sábado, 24 de maio de 2014

A saída da troika não nos libertará

PÚBLICO / 24-5-2014
A saída da troika não nos libertará. Para começar, temos os juros da dívida. Em 2010, pagávamos 4971 milhões de euros e, em 2014, estima-se que serão 7239 milhões (contabilidade pública). Um aumento de 45,6% em escassos quatro anos. A renegociação da dívida, assumida à escala europeia, apresenta-se como inevitável se se quer salvar o projecto europeu, pois só ela permitirá aliviar os custos sociais da austeridade e manter um Estado funcional.
Que não se pense que essa renegociação será suficiente. O tema da sustentabilidade, leia-se reforma, dos sistemas de pensões da segurança social é também inevitável. Basta perceber a figura com a evolução das pensões, do PIB e das contribuições sociais, considerando os valores de 2010 como valores de base. Não é possível ter o produto a cair, as pensões (CGA e Segurança Social) a aumentar e as contribuições sociais a subirem, mas a um ritmo inferior ao das novidade é a provável entrada da CP, uma das empresas públicas com um maior passivo. Isto significa que, muito provavelmente a dívida pública no final de 2014 não será de 127,5% (SEC2010), mas algo superior. Obviamente que a sustentabilidade da dívida, e a capacidade de reduzir o seu peso no PIB, dependerá de um crescimento económico real significativo (1,8 a 2,2%), de uma inflação elevada (2 a 2,5%), da taxa de juro associada às novas emissões de dívida baixa (perto dos 3,5%) e da capacidade, ou não, de gerar significativos excedentes primários (receitas efectivas menos despesas primárias, isto é, sem juros). A saída sem programa cautelar já mostrou a volatilidade das taxas de juro que, com um mínimo a 8 de Maio (3,46%), já subiram para 3,83% duas semanas depois. Nesta frente não há boas notícias, pois estamos expostos a um qualquer choque externo (por exemplo, um resultado eleitoral europeu em que os partidos pensões. É pura e simplesmente insustentável. A evolução das pensões, sobretudo as de maior valor, deve estar associada ao crescimento económico e à demografia, seja no sentido descendente ou ascendente.
Finalmente, a despesa com pessoal. Ainda ontem lemos aqui no PÚBLICO que os professores estão desmotivados pela intensificação, burocratização, precariedade do trabalho, a par do empobrecimento. Penso que isto é geral e não se restringe aos professores. Com algum, mesmo que modesto, crescimento, é possível não adicionar mais cortes aos existentes. O Governo diz que o fará, mas a nossa análise preliminar do Documento de Estratégia Orçamental do Governo não indica isso. Prepara-se antes para cortar ainda mais em 2015 nesta rubrica. Haverá motivação que resista?
P.S. – O referido documento preliminar (com Luís Teles Morais) pode ser consultado no sítio do IPP TJ-CS, aqui: http:// www.ipp-jcs.org/?p=1093 eurocépticos ganhassem uma significativa maioria parlamentar). Quanto à subida de preços, neste momento, a área euro está com risco de deflação e Portugal está mesmo abaixo da média da zona euro, com a inflação abaixo de 1%. Embora todos prevejam uma alteração favorável na política monetária do BCE, o que é certo é que ela tarda em vir. O crescimento económico é ainda modesto, não sendo os dados do primeiro trimestre muito animadores.

Amanhã saberemos os resultados das eleições europeias e o seu novo mapa político. Não saberemos certamente o que mudará na arquitectura política e orçamental da União Europeia. Se nada mudar nestes campos, dificilmente resolveremos os problemas orçamentais que temos entre mãos. Professor do ISEG/ULisboa e presidente do Instituto de Políticas Públicas TJ-CS

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