Sair
do euro é apenas fugir ao euro
JOÃO MIGUEL TAVARES
08/09/2016 – 00:10
Sair
do projecto europeu é assumir a nossa absoluta menoridade. Antes
outra década perdida dentro do euro do que uma década supostamente
ganha fora dele.
Só há dois tipos
de profissionais que defendem a saída de Portugal do euro:
economistas ou políticos de esquerda. Os economistas porque não têm
de se preocupar em demasia com o impacto dos seus modelos no
bem-estar das populações. Os políticos de esquerda porque não têm
forma de compatibilizar as suas convicções ideológicas com as
regras da União Europeia. É por isso que Francisco Louçã se
tornou um dedicado apóstolo da saída da moeda única (“o euro não
tem salvação”) e o PCP incluiu a saída do euro no seu programa
eleitoral. E é também por isso que Joseph E. Stiglitz, que no final
deste mês vai publicar em Portugal o seu novo e badalado O Euro:
Como uma moeda comum ameaça o futuro da Europa, anda por aí a dar
entrevistas a aconselhar-nos a regressar ao velho escudo. “Ficar é
mais custoso do que sair”, diz ele, que é americano e não tem de
ficar por cá a testar a veracidade das suas afirmações.
É evidente que
Stiglitz, Louçã ou o próprio PCP têm razão em inúmeras críticas
que são feitas à construção do euro. Mas às vezes convinha que a
Política e a Economia fossem temperadas por um bocadinho de
História. Porque até parece que Portugal era o motor da Europa e um
país economicamente pujante até ao malfadado dia em que se lembrou
de aderir à moeda única. Vou contar-vos um segredo: não era.
Estávamos impreparados para o euro? Sim, estávamos. Mas o euro não
é a causa da nossa impreparação. Tenho imensas dificuldades em
aceitar que todos os nossos problemas económicos sejam hoje
atribuídos ao terrível euro e às imposições alemãs. Por uma
razão muito simples e facilmente comprovável: a História de
Portugal é um vasto estendal de crises e de falências, que vão
muito para além do tetra-tetravô do senhor Jean Monnet e da
tetra-tetravó da senhora Angela Merkel.
Alguém me indique,
por favor, quando é que Portugal foi um país com finanças sãs,
orçamentos equilibrados e com um superavit na balança comercial
desde que D. Pedro derrotou D. Miguel, para não ir mais atrás. A
resposta é: nunca. O único que pôs as contas em ordem foi António
de Oliveira Salazar, cujo regresso eu dispenso, e pagando o preço do
país “pobrete mas alegrete”. Não sei se alguém está
interessado em transformar Portugal na Venezuela da Europa, para
podermos voltar a competir internacionalmente com baixos salários e
endireitar as contas do Estado através da impressão de moeda e da
promoção de uma inflação de dois dígitos. Lembrem-se: cortar
salários em 10% é inconstitucional, mas desvalorizar salários em
20 ou 30% já não é. Eu faço hoje 43 anos (podem dar-me os
parabéns) mas ainda me lembro muito bem do início dos anos 80.
Sair do euro é
apenas fugir ao euro. Toda a gente fala da “década perdida” como
se ela fosse a primeira da nossa história, ou como se não
existissem outros países do mundo com décadas perdidas, mesmo com
capacidade para imprimir moeda (o Japão, desde logo). Aquilo que o
euro não nos permite, de facto, é mascarar as nossas fragilidades
como antigamente – o euro exige a adopção de políticas mais
corajosas do que telefonar para a Casa da Moeda a mandar ligar as
rotativas. A afirmação de Portugal na Europa é um sonho antigo,
que demorou e custou a concretizar. E é um sonho que vai muito para
além da sua dimensão económica. Sair do projecto europeu é
assumir a nossa absoluta menoridade. Antes outra década perdida
dentro do euro do que uma década supostamente ganha fora dele.
Sem comentários:
Enviar um comentário