Andamos a temperar a comida com sal
que tem microplásticos
Estudo analisou 17 amostras de sal de
mesa vendido em oito países (incluindo Portugal) e confirmou contaminação com
microplásticos. Uma das três amostras portuguesas testadas atingiu o máximo
observado com dez microplásticos por quilo de sal.
ANDREA CUNHA FREITAS 5 de Maio de 2017, 6:45
Sim, é verdade, andamos a temperar a nossa comida com
microplásticos. Mas, calma, não é (ainda) caso para alarme. Uma equipa de
cientistas procurou minúsculas partículas de plástico em 17 marcas de sal
vendidas em oito países, incluindo Portugal. A maioria estava contaminada mas
com doses baixas, que dificilmente têm qualquer efeito imediato na saúde dos
consumidores. O problema é que estas “microbombas” estarão em muitos outros
produtos que vêm do mar (e não só).
“Os plásticos são o lobo mau do século XXI”, avisa Ali
Karami, investigador na Faculdade de Medicina e Ciências da Saúde da
Universidade Putra, na Malásia, e principal autor do artigo publicado na
revista Scientific Reports, do mesmo grupo da revista Nature. O processo é
simples. Todos os anos despejamos entre cinco e 13 milhões de toneladas de
plásticos para os oceanos. A luz solar e a água desfazem este lixo até às mais
minúsculas partículas. Quando têm menos de cinco milímetros são chamados
“microplásticos”. Fazem, por isso, parte da dieta de muitas espécies marinhas,
desde o zooplâncton (que serve de alimento a outros animais) até às baleias. A
este ingrediente que envenena o mar, o homem conseguiu juntar ainda outros como
as microesferas plásticas, que estão em muitos produtos de higiene e cosmética
(pasta de dentes, champô, gel de banho ou detergentes) e que, depois do esgoto,
também acabam nos oceanos. Mas, tal como na história do feitiço que se volta
contra o feiticeiro, há uma parte do plástico que despejamos no mar que estará
a voltar para nós, em pedacinhos minúsculos, em tudo o que retiramos de lá.
Incluindo, como prova este estudo, o sal.
E, aparentemente, o plástico que regressa será ainda pior do
que o que deitamos ao lixo. “Os plásticos funcionam como esponjas e, por isso,
conseguem absorver um elevado volume de contaminantes da água onde estão. Como
normalmente ficam na água durante bastante tempo, existe a oportunidade para
absorverem uma quantidade significativa de poluentes”, explica Ali Karami.
O cientista fala em “microbombas”. “Os microplásticos podem
libertar poluentes no nosso organismo que, a longo prazo, podem provocar
problemas de saúde. Por isso, dizemos que são microbombas”, explica o
investigador, em resposta ao PÚBLICO, sublinhando que o perigo não será muito
elevado tendo em conta o reduzido tamanho destas partículas. Assim, conclui,
“apenas o consumo contínuo e a longo prazo de produtos com microplásticos será
motivo para preocupação”. Infelizmente, presume-se, que seja precisamente isso
que esteja a acontecer. “Estamos a consumir microplásticos em vários produtos,
incluindo marisco, mel e até cerveja. Assim, o sal não é o único culpado”,
avisa Ali Karami.
O que o estudo liderado por investigadores na Malásia, com a
colaboração de cientistas em França e no Reino Unido, fez foi, precisamente,
confirmar que o sal é um das boleias que o plástico apanha para fazer a viagem
de regresso até nós. Como? Procuraram microplásticos em 17 marcas de sal à
venda na Austrália, França, Irão, Japão, Malásia, Nova Zelândia e África do
Sul. “Os microplásticos só estavam ausentes numa das marcas, enquanto as outras
continham entre um a dez microplásticos por quilo de sal”, referem no artigo.
Três das amostras analisadas eram portuguesas e são marcas que são actualmente
comercializadas.
A análise foi particularmente cuidadosa se tivermos em conta
que os cientistas só procuraram microplásticos até um milímetro de tamanho (a
regra mais comum e geral é considerar as partículas com menos de cinco
milímetros). Além de microplásticos, foram encontradas outras coisas no sal.
Assim, das 72 partículas extraídas de todas as amostras, 41,6% eram polímeros
plásticos, 23,6% eram pigmentos (associados muitas vezes a aditivos colocados
nos plásticos), 5,5% eram carbono livre e 29,1% ficaram por identificar.
Num dos gráficos do artigo, encontra-se informação mais
detalhada sobre as análises às diferentes amostras. Uma das três marcas
portuguesas analisadas destaca-se pelos piores motivos, alcançando o máximo
registado de dez partículas de microplásticos (nylon, polipropileno,
polietileno, entre outros) por quilo de sal. As outras duas marcas não
continham qualquer partícula de polímeros plásticos mas, em compensação, tinham
partículas de diversos pigmentos.
Em resposta ao PÚBLICO, Ali Karami refere ainda que a
possibilidade de contaminação das amostras pelas embalagens (algumas delas eram
de plástico) foi tida em conta e descartada. “Assegurámos que a fonte dos
microplásticos na amostra do sal não era a embalagem”, confirma. No artigo, os
cientistas acrescentam que o facto de alguns dos fragmentos encontrados estarem
já bastante degradados indica que já se encontravam há muito tempo no ambiente.
“Estão em todo o lado”
“É preocupante saber que o sal, um ingrediente que se usa
com muita frequência na alimentação, pode estar contaminado com microplásticos.
Mas se estou surpreendida com isso? Não, não estou nada surpreendida com isso.
Tenho a certeza que encontraremos o mesmo tipo de compostos e partículas
noutros produtos alimentares que nunca foram analisados”, reage Paula Sobral,
professora na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
que coordenou o projecto Poizon, dedicado à investigação sobre microplásticos
nos oceanos. “Este estudo confirma que os microplásticos estão em todo o lado.
São coisas que não vemos mas existem”, diz, juntando ainda a esta fotografia
“todas as fibras sintéticas que se desprendem todos os dias para o meio
aquático e não só”. “Basta olhar para um raio de sol a entrar por uma janela
para ver uma data de partículas suspensa, muitas são microfibras sintéticas”,
acrescenta.
A investigadora nota, no entanto, que sobre a investigação
científica nesta área está ainda numa fase inicial e com muitas incertezas e
que falta, por exemplo, fazer uma cuidadosa análise de risco sobre os
microplásticos. “Não temos nenhuma bitola. Não sabemos até que ponto é que há
um risco ou não”, afirma ao PÚBLICO, defendendo que o que podemos dizer, para
já, é que “existe um perigo potencial”.
Por outro lado, acrescenta, há muito plástico no mar mas
também em terra. “O plástico afirmou-se com algo de imprescindível e essencial
no nosso quotidiano e, para nós, ainda representa mais uma conveniência do que
um perigo”, diz, esclarecendo que não existe qualquer legislação específica
sobre os microplásticos.
Os autores do estudo defendem que as quantidades de
microplásticos encontradas no sal (de Portugal e dos outros países) não são
suficientes para ter qualquer tipo de impacto na saúde. Até porque, adiantam, o
consumo máximo de partículas antropogénicas (que resultam da actividade do
homem) para um indivíduo estará em 37 partículas por ano. Porém, a verdade é
que ainda não se sabe muito sobre os microplásticos. Nem sobre as possíveis
fontes, as quantidades que “entram” em alguns produtos ou o mal que nos podem
fazer à saúde.
“Os estudos em
microplásticos estão numa fase muito inicial”, concorda Ali Karami, que
acrescenta: “Ainda não sabemos quantos outros produtos estão contaminados com
microplásticos, mas acreditamos que a maioria dos produtos que vêm do mar
provavelmente tem. Por isso, os microplásticos no sal serão apenas uma
minúscula parte da orquestra.” Antes deste estudo apenas tinha sido publicado
(em 2015) um outro trabalho por investigadores na China, mas que apenas dizia respeito
às análises de sal da China, comprovando a sua contaminação com microplásticos.
Agora, foi analisado sal de várias partes do mundo que confirma um efeito a
nível global.
Portanto, o investigador revela que encontraram
microplásticos no sal, ao mesmo tempo diz-nos que isso (por si só) não nos fará
mal mas logo a seguir acrescenta que o mais provável é que os microplásticos
estejam em muitos outros produtos. O que, no final das contas e ao fim de algum
tempo, nos poderá fazer mal. Perante isto, o que fazer?
É preciso saber mais sobre este problema para conseguir uma
imagem mais completa, acredita Ali Karami. “Estamos a fazer vários estudos,
cujos resultados ainda não foram publicados, e encontrámos microplásticos
noutros produtos que vêm do mar. Infelizmente, a maioria dos produtos que
testámos também está contaminada”, adianta ao PÚBLICO, concluindo que “o nosso
planeta está a ser silenciosamente conquistado por estas microbombas”. Mais:
“Se os microplásticos estão nestes produtos, isso significa que é impossível
removê-los porque são tão minúsculos e tão numerosos.” Então, mais uma vez, o
que fazer? “As autoridades de saúde devem começar a monitorizar regularmente a
presença destas microbombas. E, além disso, devem ser estabelecidas novas
regras para garantir a segurança dos consumidores, assegurando que os produtos
não contêm microplásticos.” Isso quer dizer que, nesse futuro com regras, a
amostra portuguesa que continha dez partículas de microplásticos por quilo de
sal deveria ser retirada do mercado? “Possivelmente, sim”, responde o
investigador.
A maioria das pessoas não sabe que pode estar a ingerir
plástico na comida, admite Ali Karami que também acredita que os próprios
produtores de sal, neste caso, desconhecem esta realidade. E, insiste o
cientista, é preciso frisar que o sal não será seguramente a única fonte de
microplásticos na nossa dieta.
A verdade é que a culpa não é do sal, nem de qualquer outra
boleia que o plástico poderá estar a aproveitar para entrar nos nossos
organismos e, potencialmente, prejudicar a nossa saúde. A culpa é mesmo toda
nossa. Afinal, quem é que levou o plástico para os nossos oceanos?
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