Porque
é que os jovens emigram e não querem voltar?
PAULO J. FERREIRA
08/09/2016 – 08:30
A
emigração actual é diferente da dos anos 1960. 57% dos jovens até
aos 24 anos já vive fora do país ou admite emigrar.
O supercomputador
Titan, residente nos EUA, contém um número abismal de transístores,
mais propriamente 177 biliões, e aproximadamente 5 ligações entre
cada transístor. Superior ao Titan, o cérebro humano tem cerca de
100 mil milhões de neurónios, cada um deles ligado a 10 mil
neurónios, transmitindo sinais de neurónio para neurónio através
de mil biliões de sinapses. É este o potencial do cérebro humano.
Os cerca de 260 mil
Portugueses que emigraram desde 2008 a 2014 (segundo dados da
Pordata) representam este potencial perdido. Apesar desta situação,
o concurso Valorização do Empreendedorismo Emigrante (VEM) lançado
em Julho de 2015 não conseguiu mais do que captar cerca de 80
Portugueses. A questão que se levanta é por conseguinte: Porque é
que os jovens emigram e não querem voltar? Numa primeira análise,
podíamos responder com o simples argumento de que não há trabalho.
Contudo, esta questão exige uma análise histórica e contextual.
Esta emigração
atingiu números que ultrapassam o máximo histórico registado no
final dos anos 60, em plena guerra colonial. Nessa altura, a
emigração fazia-se a partir de uma população sem instrução, que
não tinha meios de subsistência, mas que queria viver em Portugal e
ansiava um dia voltar. A emigração actual é diferente. Os jovens
conhecem a realidade internacional, possuem conhecimento tecnológico
e são empreendedores. Ainda para mais, a grande maioria é bem
formada e com menos de 30 anos. De acordo com um estudo recente feito
pela empresa Zurich, 57% dos jovens até aos 24 anos já vive fora do
país ou admite emigrar. O investimento feito na formação destes
jovens custa a Portugal (segundo dados da OCDE) cerca de 100 mil
euros para um aluno percorrer o caminho desde o ensino básico ao
ensino superior. Se assumirmos que 30% dos cerca de 37 mil
portugueses que emigraram todos os anos de 2008 a 2014 já tinham um
curso superior, isto significa um investimento português de 1200
milhões de euros!
Em boa verdade, a
questão posta acima não é muito diferente do exercício que temos
anualmente nas universidades norte-americanas de recrutar os melhores
alunos possíveis. As instituições de ensino de topo contratam até
consultores para entender como atrair e reter as melhores mentes. Os
factores que pesam na decisão destes alunos são inequívocos. Em
primeiro lugar, os alunos procuram os locais com maior reputação na
sua área de interesse. Desta forma, os alunos encontram a motivação,
o conhecimento e o ambiente propício ao seu desenvolvimento. Este
investimento pessoal a longo prazo é essencial no processo de
selecção. Depois, entra o segundo factor – a questão económica
– ou seja, as condições monetárias oferecidas para que os alunos
sintam tranquilidade e bem-estar no sentido de executarem as suas
funções eficazmente. Finalmente, o terceiro elemento a considerar
tem a ver com o local onde viver. Neste caso, características como
clima, custo de vida, diversidade cultural, taxa de criminalidade e
densidade populacional influenciam o momento da decisão.
Transportemos agora
estes atributos para o caso da emigração portuguesa dos últimos
anos. Os dados estatísticos indicam que a segurança no trabalho
(62%) é a principal condição que leva os jovens a emigrar, assim
como estabilidade política (37%), baixa taxa de criminalidade (35%)
e possibilidade de poupança (20%). Como seria de esperar, a
segurança no trabalho, a estabilidade política e a possibilidade de
poupança estão intimamente relacionadas com os factores acima
descritos, isto é, o desejo de seguir um sonho, as aspirações para
evoluírem profissionalmente, as condições monetárias que façam
um jovem sentir-se valorizado e recompensado, assim como um local
para viver que transmita serenidade.
Portugal tem um
clima fabuloso, uma paisagem maravilhosa, uma gastronomia fantástica,
uma cultura riquíssima, uma população moderada e criativa. De
facto, num primeiro encontro, parece existir tudo para que Portugal
fosse a inveja de muitos países e atraísse uma população
qualificada, dinâmica e jovem. Porém, na realidade, sabemos que não
é assim. Mas porquê? O que falta nesta mistura que evita a
concretização deste potencial?
O primeiro ponto tem
a ver com a organização extremamente centralizada, vertical e
hierárquica em praticamente todas as esferas da sociedade, que não
é meritocrática e dificilmente deixa aflorar pensamentos “de
baixo para cima”. Neste clima, os jovens sentem as suas capacidades
reprimidas, com poucas possibilidades de progredir na carreira.
Veja-se por exemplo no sistema público o facto da progressão na
carreira ser condicionada pela abertura de vagas e o sistema de
salários se encontrar tabelado, o que desmotiva profundamente o
empenho e a dedicação profissional de um cidadão. Um segundo
aspecto diz respeito ao carácter temporário do emprego. O facto de
não existirem em muitos casos um vínculo contratual, pelo menos de
médio prazo, pressupondo naturalmente um rigoroso regime de
avaliações, cria instabilidade e falta de sentido de missão. Mais
uma vez, um jovem não reconhece futuro no seu percurso, o que não
lhe permite traçar uma trajectória de sucesso. Aliada a esta
precariedade de uma carreira a médio prazo, a compensação
monetária não é competitiva. Atendendo a um estudo recente feito
pela Universum, o primeiro salário médio atribuído a um
profissional após a conclusão da universidade é de 6343 euros na
Suíça, 3956 na Alemanha, 3894 nos EUA e 988 em Portugal. Em suma,
os jovens perderam a confiança no sistema existente e sentem-se
frustrados por não verem o seu valor reconhecido.
Mas então o que
fazer? Como primeira medida, temos que apostar tanto nas pessoas como
nas infra-estruturas. Não faz sentido investir centenas de milhões
de euros em edifícios e equipamentos se em paralelo não pensamos
nos recursos humanos essenciais para que a infra-estrutura funcione
em pleno. São estas pessoas, muitas delas jovens que vão dar vida e
futuro aos investimentos executados. Em segundo lugar, temos que
concentrar os esforços de uma forma estratégica. Dada a pequena
escala de Portugal, a reputação das instituições passa pela
existência de uma massa crítica em determinadas áreas temáticas
(por exemplo energias alternativas), que permita reter e atrair os
jovens portugueses e estrangeiros. Estes jovens querem fazer parte de
grandes projectos, de grandes ideias e seguir os seus sonhos. Isto
requer uma política de longo prazo e não programas que se alteram
radicalmente sempre que haja uma mudança de governo.
Em paralelo, é
crucial existir um sistema meritocrático de compensações, sejam
elas monetárias, promoções, distinções, que valorizem o trabalho
efectuado. De contrário, a ausência desta prática desmotiva
profundamente o empenho e a dedicação dos jovens, o que os leva a
emigrar e não regressar. A emigração dos jovens tem um impacto
negativo a nível demográfico, para além de Portugal perder também
capacidade inovadora que beneficia os países para onde emigram. Como
disse o escritor Milan Kundera: “os jovens vivem sempre na
infinidade do tempo, o que os permite atingir momentos excepcionais
de energia, esperança e criatividade.” Portugal não pode
extinguir esta chama. Afinal de contas, estes jovens deveriam ser o
futuro de Portugal e não ser Portugal a restringir o seu futuro.
Professor
Catedrático, Universidade do Texas em Austin, EUA
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