O
regresso à realidade e algumas sugestões
Helena Garrido
8/9/2016, 6:38
O Verão está a
chegar ao fim. Quem por cá ficou adorou o bom tempo de praia.
Voltamos à realidade. Vamos continuar a viver no fio da navalha. Mas
pode (ainda) ser diferente.
Qual é o problema
que está a condicionar mais o nosso crescimento e a colocar de novo
Portugal no grupo dos países em risco? A dívida total da economia é
a resposta óbvia. Parece, então, igualmente óbvio, que a principal
prioridade da política económica deve ser aliviar essa restrição
financeira.
Há um consenso
prévio para este caminho. É preciso que os partidos que governam o
país concordem que a reestruturação da dívida é uma solução
fora das nossas possibilidades. Os ganhos, superiores às perdas, de
uma reestruturação só são alcançáveis se existisse, na Zona
Euro, uma política global de perdão, de uma parte da dívida, a um
conjunto de países e não apenas a Portugal. Um perdão isolado a
Portugal significaria para o país a manutenção da restrição
financeira, apenas com uma dívida mais baixa.
O caso grego é um
bom exemplo para os problemas causados pelo tratamento diferenciado
de um país do euro nas actuais circunstâncias. É frequente
citar-se o caso do perdão da dívida à Alemanha no pós-guerra mas
parecem óbvias as diferenças. Os alemães tinham acabado de ser
vencidos e durante décadas foram um país dividido e sem direitos
plenos. Não podiam, por exemplo, ter forças armadas.
Claro que o Governo
pode apostar na inevitabilidade de uma reestruturação da dívida,
antecipando que os governos do euro irão ceder se, e quando, a
situação financeira for insustentável para um grande país – o
melhor candidato é a Itália, por causa da banca. Mas é uma aposta
arriscada. Mesmo que isso venha a acontecer – o que não é claro
–, o problema português pode explodir mais cedo e acabarmos por
ser a nova Grécia. (Já não foi positivo o artigo que saiu no
Financial Times esta quarta-feira).
Só a partir destes
consensos é que podemos delinear medidas que ataquem ao mesmo tempo
a dívida e a restrição financeira.
Na linha da frente
tem de estar a lista do “não fazer”. Primeiro, em nenhuma
circunstância, se devem adoptar medidas que agravem o problema do
endividamento, seja por via de mais dívida, seja através da criação
de desconfiança dos credores ou potenciais financiadores. O Estado
é, aqui, o protagonista. São os sinais da política económica que
mais podem contribuir para aliviar a restrição financeira através
da confiança que se transmite a quem tem dinheiro para nos
financiar.
As mensagens dos
protagonistas políticos, nomeadamente do primeiro-ministro e do
ministro das Finanças, têm força para abrir um pouco o
financiamento externo ao Estado, às empresas e aos bancos. Os
discursos duros do anterior primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e
do ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar podem ser integrados nesta
estratégia de conquista da confiança. É impossível medir, mas se
o fosse, poderíamos saber quanto do financiamento externo não teria
chegado a Portugal se o discurso de Passos e Gaspar tivesse seguido a
linha grega.
Na lista de “não
fazer” há algumas linhas que já não conseguimos apagar, como a
anulação da concessão dos transportes públicos. Mas ainda vamos a
tempo, se o Governo e os partidos que o apoiam quiserem, de “não
dizer” reestruturação da dívida. Não dizer também muitas
outras frases que criam insegurança a quem investe, seja português
ou estrangeiro.
Paralelamente
deveriam ser adoptadas medidas que incentivassem as famílias e as
empresas a reduzirem a sua dívida. Há ganhos em diversas frentes e
no curto e longo prazo com iniciativas que tenham a redução do
endividamento como objectivo.
Para as famílias,
uma medida possível poderia passar por incentivar a amortização
antecipada do crédito à habitação, num modelo de benefício
fiscal que minimizasse obviamente a perda de receita. E o consumo?,
perguntará quem considera que é por ali que se reanima a economia.
Aquilo que se perdia – se é que se perdia – por esta via,
ganhava-se por outras. Primeiro protegiam-se as famílias de um
aumento das taxas de juro, que um dia acontecerá, e que agravará os
encargos com a casa. Em segundo lugar aliviava-se a pressão sobre a
rentabilidade de alguns bancos que têm uma elevada carteira de
crédito à habitação, com margens muito baixas, construídas nos
tempos em que a concorrência pela conquista deste mercado era
elevada. Em terceiro lugar aliviava-se a restrição financeira da
economia como um todo.
Nas empresas há a
proposta já antiga de considerar também como custo fiscal o juro
implícito no capital dos sócios. Há muito tempo que se sabe que há
um forte incentivo ao endividamento das empresas por motivos de
optimização fiscal – paga-se menos impostos com um empréstimo,
porque os juros são custos financeiros que deduzem aos lucros. Claro
que as finanças públicas não permitem que se vá muito longe nesta
medida, mas podia começar-se. Nem que fosse pela negativa: limitar
os encargos com juros que são considerados como custo, tendo por
exemplo como referência um rácio de endividamento.
Dirão alguns que,
tomara as empresas terem dinheiro para sobreviverem quanto mais para
se capitalizarem. A realidade que é reportada por alguns bancos não
é essa. Há empresários que têm as suas empresas muito endividadas
e ao mesmo tempo elevadas aplicações de tesouraria. O que, nesta
fase, não sendo racional do ponto de vista financeiro, é-o na
perspectiva do planeamento fiscal.
Na era da troika, um
dia, numa conferência, um responsável austríaco das contas
públicas contava que o Orçamento, por lá, estabelece no máximo
cinco objectivos. Neste regresso de férias, quando ainda estamos a
meio gás, o Governo e as empresas poderiam aproveitar para fazerem
isso mesmo. Identificar no máximo cinco problemas que querem
resolver com uma hierarquia clara. Reduzir a dívida do país parece
ser obviamente o “cardinal 1”.
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