Câmara de Lisboa ainda não
conseguiu ocupar um edifício destruído pelo fogo do Chiado
Município reconstruiu-o há oito anos e conseguiu agora vender seis
fracções. Ainda tem nove lojas e três apartamentos sem solução
Edifício Confepele foi o único atingido pela chamas na Rua do Ouro e foi o
único comprado pela câmara Antigos donos acusam município de não cumprir acordo
estabelecido
José António
Cerejo / 22-5-2014 / PÚBLICO
Vinte e seis anos
depois do incêndio do Chiado, a Câmara de Lisboa conseguiu dar um pequeno
passo, na sexta-feira passada, para resolver o problema do último edifício que
foi reconstruído na zona sinistrada: Vendeu seis das suas 23 fracções, mas
ainda lá tem 12 fechadas e prontas a ocupar há oito anos.
Situado na
esquina da Rua do Ouro com a Rua da Anunciação, o edifício da Confepele, como
era conhecido devido ao facto de ali ter funcionado uma empresa de confecções
com esse nome, foi o único atingido pelas chamas na Rua do Ouro e foi também o
único cuja reconstrução a câmara assumiu directamente.
Divergências
entre os seus dez proprietários levaram a que estes não conseguissem levar por
diante as obras que tinham projectado, razão pela qual os andares superiores do
prédio de seis pisos ainda estivessem completamente destruídos em 1999, onze anos
depois do desastre. No résdo-chão e no primeiro andar continuavam a funcionar
oito lojas, mas daí para cima havia só escombros e uma cobertura metálica
colocada em 1998, após o incêndio.
Foi então, em
1999, que o município decidiu comprar o imóvel para o reconstruir,
estabelecendo um acordo com os proprietários com vista a que estes o pudessem
readquirir no fim das obras, pelos valores então ajustados.
Só que os
trabalhos —feitos com o apoio dos fundos públicos cedidos pelo Governo para a
reabilitação do Chiado — em vez de começarem em 2000, quando as lojas foram
fechadas, e demorarem os 22 meses previstos, só se iniciaram em 2002,
arrastando-se ao longo de quatro anos, até Junho de 2006. E custaram quase seis
milhões de euros, em vez dos 2,4 inicialmente previstos.
Para justificar a
derrapagem dos prazos (e dos custos) a autarquia afirma numa deliberação
aprovada no ano passado que esta foi motivada por “um longo processo de
adequação dos projectos entregues pelos anteriores proprietários às
características do prédio e pela suspensão dos trabalhos de recuperação para
realização de escavações arqueológicas”.
Concluída a obra,
a câmara fez as contas e tentou vender as 23 fracções (13 lojas e escritórios e
dez fogos habitacionais) aos antigos proprietários. Estes, porém, não aceitaram
os valores propostos, considerando que não correspondiam aos termos do acordo
firmado. “A câmara deu-nos um grande golpe porque o que estava combinado era
que nós recompraríamos por um certo preço e eles vieram pedir-nos três vezes
mais”, conta João Veiga, proprietário de duas das fracções.
Só em 2011 e 2012
é que a câmara, que rejeita as acusações dos antigos proprietários, conseguiu
que dois deles adquirissem quatro das lojas por preços entre os 55 mil e os 61
mil euros. Presentemente, apenas esses espaços estão ocupados com pequenos
negócios, continuando o resto do edifício desocupado.
Face à renúncia
ao direito de recompra por parte dos três donos de sete dos apartamentos, a
câmara decidiu no ano passado vender estas fracções em hasta pública, ao preço
de 2100 euros o m2, sensivelmente mais 27% do que aquilo que pedira aos antigos
proprietários.
Atendendo ao
valor despendido pelo município com a reconstrução, o preço por m2 deveria ser
de 2550 euros, mas, diz a câmara na justificação do valor de base da hasta
pública, esse montante é “manifestamente elevado para o actual clima
económico”. Por esse motivo, o preço fixado (2100 euros) corresponde à média
entre o valor pedido aos antigos proprietários (1650) e aquele que foi gasto na
reconstrução (2550).
Realizada no fim
de Janeiro deste ano, a hasta pública apenas permitiu que se concretizasse a
venda do mais pequeno dos apartamentos, um T0, pelo valor-base da licitação
(cerca de 130 mil euros). Para os restantes seis não houve qualquer oferta,
razão pela qual a câmara lançou uma nova hasta pública, que se realizou na
sexta-feira com os mesmos valores-base (258 mil a 320 mil euros).
Desta vez as
coisas correram melhor para o município, que conseguiu vender os seis
apartamentos pelo valor-base, num total próximo de 1,7 milhões de euros. O
comprador e único licitante foi a empresa Treasuresdetails, uma imobiliária
cujo capital está repartido entre o advogado António Raposo Subtil (que foi
candidato derrotado a bastonário da Ordem dos Advogados no ano passado) e
quatro outros advogados do seu escritório. O presidente do conselho de
administração da empresa, porém, é o empresário brasileiro Bernardo Schiller
Freiburghaus.
Quanto às
restantes 12 fracções, o impasse mantém-se, na medida em que os antigos
proprietários não prescindiram do seu direito de recompra e o município não
pode tentar vendê-los a terceiros.
“Por mim não vou
prescindir das áreas a que tenho direito, mesmo que tenha de ir para tribunal”,
garante João Veiga, o único proprietário que o PÚBLICO conseguiu contactar. Zangado
com a câmara, que diz tê-lo enganado com os preços da recompra, acusa-a de nem
sequer lhe responder a uma proposta que apresentou há dois anos. “Disse-lhes
por escrito que aceitava o preço que eles impõem e pedi para pagar em 15 anos,
porque os bancos não emprestam. Até hoje não me disseram uma palavra”,
queixa-se João Veiga.
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