas quais deixou de poder
viver em Alfama e se mudou para a Mouraria – apesar de tudo, menos contaminada
pela inflação de turistas e preços. “Hoje, há mais restaurantes que pessoas. E
os lisboetas não têm quem os defenda. A situação em Alfama inquieta-me e
entristece-me.”
Vive rodeada de lojas
de recordações baratas. Está pronta a mobilizar-se contra os malefícios do
turismo, mas, pela pose descontraída com que recebe o sol quente da Primavera –
pés fora dos sapatos, enquanto se delicia com um crepe de chocolate e banana-, percebe-se
que tem fibra e estofo para resistir. E ir ficando.
O crepe de Catherine foi feito e servido por Laura
Fernandes, 30 anos. O pai é português e a mãe francesa. Nascida em França,
nunca aprendeu português. Juntamente com Charles, 34 anos, tinha um restaurante
de saladas na “margem sul” de Paris. Negócio que corria bem e, por isso,
quando, no final do ano passado, decidiram vir viver para Portugal, a saída foi
em grande. O “Bar à Crepes” é um sítio onde os lisboetas que amam a França têm
todas as condições para se sentirem em casa.
Os nomes dos crepes integrais – a famosa Galette Bretonne –
fazem-nos sonhar e salivar em simultâneo. Chamam-se Monica Bellucci, Alain
Delon, Catherine Deneuve, Brigitte Bardot, Jean Paul Belmondo, entre outros. Em
menos de um ano de vida lisboeta, o casal já conheceu o bom e o menos bom de
quem chega para se instalar e abrir um negócio. Laura: “Aqui eu abro a porta à
baby sitter e ela sorri de orelha a orelha. Confio logo. Em Paris, saía de casa
um pouco inquieta. Deve ser pelo facto de haver menos tensão no ar.”
Charles: “Para a
minha surpresa, a burocracia para abrir a loja foi um obstáculo fácil de
superar. Mas lidar com os fornecedores de matéria primas ou com empresas que
devem instalar uma janela ou um balcão frigorífico pode ser complicado. Não
respondem, prometem, não cumprem, adiam. Um stress.” A conversa é interrompida
pela chegada de um grupo animado de franceses – como não -, excitados com a
ideia de comerem crepes feitos comme il faut.
A poucos metros do
Largo da Graça, na Travessa da Pereira, uma artéria sem comércio, fica o
Charivari Lab. A expressão, que o dicionário português reconhece e que traduz
por “balbúrdia”, “desordem”, “chinfrim”, não podia contrastar mais com o espaço
em que entramos e com o anfitrião que nos recebe: “Aqui, a agitação é sinónimo
de revolução mental”, diz-nos Rémi, como prefere apenas ser conhecido. Quase
desassossego. De Pessoa ou de outro, pensamos nós.
Rémi, 33 anos, está em Portugal há três e, antes de abrir
esta galeria dedicada à arte digital, ao design e ao artesanato, foi homem de
sete ofícios: estudou filosofia, foi jornalista, produtor de eventos,
publicitário, actor. Quando decidiu tomar de assalto uma cidade, Lisboa
disputou a final com Copenhaga.
Fez questão de escolher um local abandonado, para não
“carregar às costas o peso de consciência de ter ocupado o local de um comércio
tradicional.” Gostava que, em Portugal, os jovens artistas acreditassem mais no
papel dos galeristas. Mora perto do Intendente e sente que os turistas estão a
tomar o poder. Diz que, se nada for feito pelas autoridades, “matam a galinha
dos ovos de ouro.”
Alguns dias depois,
quando a conversa com Nicolas já for a meio, ouviremos a mesma expressão.
Chegou a Portugal para trabalhar numa empresa de energia eólica dinamarquesa.
Quando a empresa mudou de Lisboa para Madrid, Nicolas foi convidado para
trabalhar em Copenhaga. Resolveu ficar para trás e mudar de vida. A crise
estava no seu auge e o turismo começava a ser uma bóia de salvação. A cidade
começou a ficar cheia e Nicolas começou a saltar de bairro em bairro: Largo do
Intendente, Campo de Santa Clara, Alfama e Graça. Hoje, faz visitas guiadas a
grupos, os quais procura educar no respeito pela vida local: “Se estão muito espalhados
pela rua, peço-lhes que se desviem para deixar passar a velhota que vai às
compras.”
Apesar de ser mau
para o seu negócio, Nicolas está pronto para que alguém legisle e ordene o caos
instalado: “Não me importo que me digam que tenho de reduzir os grupos que guio
pela cidade. A cidade está cheia, não cabe muito mais gente. A palavra de ordem
deveria ser limitar. Os tuk tuks, o número de hotéis, de apartamentos para
alugar e de cruzeiros são, neste momento, os grandes predadores da cidade, com os
seus turistas apressados e agressores da cidade”, diz.
O pessimismo, porém, apaga-se quando nos explica que tenta
que os franceses que descobrem Lisboa pela primeira vez façam como ele:
“Peço-lhes que se sentem, se deixem invadir por uma preguiça saudável e
observem a vida à volta. Mesmo que, para isso, tenham de desistir de ir aos
Jerónimos e fazer fila para os pastéis de Belém.”
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