segunda-feira, 29 de maio de 2017

“A cidade pode ter turistas, mas os turistas não devem ter a cidade”


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“A cidade pode ter turistas, mas os turistas não devem ter a cidade”

Doug Lansky já viajou por mais de 100 países e escreveu vários guias de viagens. O “globetrotter” norte-americano é um dos oradores da conferência Green Project Awards 2017 dedicada ao Turismo Sustentável, que decorre em Évora a 1 de Junho. Em entrevista telefónica ao Expresso deixa alguns conselhos sobre o que fazer perante a multiplicação crescente de turistas

CARLA TOMÁS
27.05.2017 às 22h00

Autor de três Lonly Planets e outros tantos Rough Guides, o norte-americano de 47 escolheu Copenhaga, na Dinamarca, como local de residência. Doug Lansky é também colunista de vários jornais e revistas como a National Geographic Traveler, o Guardian ou o Huffington Post e consultor na área do turismo. Conhece Lisboa e Portugal de passagem. Passou pelo Algarve “há muitos anos como backpaker” e há uns cinco anos por Lisboa, a caminho do Brasil. Agora diz estar curioso por “experimentar” a nova dinâmica da capital portuguesa.

Viajar hoje é muito mais barato e rápido do que há uns anos. Mas é sustentável?
Não, não é. Quem fica com a maioria dos proveitos do crescimento rápido do turismo são as empresas internacionais que gerem as cadeias de hotéis, restaurantes ou lojas e as entidades locais que têm de gerir os recursos naturais ou os impactos culturais não recebem quase nada. Como qualquer outra indústria esta também precisa de regulamenção para ter um crescimento inteligente e sustentável.

Que tipo de regulamentação?
É possível colocar um limite ao número de cruzeiros que atracam nos portos de uma cidade, ou ao número de autocarros, voos diários ou quartos de hotel disponíveis. Mesmo que um aeroporto possa receber por dia um milhão de pessoas, isso não significa que a cidade tenha capacidade para receber assim tanta gente. Em Barcelona, por exemplo, limitaram o número de hotéis que podiam construir ou ao número de airbnb no centro da cidade.

O turismo cresceu mais de 4000% desde meados do século XX. É um número brutal?
O turismo internacional está a crescer muito mais depressa que a população mundial: Entre 1950 e 2013, o turismo cresceu mais de 4000% enquanto a população cresceu 190%. Estamos em sarilhos. Dentro de meia dúzia de anos haverá locais que vão ter o dobro dos visitantes que têm hoje. Onde os vamos meter? A cidade pode ter turistas, mas os turistas não devem ter a cidade.

Quem vive em Lisboa já se queixa. Que conselhos dá?
Há instrumentos para controlar o excesso de turistas. Por exemplo, pode-se usar a tecnologia para satisfazer a procura com maior transparência, permitindo a quem marca um bilhete de avião, um hotel ou uma visita a um museu poder ver quantos bilhetes ou quartos restam para o mesmo destino àquele preço e qual a fila. É uma forma de ajudar o turista a organizar a sua viagem e o seu tempo.

Há cada vez mais pessoas a viajar. Como garantir que é sustentável para as cidades que as recebem, tendo em conta os consumos de água e de energia por exemplo?
É preciso saber quantas pessoa um destino aguenta de modo a que essa estadia possa ser confortável e agradável. Quantos visitantes aguenta Lisboa? Ninguém tem uma resposta para isso, estou certo. Precisamos de saber quando é que o colar aperta: se é quando o tráfego aumenta ou as pessoas não conseguem caminhar nas ruas, ou se é quando as filas ficam demasiado longas nos museus ou o abastecimento de água começa a ter problemas. Quando se chegar a esse número pode-se estabelecer um limite à entrada na cidade ou tomar medidas para adaptá-la a um colar mais largo, aumentando o fornecimento de energia renovável ou estabelecendo horários diferenciados para a entrada num museu, por exemplo. É preciso encontrar o número de visitantes que uma cidade aguenta para se poder crescer de modo orgânico com o aumento dos turistas.

Há países ou cidades que já estão a usar esse tipo de mecanismos?
Há um sítio chamado Glacier Bay, no Alasca, onde limitaram a atracagem dos navios de cruzeiro na baía e são os rangers do parque natural que vão ao navio falar sobre os glaciares. Os passageiros não chegam a desembarcar. Em geral, os viajantes de cruzeiros gastam muito pouco dinheiro em terra. Compram uma t-shirt ou tomam um café, usam o WC e voltam para o navio. Se é necessário limitar quem entra numa cidade é importante observar o impacto económico desses visitantes. Parece louco deixar um passageiro de cruzeiro que gasta apenas 15 euros por dia entrar e ao mesmo tempo impedir o alojamento a um casal que gasta mil euros numa noite.

Não é elitista pensar que só quem tem muito dinheiro para gastar é que deve poder viajar?
Claro que pode ir nessa direção. Um destino pode tornar-se mais caro para fazer a seleção dos turistas. Mas se se limitar a entrada dos menos abonados, torna-se o destino demasiado exclusivo. É importante ter uma mistura de visitantes, incluindo backpackers, estudantes, idosos e turistas com mais dinheiro.

Uma cidade pode fechar as portas aos visitantes?
Na verdade pode. Se souberem que as principais atrações estão cheias, as pessoas podem decidir não ir. Também se podem criar vistos de turismo, por exemplo. Vamos fazer um exercício e pensar que Lisboa pode receber 10 mil pessoas por dia e assim não haverá filas em todo o lado. Os turistas são bem vindos para visitar um familiar, ir a um congresso ou fazer uma visita cultural, mas se quiserem visitar um monumento terão de ter um passe cultural, que pode custar €1 ou €100. Podem existir mil passes gratuitos para estudantes, outros mil a €30 e 100 a €100 euros por dia para um last minute VIP.

E para onde iria esse dinheiro?
Para arranjar as ruas ou ter melhores casa de banho públicas ou wifi e cacifos gratuitos, por exemplo. Façamos outro exercício tendo como cenário um parque de diversões. Queremos aumentar o número de visitantes e para isso construímos uma nova montanha russa. Mas para receber mais pessoas, precisamos de mais três casas de banho, dois restaurantes e um snack bar. Tudo tem de crescer. Se queremos mais turistas precisamos de mais casas de banho públicas e de mais hotéis ou de reordenar as praias.

Cidades como Roma, Paris ou Londres estão em sarilhos?
Sim estão em sarilhos.

Os seus conselhos têm sido seguidos nalguma dessas cidades?
Não, que eu saiba. Acho que começam a pensar no assunto. Mas o dinheiro continua do lado do marketing. E continuam a pressionar o acelerador, quando deviam carregar no travão. Estes locais estão cada vez mais iguais a Veneza e a tornarem-se uma cidade sem alma. O verdadeira alma de uma cidade, o que a torna autêntica são as pessoas e o seu ritmo natural. Quando se metem demasiados visitantes lá dentro vai-se perder essa autenticidade.

E só ganham as grandes corporações?
Os turistas de massa que querem ir ao Burguer King ou ao MacDonalds e ficar no Marriot continuam a ir e estas multinacionais continuam a ter grandes lucros. É o que acontece nos resorts com "tudo incluído" das Caraíbas. Nestes casos, apenas cerca de 10% das receitas chega de facto às populações dessas ilhas. A maioria dos rendimentos fica no quartel-general das grandes corporações. O mesmo acontece com as grandes marcas de fast food ou vestuário low cost.

Os Governos deviam pensar mais no assunto e ter uma outra resposta para o problema?
Sim, mas eu não sei bem qual é a resposta certa. Posso levantar hipóteses, como por exemplo dizer que as taxas aplicadas a um hotel que seja propriedade de um local deve ter taxas mais baixas que o de uma cadeia internacional. Porque é que um Hilton há de pagar os mesmos impostos que um pequeno hotel detido por empresário local cujas receitas serão investidas localmente...

O regime do Airbnb enquadra-se nessa ideia de gestão local?
Sim se for detido por pessoas locais. Mas o Airbnb também precisa de ser regulado. O problema é que quando um bairro quase inteiro está em regime de Airbnb, deixa de haver comunidade local e a alma desse local morre. Passa a ser um aldeamento turístico. É preciso saber quantos visitantes pode uma cidade receber sem ficar apinhada e sem perder a alma.

Acha que as cadeias de hotéis estão genericamente mais preocupadas com as questões de sustentabilidade ambiental, relacionadas com a poupança de água e energia?

Acho que é uma direção a seguir e alguns já avisam os clientes para não deitarem as toalhas para o chão todos os dias para poupar água, ou usam painéis solares para produzir energia. E isso é importante. É verdade que estamos a usar demasiada água quando vamos de férias. Há números sobre isso, Até parece que as pessoas não fazem mais nada se não tomarem duche todo o dia quando estão de férias. É preciso educar as pessoas.

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