quinta-feira, 29 de maio de 2014

Litoral de Carcavelos vai mesmo ter nova urbanização apesar dos fortes protestos.Reunião da assembleia municipal marcada por insultos da assistência dirigidos aos deputados. PSP teve de intervir.


Litoral de Carcavelos vai mesmo ter nova urbanização apesar dos fortes protestos
Reunião da assembleia municipal marcada por insultos da assistência dirigidos aos deputados. PSP teve de intervir

Marisa Soares / PÚBLICO / 29-5-2014

Houve gritos, insultos e até choro ao longo das quatro horas que durou a reunião da Assembleia Municipal de Cascais anteontem à noite. O polémico Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação Urbanística de Carcavelos-Sul (PPERUCS), que prevê uma mega-urbanização para a Quinta dos Ingleses, foi aprovado sob forte protesto de grande parte dos cerca de 200 munícipes presentes, obrigando mesmo a algumas interrupções e à intervenção da polícia.
O auditório do Centro Cultural de Cascais foi demasiado pequeno para tantas pessoas, que se amontoaram nas escadas, no chão, de pé ou sentadas. Os apelos dos contestatários à presença em massa dos moradores parece ter sido ouvido, mas o pedido feito aos deputados municipais para que chumbassem o projecto caiu em saco roto. E nem a presidente da Junta da União de Freguesias de Carcavelos e Parede, Zilda Costa da Silva, na qual os opositores depositavam as últimas esperanças, respondeu como esperavam.
O mesmo órgão que em 2001 chumbou a anterior versão do plano deu luz verde a este novo PPERUCS. O documento obteve 19 votos favoráveis da maioria PSD/CDS-PP e 18 votos contra de toda a oposição — PS, CDU, BE e movimento independente Ser Cascais. O voto favorável de Zilda Costa da Silva, que é do partido da maioria, foi determinante. Terminada a votação, o público manifestouse com apupos e gritos. “Traidora”, “bandidos”, “decepção” foram algumas das palavras usadas, dirigidas à autarca. Perante isto, o presidente da assembleia municipal, António Pires de Lima, ordenou a retirada das pessoas, motivando a intervenção da PSP. A reunião continuou, apesar do protesto da oposição, com os deputados da CDU e do BE a abandonarem a sala. Algumas pessoas foram identificadas pela polícia.
Numa declaração de voto que o público já não pôde ouvir, lida após a hora marcada para o final da reunião (00h30), Zilda Costa da Silva tentou justificar-se. Para a autarca, seria “uma irresponsabilidade negar
A mega-urbanização para a Quinta dos Ingleses já tem luz verde as evidências” ou “considerar que não existem direitos do promotor” sobre a Quinta dos Ingleses.
“O cargo de presidente de junta é eleito directamente pela população, sendo livre de interpretar o mandato que lhe foi conferido pelos eleitores como melhor lhe aprouver”, justificou, acrescentando que, enquanto autarca, não está condicionada ao sentido de voto expresso pela assembleia de freguesia, que em Abril aprovou uma moção contra o projecto.
Erros irreversíveis
O PPERUCS, apresentado em Novembro pela Câmara de Cascais depois de mais de 50 anos de avanços e recuos, prevê a construção de uma urbanização com 906 fogos, sem condomínios privados. Inclui ainda um hotel de cinco pisos, espaços comerciais e de serviços, e um ninho de empresas para estimular a criação de emprego. Quase metade do terreno (40%) de 54 hectares está reservado para parque urbano e espaços verdes, públicos e privados.
No período de intervenção do público, foram várias as vozes que se manifestaram contra o plano, pelos seus impactos no ambiente e na qualidade de vida dos munícipes. Rita Neto, moradora em Carcavelos, apontou falhas como a ausência do estudo do quarteirão exigido pela lei e o aumento da impermeabilização do solo, com o consequente aumento do risco de cheias. “Os erros que agora se cometerem dificilmente serão reversíveis e irão repercutir-se nas gerações vindouras”, acrescentou Anamaria Azevedo, porta-voz do Fórum por Carcavelos.
Mas houve também quem defendesse a urbanização, em nome do colégio privado St. Julians (que é também promotor do projecto), instalado no terreno da Quinta dos Ingleses, “um território sem lei”. E um representante do Grupo Desportivo de Carcavelos manifestou-se a favor do projecto, por este prever a instalação da sede do grupo no empreendimento.
Os deputados da maioria PSD/ CDS-PP admitiram que o plano agora aprovado “não é o ideal, mas sim o possível”, repetindo a argumentação já apresentada diversas vezes pelo presidente da câmara, Carlos Carreiras. Fernando Lopes, do PSD, reiterou que o promotor, a construtora Alves Ribeiro, tem direitos de construção adquiridos aquando da assinatura da escritura em 1985, e que o chumbo desta versão do plano poderá implicar o pagamento de uma indemnização à empresa, de quase 300 milhões de euros, e a construção do projecto inicial.
“Nem nós nem ninguém com objectividade de análise acredita neste cenário”, retorquiu o deputado Vasco Graça, do PS. Também a CDU acusou Carreiras e a maioria de se colocarem do lado da “especulação imobiliária” e praticarem uma “política de faz de conta”. No início da reunião, o BE apresentou um requerimento para a realização de um referendo local, o que inviabilizaria a votação do plano. Os deputados votaram num empate e o requerimento acabou chumbado com o “voto de qualidade” desfavorável do presidente da mesa.


Na sua intervenção, Carlos Carreiras garantiu que “o processo não termina aqui” e que haverá “um cuidadoso acompanhamento”, por parte da autarquia, da assembleia municipal e dos próprios cidadãos, da elaboração do plano de urbanização.

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