quinta-feira, 11 de maio de 2017

Salões de bilhar de Lisboa são locais de aprendizagem e devoção à modalidade

Ao ler este texto além dos magnificos locais descritos , agora perdidos, só me vinham à memória imagens do Jardim Cinema agora transformado em loja chinesa ...
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Salão de jogos Monumental transformado em loja chinesa
FRANCISCO NEVES 23/06/2006




Salões de bilhar de Lisboa são locais de aprendizagem e devoção à modalidade

POR O CORVO • 12 MAIO, 2017 •

No início do século XX, a prática do bilhar teve um crescimento exponencial na cidade. Havia, à época, centenas de lugares onde se podia jogar e milhares de pessoas a frequentá-los. Hoje, pouco resta do fulgor desses tempos. E o bilhar que se joga nem sequer é o mesmo. Mas os que o praticam fazem-no por confessa veneração a uma modalidade que continua a fascinar muita gente e a atrair novos praticantes. O Corvo visitou alguns dos locais de Lisboa onde a prática de bilhar de carambola, de snooker e de pool são mais que meros passatempos. E aprendeu as diferenças.

 Texto: Isabel Dias                 Fotografias: Paula Ferreira

 Lisboa foi, durante dois séculos, e até meados dos anos 1970, uma cidade apaixonada pelo bilhar. A primeira mesa de que há notícia surgiu em França, na corte de Luís XI, em meados do século XV, mas o jogo só chegou a Portugal no reinado de D. João V, um século e meio depois, havendo, no Palácio Nacional de Mafra, uma mesa de bilhar datada de 1706.

 Em finais do século XVIII, este jogo já tinha ultrapassado os limites da corte e dos salões da aristocracia lisboeta, como explica Nicolau Tolentino, poeta que viveu entre 1740 e 1811, no poema “O Bilhar”: “Mora defronte roto guriteiro/ com jogo de bilhar e carambola/ onde ao domingo o lépido caixeiro/ co’a loja do patrão vai dando à sola./ Gira no liso, verde tabuleiro/ de indiano marfim lascada bola/erguendo aos ares perigosos saltos:/chamam-lhe os mestres d’arte ‘truques altos’. Ali se junta bando de casquilhos/a que o vulgo mordaz chama “rafados”: alto topete, prenhe de polvilhos,/que descalço galego deu fiados;/ de quebrados tafuis vadios filhos,/ pelas vastas tablilhas encostados,/altercam mil questões; prontos contendem,/ prontos decidem no que nada entendem.”



Como explicam estes versos, o bilhar popularizara-se nos finais do século XVIII, mas continuava a ser um dos divertimentos favoritos dos reis e da nobreza. Na remodelação do Palácio da Ajuda, realizada em 1861, e encomendada ao arquitecto da corte, Joaquim Possidónio da Silva, foi incluída uma sala de bilhar, instalada no piso térreo do palácio, para deleite e desfrute do monarca então reinante, D. Luís.

 O seu irmão e antecessor no trono, D. Pedro V, falecido aos 24 anos, também mandara instalar uma no Palácio de Queluz. No Ramalhete, a residência lisboeta dos Maias, descrita por Eça de Queirós como o expoente máximo da época – finais do século XIX – em termos estéticos e de conforto, não faltava também uma mesa de bilhar e “o ruído surdo das carambolas” ouvia-se em fundo de conversa.

Que, no século XIX, este jogo já era praticado em Lisboa por todas as classes sociais, é um facto confirmado por Maria Alexandra Lousada, investigadora do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. No seu artigo “A rua, a taberna e o salão: elementos para uma geografia histórica das sensibilidades do antigo regime”, ela afirma que o bilhar era um jogo “tipicamente urbano, praticado no interior de uma sala e adequado ao espaço e à clientela dos cafés”, referindo que “entre 1810 e 1833, foi possível recensear cento e sete locais com mesas de bilhar entre o Cais do Sodré e São Paulo, entre o Loreto e São Roque e no Rossio e imediações”.

O bilhar que então se jogava era o bilhar francês, chamado de carambola ou de partida livre, sem bolsas para enfiar a bola, sendo o bilhar com bolsas, ou seja, o snooker e o pool, inovações posteriores. O snooker foi criado nas Índias britânicas por um militar ali destacado, de nome Chamberlain, para, reza a história, resolver a dificuldade dos oficiais em jogar o bilhar de carambola. O pool, criado por emigrantes irlandeses nos Estados Unidos da América, é a modalidade mais fácil do bilhar com bolsas e a mais popular em Portugal desde os anos 80 do século XX – existindo mesmo um pool português, jogado numa mesa com oito pés, menor do que a mesa regulamentar, de nove pés.

“O bilhar de carambola, livre ou às três tabelas, é mais difícil de jogar. Para quem assiste, pode ser até bastante aborrecido. Mas, para quem joga, é viciante”, afirma Pedro Dominguez, director da Academia Bola Branca, o único lugar na cidade onde se pode obter formação em carambola. Dominguez, de 48 anos, advogado de profissão, nascido em Vigo de pais galegos, mas naturalizado português, estudou em Lisboa, onde vive e trabalha, e confessa ser um “apaixonado” por esta modalidade. Movido por essa paixão, fundou, em 2014, a Academia Bola Branca, uma associação desportiva onde, além de aulas de bilhar, também se joga de forma simplesmente recreativa.

“A carambola é uma modalidade ameaçadíssima. Tentamos aqui combater a tendência geral no sentido da sua extinção. É muito mais difícil que o snooker ou o pool, mas é um jogo apaixonante e que tem muito para dar aos jovens. Estimula os hábitos de raciocínio, de tomada de decisão eliminando ideias parasitas, é uma espécie de jogo mental. Os estudantes universitários de engenharia e economia são os melhores jogadores de carambola às três tabelas. Tudo neste jogo é geometria, física e matemática”, explica Pedro Gonzalez.

Com base nesta ideia, o fundador e director da Academia Bola Branca criou um sistema bola/efeito que permite “acertar com precisão total”. “O método ainda não tem nome. O livro que escrevi a ensiná-lo vai ser editado em breve. Mas aqui, na Bola Branca, já o pomos em prática, com bons resultados, está tudo ali, explicado naquela parede”, acrescenta, apontando para um desenho cheio de tabelas e números a identificar linhas e planos, nada fácil de compreender.


É com manifesto orgulho que Pedro Gonzalez afirma: “Na Bola Branca, temos 31 jogadores federados que começaram a jogar carambola aqui”. A escola funciona aos sábados e domingos para não federados e às quartas e sextas para federados, e os bilhares – muito bem cuidados – estão acessíveis todos os dias, das 17h às 24h, a quem queira jogar, como recreio. “Vêm pessoas de todas as idades, dos 10 aos 80 anos”, sublinha.

Com o bilhar de carambola praticamente confinado, em Lisboa, à Bola Branca, longe vão os tempos em que uma multidão acorria aos Bilhares do Rossio, para admirar a fabulosa técnica de Alfredo Ferraz, o primeiro português a conquistar o título de campeão mundial de bilhar, no ano de 1939, na modalidade de bilhar livre. Foi, aliás, a brilhante carreira deste jogador – que hoje dá nome a uma rua de Carnide – que levou à criação da primeira organização oficial do bilhar em Portugal, a Associação Portuguesa dos Amadores de Bilhar.

Também no Rossio e ruas e praças mais próximas existiam, na primeira metade do século XX – a época de ouro do bilhar em Lisboa -, vários outros cafés com mesas para a prática da modalidade, entretanto desaparecidos: um deles era o Café Portugal, hoje uma sapataria, inaugurado em 1938, projectado pelo arquitecto Cristino da Silva e decorado com belos frescos de Jorge Barradas.

Idêntico destino tiveram, ainda no Rossio, o Café Chave d’Ouro e o Nicola, cujos salões de bilhar, no primeiro andar, tinham entrada pela Rua 1º de Dezembro. Fechou o Café Nacional, na mesma rua, a Brasileira do Rossio, o Martinho, na Praça D. João da Câmara, o Palladium, nos Restauradores, junto ao Elevador da Glória, e o Estrela d’Ouro, no último quarteirão ímpar da Rua da Prata, onde se reuniam muitos dos comerciantes da Baixa, isto para só falar dos mais importantes.

Noutras zonas da cidade, também muito frequentados eram o Café Continental, na Avenida Almirante Reis, junto à Praça do Chile, o Império, na esquina com a Alameda Afonso Henriques, o Londres, na Praça de Londres, o Café San Remo, na Avenida Duque de Ávila, o Café Monte Carlo, na Avenida Fontes Pereira de Melo. A Cervejaria Portugália continua aberta ao público, mas sem mesas de bilhar, como antigamente.

Também se jogava bilhar de carambola nas colectividades de cultura e recreio, e citam-se algumas: Grémio Lisbonense, Alunos de Apolo, Atlético Clube de Portugal, Ateneu Comercial de Lisboa, Ateneu Ferroviário, Clube do Bairro Estrela d’Ouro, Clube Estefânia, Belém Clube, Casa das Beiras e Casa do Alentejo. O Jardim Cinema, na Avenida Álvares Cabral, onde gerações de jovens gastaram, durante anos, grande parte do seu tempo livre a jogar bilhar, foi dos últimos salões de jogos a encerrar portas, já nos anos 80.

“Até aos anos 70, havia dezenas de milhares de lisboetas a jogar bilhar e centenas de lugares com mesas. Estou a falar de bilhar de partida livre, o pool apareceu só nos anos 80, mas, quando apareceu, passou a dominar, porque é muito mais fácil. As pessoas chamam-lhe snooker, mas o que jogam é pool. O snooker, há que dizê-lo, é um jogo mais complicado do que a pool. Seja como for, com isto, o bilhar estupidificou-se, perdeu os cavalheiros, ficou cheio de gente do submundo, e a sociedade passou a vê-lo como uma actividade associada à má vida. É também isso que tentamos contrariar aqui”, sublinha Pedro Gonzalez.

 Hoje em dia, jogar bilhar de carambola ou de partida livre é possível apenas na Academia Bola Branca e nos estádios do Benfica e do Sporting, para quem for atleta. Quanto ao pool, joga-se em vários lugares da cidade, como o Magic Pool, o Zeit Not ou o Cocas Place, todos eles funcionando numa lógica de exploração comercial. A prática do snooker, por sua vez, está limitada a um único estabelecimento, o Snooker Club, instalado numa ampla e confortável cave, na Travessa do Salitre, entre o Parque Mayer e a Rua do Salitre.

O ambiente que aí se respira é semelhante ao de um clube inglês: revestimentos a madeira, luzes baixas, bebidas ao alcance da mão. Dez mesas de bilhar – quatro de pool português, quatro de pool internacional e duas de snooker – ocupam quase todo o espaço. Fundado em 1989 por António Almeida, já falecido, o Snooker Club conheceu algum declínio em anos recentes, até ter novos proprietários. Um deles é Miguel Sancho, antigo vice-presidente da Fundação Portuguesa de Bilhar e actualmente comentador do desporto na Eurosport. “Pegámos na casa em 2015, isto estava bastante mal, desde o falecimento do anterior proprietário e fundador. Mas estamos a recuperar muito bem, este é um negócio com público, vem aqui gente de todas as idades, muitas mulheres”, afirma Miguel Sancho.

Por estranho que pareça, o Snooker Club é também a sede do Futebol Club do Porto na modalidade de bilhar, e também a sede da Peña Barcelonista, uma organização formada por apoiantes do Barcelona que escolheu aquele local para se reunir. Isto porque, ali mesmo ao lado, funciona o Consulado de Espanha, sendo o Snooker Club, por essa razão, frequentado por muitos espanhóis. Quando o Corvo ali se deslocou em reportagem, a música de jazz que se ouvia em fundo não parecia perturbar os jogadores concentrados em volta das mesas onde se disputava o campeonato do Sindicato dos Bancários. É que, além de horários de lazer, o Snooker Club também organiza torneios. E tem ainda aulas de bilhar, mas na modalidade de pool, em que o professor é Henrique Correia, “um dos grandes nomes do bilhar em Portugal”, segundo Miguel Sancho.







Entre a Bola Branca, mais escola do que bar, e o Snooker Club, mais bar do que escola, o bilhar pode não ter desaparecido de Lisboa. Mas, decididamente, a sua época áurea já passou.

 Moradas:

 ACADEMIA DE BILHAR BOLA BRANCA

Rua Pinheiro Chagas nº 19 – cave. Picoas

 SNOOKER CLUB DE LISBOA

Travessa do Salitre nº 1

 MAGIC POOL BAR

Rua Augusto Gil nº 30 ( paralela à Av de Roma )

 ZEIT NOT POOL

Rua João Saraiva nº 13 – 2º Alvalade

 COCAS PLACE


Rua Manuel Ferreira de Andrade nº 2 Benfica

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