terça-feira, 16 de maio de 2017

Pequeno apontamento do nível de “conteúdos” da campanha eleitoral em Lisboa OVOODOCORVO



Pequeno apontamento do nível de “conteúdos” da campanha eleitoral em Lisboa
OVOODOCORVO

Monárquicos recomendam "saia larga ou calças" a Assunção Cristas

14.05.2017 14:53 por Lusa

Assunção Cristas assinou com o MPT e o PPM um acordo de coligação para a candidatura autárquica a Lisboa
Assunção Cristas assinou este domingo com o MPT - Partido da Terra e o PPM (Partido Popular Monárquico) um acordo de coligação para a candidatura autárquica a Lisboa, com o vice-presidente do partido monárquico a defender que, para trabalhar, usa-se saia larga ou, se necessário, calças.

O vice-presidente do PPM, Gonçalo da Câmara Pereira, começou por elogiar a "experiência académica, social e política" da presidente do CDS-PP, Assunção Cristas, mas considerou que, "acima de tudo", a candidata é "uma mulher casada, que provou, como a maioria das portuguesas pode trabalhar e ter filhos", já que "não descurou o trabalho e não descurou a casa".

Depois de assinar o acordo de coligação com o CDS-PP, MPT e o PPM, na sede do CDS-PP, o vice-presidente do partido monárquico pretendeu estabelecer uma analogia entre a mulher e a cidade, afirmando que Lisboa é, neste momento, "agradável à vista e fotogénica, mas de espartilho e saia travada". "Com dificuldade em respirar e andar, não trabalha e vive da foto", disse.

"Como mulher, a dr.ª Assunção Cristas sabe bem que, para se trabalhar, não se pode usar espartilho nem a saia travada, a saia tem de ser larga e, se necessário, vestir calças, calças que ultimamente não se sabe onde andam, custam a ver", afirmou Gonçalo da Câmara Pereira, após a assinatura do acordo, na sede do CDS-PP, Lisboa.

O vice-presidente do Partido Popular Monárquico criticou o mandato de atual presidente da Câmara, Fernando Medina, afirmando que transformou a cidade numa "cidade de ócio", com muitas bicicletas e "corridinhas em fato de treino", limitando a circulação automóvel de quem trabalha e vive na capital.

Na sua intervenção, Assunção Cristas disse que a candidatura conta com o apoio daqueles partidos, mas também "é aberta a simpatizantes e conta com independentes", com o objectivo de "pôr fim a dez anos de governação socialista".

"Pensar numa Lisboa do século XXI, é uma Lisboa que olha em primeiro lugar para aqueles que são mais pobres e em situação de maior carência, que estão na Lisboa esquecida e abandonada por dez anos de governação socialista", disse.

E, em resposta ao vice-presidente do PPM, Assunção Cristas disse que tem "calçado botas e calças de ganga muitas vezes, para estar nos bairros sociais junto das pessoas que não conhecem visitas por parte do executivo camarário, exceptuando da polícia quando é para os pôr fora das suas casas".

Além da área social, Cristas disse ainda dar prioridade à mobilidade, afirmando que os que vivem e trabalham na cidade "não se conseguem mexer nem à superfície nem debaixo de terra", devido ao trânsito e aos problemas dos transportes colectivos.

Questionada pelos jornalistas, Assunção Cristas não divulgou os termos do acordo assinado no que respeita ao peso de cada partido na composição das listas e remeteu para mais tarde a divulgação do nome da coligação.

Pelo MPT - Partido da Terra, José Inácio Faria afirmou que o seu partido foi dos primeiros a apresentar candidatura própria, que retirou face ao convite do CDS-PP e elogiou a candidatura de Assunção Cristas como "de coragem, séria" e "a única viável neste momento".


"Os problemas de Lisboa com as obras, o turismo que afastou os lisboetas da cidade" foram alguns dos pontos críticos identificados pelo dirigente do MPT, considerando que a candidatura para terminar com "dez anos ininterruptos de governo socialista é para ganhar".

Espartilho e saia travada ou botas e calças de ganga

E, pergunto eu, quem é que esta gente julga que é? Presumem que governar uma cidade é dar pão aos pobres, como se dá milho aos pombos?

RUTE LIMA
16 de Maio de 2017, 5:41

Estava eu a sair de uma conferência alusiva à Europa e à importância do Parlamento Europeu, maquilhada, vestindo calças justas, salto alto, blazer cintado (sem espartilho) e um penteado lindo de morrer, quando sou surpreendida com uma notícia que dava conta do mais puro machismo, vomitado com orgulho pelo vice-presidente do PPM, Gonçalo da Câmara Pereira, e com a candidata Assunção Cristas, do CDS-PP, a assistir, sorridente.

Pude ver, segundos depois, o vídeo da assinatura do acordo coligatório entre o CDS-PP e o PPM para as autárquicas 2017. Tive vergonha, muita vergonha. Por dois motivos. Primeiro, pela forma e tom com que Gonçalo da Câmara Pereira alude, de forma encapotada, às mulheres e sua indumentária. Depois, pela forma simpática e sorridente com que Assunção Cristas “embuchou” aquelas palavras, como se ela própria de um homem se tratasse, rematando, para piorar o cenário já por si “horribilis”, que calça botas e veste calças de ganga para visitar bairros sociais.

Este momento só pode ter sido um take de ensaio para um programa de humor, mas negro. As primeiras palavras, claro, vão para o cavalheiro monárquico, mas extensíveis à candidata. Se percebesse alguma coisa de mulheres do atual século, ao invés de as ver só a passear na Avenida, iria perceber que a mulher atual já não quer saber, sequer, da opinião do homem para a escolha da indumentária. Iria perceber que a mulher, após vários séculos de luta pela igualdade plena de direitos, de luta pela exigência e alcance de respeito enquanto mulher, mãe e trabalhadora, já não tem paciência nem admite manifestações machistas, excêntricas, grosseiras e grotescas de devaneios despropositados por parte de homens desajustados do atual contexto social e politico.

É absolutamente inadmissível este tipo de desconsiderações por parte de quem devia ter a responsabilidade única de possuir, de forma inata, uma postura orientada para a igualdade dos direitos humanos, em especial a de género, com a agravante de a candidata do CDS-PP aceitar de forma cúmplice esse manifesto de machismo escandaloso, provavelmente considerando, de forma convicta, que o seu dever é somente viver para cuidar da casa, dos filhos, do marido, trabalhando sim, mas de saia larga como antigamente. Tive, efetivamente e com desgosto, uma visão do inferno. Não vale tudo, não podemos perder o Norte.

Mas logo de seguida, segundos depois, percebi porque não acabou a candidata Assunção Cristas com aquele discurso vergonhoso (eu tê-lo-ia feito e ainda rasgava o acordo!). A própria teve a coragem de dizer “eu tenho calçado botas e calças de ganga muitas vezes para estar nos bairros sociais...” e aqui eu própria quase fui vítima de uma síncope. Uma declaração minada de preconceito, uma declaração minada de uma pseudo e ilusória superioridade social de dar pena, de fazer chorar as pedras da calçada.

Referiu depois e ainda que “pensar numa Lisboa do século XXI é uma Lisboa que olha em primeiro lugar para aqueles que são mais pobres e em situação de maior carência, que estão na Lisboa esquecida e abandonada por dez anos de governação socialista". Palavras doces proferidas por alguém que ajudou o anterior Governo, durante quatro anos, a empobrecer os portugueses e o país. Palavras demasiado doces para quem contribuiu até para que cidadãos dos tais bairros sociais em que ela adora passear de botas e calças de ganga fossem desalojados. Palavras doces para quem a caridadezinha se sobrepõe à dignidade e à igualdade de oportunidades.

A grande tristeza destas observações indecorosas, toscas e grosseiras é percebermos que em pleno século XXI, onde a palavra de ordem é “incluir, pensar igual, planear igual, governar igual para cidadãos e cidadãs que são e se querem diferentes”, tenhamos iluminados monárquicos e de direita a quererem fazer-nos retroceder mentalmente para um mundo machista, desigual, vergonhoso e preconceituoso.

E, pergunto eu, quem é que esta gente julga que é? Presumem que governar uma cidade é dar pão aos pobres, como se dá milho aos pombos? Para longe, bem longe com as vossas saias largas, com as vossas botas e calças de ganga. Lisboa e o pais precisa, à frente dos seus destinos, de gente de verdade.

A autora escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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