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A política francesa vista com sotaque
português e um tique Le Pen
O que leva os emigrantes, e os
descentes de emigrantes da Europa do Sul, a simpatizar com o partido de Marine
Le Pen? Há estudos que mostram a ligação e há esforços da comunidade portuguesa
em França para contrariar essa tendência.
Clara Barata
CLARA BARATA em Paris 3 de Maio de 2017, 7:00
O jogo é o Benfica-Estoril, ao fim da tarde um sábado ameno
em Paris, que permite gozar de uma esplanada ao fim da tarde. Mas para os
indefectíveis do clube das águias, é melhor sofrer lá dentro, a olhar para a
televisão de écrã grande que está colocada a um canto do Café do Chateau Chez
César e Paulo, um ninho de benfiquistas na capital francesa. O que pensam de
Marine Le Pen? O tema da política não é o primeiro que vem à cabeça da
clientela, mas quase ninguém se furta de o discutir - a segunda volta das
presidenciais é já domingo.
“Eu não voto, porque não tenho nacionalidade francesa, mas
se votasse era na Marine Le Pen”, diz o taxista Igor Gonçalves, madeirense de
32 anos, há 15 emigrante em França, onde casou com “uma rapariga do Norte” e
tem um filho, já nascido ali. “Actualmente há uma demagogia dos partidos, que
já não pensam no povo. Só pensam neles.”
“Levo muitas pessoas no táxi que votam em Marine Le Pen não
porque são racistas, mas por outros motivos, que se arrastam há anos. E o
Governo usou o artigo 49.3 da Constituição para passar à força leis sem serem
votadas pelo Parlamento [incluindo reformas concebidas pelo ex-ministro da
Economia e agora candidato independente Emmanuel Macron], é por isso que as
pessoas vão votar nela”, diz o taxista português a ver o jogo.
A António Alves, de 70 anos, também taxista, há 44 anos anos
em França, “Marine Le Pen não diz nada”. Macron também não. “François Fillon [o
candidato da direita tradicional, eliminado na primeira volta] seria o melhor
Presidente, para meter um bocado de rigor em França”, diz este homem que não
pára de trabalhar, apesar de já ter passado bem a idade da reforma. “Falta
segurança e disciplina, o país está à deriva. Perdeu-se o respeito, cada um faz
o que quer.”
António Alves também não vota, apesar de estar há tanto
tempo em França, mas interessa-se pela política do país em que vive. E pode-se
dizer que, com a sua preferência por Fillon, corresponde ao escalão etário dos
eleitores de Fillon, que obteve a confiança dos eleitores mais velhos.
Os escândalos de corrupção que foram rebentando em torno do
ex-primeiro-ministro de Nicolas Sarkozy, como minas em que pisava cegamente,
não o impressionam. “Qual é o presidente de câmara hoje que não tem um amigo ou
familiar a trabalhar com ele? Já deram cabo de outro homem que era o melhor
para governar França, Dominique Strauss-Khan. Os jornalistas de esquerda é que
têm dado cabo de França”, considera.
Jovens por Marine
A simpatia dos emigrantes portugueses e lusodescendentes
pelos partidos de direita e, mais concretamente, pela Frente Nacional, tem sido
observada há vários anos, de forma empírica e em alguns estudos. É como um
tique, um gesto que se repete inconscientemente.
Uma sondagem sobre a tendência de voto dos eleitores que
iriam ter idade para votar pela primeira vez nas presidenciais de 2017,
conduzido pela investigadora Anne Muxel, do Instituto Sciences Po, e divulgado
há um ano, concluía que os jovens de origem portuguesa eram os mais
conquistados por Marine Le Pen: 50% dizia ter a intenção de votar nela para
Presidente de França.
O fenómeno não é único entre os lusodescendentes. A mesma
tendência detectava-se entre os jovens descendentes de emigrantes em França de
países da Europa do Sul: 45% dos italianos, 41% dos espanhóis. E em geral, 60%
dos jovens desempregados em busca do primeiro emprego expressa simpatia pela
Frente Nacional, escrevia a investigadora.
Mas nada disto serve para justificar as escolhas dos
portugueses em França, frisa Luciana Gouveia, delegada-geral da associação de
promoção da cultura portuguesa Cap Magellan, que apelou a “erguer barragem”
contra a Frente Nacional e votar em Emmanuel Macron, com várias acções na rua e
online. “Tentar explicar ou justificar [a tendência dos portugueses para a
Frente Nacional] não pode servir para os desresponsabilizar. A FN continua a
ser um partido racista, xenófobo, mas que tenta enganar as pessoas mostrando-se
mais soft”, diz.
“O que está a acontecer em 2017, e não aconteceu nas
eleições de 2012, é que há uma banalização da Frente Nacional. Mas esta
realidade é tão válida para os portugueses como para os restantes franceses. A
FN está forte porque França está fraca”, resume.
“Os emigrantes portugueses receiam talvez que o seu nível de
conforto seja posto em causa, e os seus filhos sentem de forma mais forte que o
trabalho dos pais não seja reconhecido. Mas não podem esquecer que nós somos
estrangeiros em França, Marine Le Pen acabará por não fazer diferença”, avisa a
dirigente associativa Luciana Gouveia.
Ao contrário do que se passou com o referendo sobre a saída
do Reino Unido da União Europeia, em que os jovens são os mais pró-europeus - o
difícil era levá-los às urnas para votar - a juventude francesa, que nos
últimos anos inflectiu claramente à direita, segundo os estudos de Anne Muxel,
não é particularmente entusiasta da Europa. Aliás, estão prontos a
classificar-se como uma “juventude perdida, uma geração sacrificada” por causa
da recessão. A sua visão está colorida por grossas pinceladas de pessimismo.
Estrangeiros
De volta ao café do César, intervalo do jogo do Benfica no
último sábado. Cristina Bandeira nasceu em França, e vai votar de certeza - em
Emmanuel Macron, por obrigação, depois de ter votado em Benoît Hamon na
primeira volta, por convicção. “Não percebo porque é que tantos portugueses
gostam da Le Pen, com tudo o que ela diz sobre os estrangeiros.”
Se Marine for eleita Presidente, o que lhe resta? Fazer as
malas? “Mas o meu marido é português, os meus filhos são franceses. Faço o quê,
corto-me em dois?"
Nelson Malha tem 30 anos, é bancário, nasceu em França mas
tem a nacionalidade portuguesa, viveu entre França e Portugal, metade da vida
cá e lá. “Talvez votasse no Macron”, diz. “A Frente Nacional continua a ser uma
incógnita e para os portugueses não faz sentido a França sair da União
Europeia. Passariam a ser considerados estrangeiros, como em Inglaterra, com o
'Brexit' - a minha irmã vive lá. Não quero que o meu filho seja considerado
estrangeiro.”
Macron, sublinha Nelson Malha, na esplanada do café do
César, defende o apaziguamento do país. Já a FN, se chegasse ao poder, poria o
“país em conflito.” “As pessoas querem que alguma coisa mude, mas não querem
sair da Europa. Querem ter estabilidade no emprego, não querem a ‘uberização’
do trabalho, por isso muitas votaram em Jean-Luc Mélenchon. Mas hoje temos uma
sociedade multicultural, voltar atrás seria impensável.”
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