Marine Le Pen no
comício da FNKENZO TRIBOUILLARD/AFP
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Manifestação
sindical do ?1.º de MaioTHOMAS SAMSON/AFP
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REPORTAGEM
A inabalável confiança da Frente
Nacional e a desmoralização dos sindicatos
JOÃO RUELA
RIBEIRO 02/05/2014 - PÚBLICO
A três semanas das eleições europeias, Marine Le Pen quis exibir a cada vez
maior força do seu partido, que espera uma vitória histórica nas eleições
europeias. No 1.º de Maio parisiense, os trabalhadores saíram à rua para
condenar as medidas de austeridade do Governo de Valls.
A esplanada do
Café de La Paix, em Paris, é uma das mais célebres do mundo. Clientes de todo o
mundo fazem fila para se poderem sentar no mesmo local imaginando as conversas,
noutros tempos, de Émile Zola, Guy de Maupassant, entre outros clientes
habituais ilustres. Mas neste 1.º de Maio, os protagonistas na Praça da Ópera
foram outros, mais ruidosos e não menos polémicos.
A Frente Nacional
(FN) celebrou o “seu” 1.º de Maio no famoso café e deu uma demonstração de grande
confiança, quando falta menos de um mês para as eleições para o Parlamento
Europeu de 15 de Maio. Quanto ao Café de La Paix, as suas cobiçadas esplanadas
tiveram de ser recolhidas para dar lugar ao “show” de Marine Le Pen.
Há já 27 anos que
a FN reserva para esta data a celebração em honra de Joana d'Arc, a heroína e
mártir, símbolo da resistência francesa contra a ocupação britânica durante a
Guerra dos Cem Anos (1337-1453). No palco onde decorreu o comício do partido
nacionalista e de extrema-direita estava um grande cartaz com o slogan “Não a
Bruxelas, Sim à França” e a imagem de Joana d'Arc a soprar para longe as
estrelas da bandeira da União Europeia.
Houve uma pequena
acção de protesto, mas não perturbou a jornada da FN. Enquanto Marine Le Pen e
o seu núcleo mais próximo marchavam em direcção à Praça da Ópera, duas
activistas do grupo Femen abalroaram a comitiva e foram imediatamente
neutralizadas pelo forte aparato de segurança, enquanto lançavam gritos de
“fascismo, epidemia!”.
Foi com as
baterias apontadas às eleições de 25 de Maio que Marine Le Pen se dirigiu aos
cerca de cinco mil militantes e simpatizantes da Frente Nacional que
enfrentaram a chuva persistente na Opéra. “O sistema europeísta não pode ser
reformado”, afirmou, após uma subida triunfal ao palco, ao som de uma marcha
instrumental. Criticou o “utilitarismo de Bruxelas” e as “elites francesas que
defendem uma visão pós-francesa” do país.
“Não me
decepcionem”
As eleições
europeias do final do mês vão ser o grande teste à popularidade crescente da
Frente Nacional e dos partidos antieuropeus. Le Pen sabe-o bem e deixou um
apelo muito claro: “Não caiam na armadilha da abstenção, não me decepcionem e
votem.”
Praticamente
todas as sondagens apontam para uma vitória do partido de extrema-direita nas
europeias, à frente da UMP (centro-direita) e o Partido Socialista, no poder.
Apesar da vantagem da FN, a abstenção deverá atingir máximos históricos e Le
Pen, que continua a pensar na Presidência da República (os seus apoiantes
gritavam “Le Pen Presidente!”), quer uma vitória firme.
O 1.º de Maio
serviu também para uma demonstração de força de um partido cada vez mais
confiante e que pretende afirmar-se como uma alternativa no poder em França.
Orgulhosos, desfilaram, um por um, de faixa tricolor ao peito, os presidentes
de câmara eleitos pela Frente Nacional nas eleições municipais do final de
Março.
Longe de recolher
um grande apoio na capital francesa, a Frente Nacional consegue captar os votos
de pequenas cidades. Adrien Mexis foi eleito conselheiro municipal há um mês
pelo partido nacionalista em Istres, no Sul da França. Ao PÚBLICO, Mexis
critica as “reformas impostas por Bruxelas” e diz saber do que fala, não
tivesse sido ele funcionário da Comissão Europeia durante seis anos. O
conselheiro reconhece que será difícil conseguir uma maioria no Parlamento
Europeu, mas explica que a Frente Nacional tem uma perspectiva de longo prazo.
Para já, diz,
“vamos limitar os danos” feitos por Bruxelas. “Onde somos eleitos furamos o
consenso instalado e as pessoas vão ver que fazemos o diagnóstico correcto”,
declara. A luta contra a livre circulação de pessoas está presente no ADN da
Frente Nacional e Mexis dá um exemplo muito concreto, dizendo que na sua rua
vivem muitos “ciganos”. “Não se pode fazer nada”, lamenta.
Entre o Curdistão e o esperanto
Algumas horas
mais tarde, o cenário na Praça da Bastilha despertaria um acesso de cólera a Le
Pen ou a qualquer militante da Frente Nacional. Por toda a praça se ouvia
música turca, africana e árabe, e o cheiro típico dos kebab transportava
qualquer pessoa para um souk (mercado árabe). Aquele local, símbolo da
Revolução Francesa, foi o escolhido por algumas das principais centrais
sindicais para celebrar o Dia do Trabalhador.
A mobilização
sindical foi “fraca”, reconheceu ao PÚBLICO Michel Allain, da delegação
parisiense da Frente Operária (FO). Sob fogo está o “Pacto de
Responsabilidade”, que prevê aligeirar os impostos sobre o trabalho pagos pelas
empresas a troco da criação de mais empregos, mas exige também um programa de
cortes na despesa pública de 50 mil milhões de euros, com o objectivo de
cumprir a meta do défice acordada com Bruxelas.
O
primeiro-ministro, Manuel Valls, garantiu esta semana o apoio da bancada
socialista ao diploma, mesmo após se terem tornado públicas as dissonâncias
dentro do próprio partido. Trata-se de uma “austeridade reforçada”, acusam os
sindicatos, e a prova disso foi a posição concertada entre a FO e a
Confederação-Geral dos Trabalhadores, que desfilaram juntas neste 1.º de Maio.
De fora manteve-se a Confederação Democrática dos Trabalhadores Franceses, mais
próxima dos socialistas.
As críticas à
governação socialista são fáceis de enumerar para Allain, mas quando se chega
ao tema das soluções, o rosto do sindicalista fecha-se. Lamenta a “carência de
escolhas à esquerda” e prevê uma grande abstenção nas europeias, à semelhança
do que aconteceu nas municipais. “Não é através de eleições que surgirá a
solução”, diz-nos, mas sim através da “mobilização social”. Este 1.º de Maio
não foi um bom prenúncio para a solução apontada pelo sindicalista.
Na verdade, para
a Bastilha confluíram os mais variados grupos e movimentos sociais, que aproveitavam
o palco mediático para dar a conhecer as suas causas.
“Mal beijadas?
Não, mal pagas” lia-se numa faixa do movimento feminista; um outro grupo
distribuía panfletos do Partido Comunista Ucraniano que condenavam o golpe de
Estado no país; ao som de ritmos africanos, uma centena de pessoas pedia a
libertação do ex-Presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo; noutra faixa
podiam ler-se apelos ao boicote a produtos do Sri Lanka, de um grupo afecto à
milícia separatista dos Tigres do Tâmil.
Na praça formou-se
uma roda de pessoas que dançavam ao som de músicas turcas. Alguns empunhavam
bandeiras com a cara de Abdullah Oçalan, o histórico líder do Partido dos
Trabalhadores do Curdistão.
Outras causas
defendidas na Bastilha despertavam curiosidade pelo carácter inusitado. Um
pequeno grupo tinha um interesse bem definido: a promoção do esperanto. Fazem
parte do partido Europa, Democracia e Esperanto, que quer trazer para o debate
público a discussão sobre o idioma criado no final do século XIX com o
objectivo de se tornar numa língua franca mundial. Os militantes reconhecem que
não vão eleger qualquer deputado nas próximas europeias, mas a candidatura ao
Parlamento Europeu garante, por exemplo, a presença nas televisões através do
tempo de antena. Que melhor ocasião para se dar a conhecer um tema como o
esperanto do que a Praça da Bastilha, durante o 1.º de Maio?
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