Se eles esquecem, lembremos nós!
SANTANA CASTILHO
21/05/2014 - 01:45
Digam os candidatos o que disserem, o escrutínio de domingo será sobre um
Governo que foi além da troika.
No domingo,
voltamos às urnas para eleger os deputados de um parlamento com pouco poder
para operar as mudanças, muitas, de que a Europa carece. Sendo assim no plano
político-burocrático, blindado para servir os poderosos, a cidadania europeia
teria uma oportunidade ímpar (utopia a minha!) para recuperar a dignidade que a
ganância levou e a solidariedade desaparecida, que alimentou outrora o sonho
europeu. Mas a campanha dos partidos do Governo está a ser um desolador mar de
esquecimentos.
Sendo o Estado
social um dos princípios fundadores da ideia europeia e uma das vertentes mais
abalroadas pela intervenção que acabamos de sofrer, não ouvimos sobre o tema
uma ideia nova, muito menos um par de soluções avançadas.
Sendo certo que
está a chegar nova onda de fundos comunitários, esperava eu que a campanha
servisse para os candidatos se pronunciarem sobre a forma como encaram as
prioridades para os utilizar. E não se tendo dado relevância que baste aos
efeitos sociais da crise e ao acentuar dos desequilíbrios entre ricos e pobres,
cada vez mais estratificados nos seus mundos, julgava eu que os ia ouvir falar
sobre o que se proporiam fazer, uma vez eleitos, para defenderem a coesão
social em risco.
Sendo o sistema
monetário europeu impeditivo de uma desvalorização da moeda, que tornasse as
nossas exportações mais competitivas e desincentivasse as importações, não
vimos discutida (porque, entendamo-nos, a matéria não é tabu, menos ainda em
tempo de eleições) a permanência no euro, nem sequer abordada a necessária
reformulação das políticas que o suportam, a começar pelo papel do Banco
Central Europeu, que empresta a um para que nos reemprestem a cinco.
Sendo o chamado
“pacto orçamental” mais suicida ainda para a nossa economia que as medidas
selvagens de austeridade económica impostas pelomainstream bem pensante (e bem
remunerado), entenderam os candidatos que seria mais interessante perorarem
retoricamente sobre quem chamou atroika que explicar aos eleitores as
consequências draconianas que esse pacto terá sobre os desesperados a quem
pedem o voto.
Sendo a União
Europeia, no dizer esclarecido de Pacheco Pereira, “um monstro híbrido e
perigoso, controlado por uma burocracia que detesta a democracia e que acha que
ela (a burocracia, clarifico eu) é que sabe como se deve governar a Europa e
cada país em particular”, não julgaram os democratas candidatos ao Parlamento
Europeu que seria obrigatório discutir o insustentável défice democrático
europeu. Preferiram, com essa omissão assassina para a democracia, reforçar a
ideia de que a única matéria que na União se sujeita ao voto popular é a sua
eleição.
Sendo nós,
portugueses, um dos povos que mais sofreram com as políticas erradas da União
Europeia, digam os candidatos o que disserem, mais ainda face aos esquecimentos
que os assolaram, o escrutínio de domingo será sobre um Governo que foi além da
troika. Mesmo com um protocandidato a recomendar “desabafem nas redes sociais,
mas não deixem de votar neles” e outro a proclamar “dever cumprido”, muitos dos
que não considerarem inútil o escrutínio de domingo não vão esquecer o que o
duo europeu (Comissão Europeia mais Banco Central Europeu) da troika fez ao
país e que ficou fora da indigência discursiva dos candidatos dos partidos do
Governo:
1. Compulsando os
orçamentos do Estado de 2011
a 2014, verifica-se que o volume dos juros pagos aos
credores (28.528 milhões de euros) é quase idêntico ao volume obtido com o
corte da despesa pública mais o aumento de impostos (28.247 milhões de euros). Dito
de outro modo, a degradação do Serviço Nacional de Saúde e da escola pública, o
fecho de maternidades, centros de saúde e repartições de finanças, entre tantos
outros serviços, a redução de salários e pensões e o aumento brutal de
impostos, com nuancesconfiscatórias em muitos casos, serviu para pagar só juros
aos nossos “benfeitores”, sem que um cêntimo tenha sido abatido ao montante da
dívida.
2. Apesar do
discurso impante do Governo e da troika (o que se compreende, porque o falhanço
de um é síncrono com o falhanço da outra), em três anos de aplicação de uma
receita que não conseguiu cumprir um só dos seus múltiplos objectivos, a dívida
da administração pública cresceu à razão média de 23.236 milhões de euros
anuais, ou seja, aumentou 69.708 milhões de euros.
3. Três anos de
ajustamento expulsaram do nosso país 250.000 cidadãos e elevaram o desemprego
jovem para o número quase redondo dos 50%. Ao mesmo tempo que alguns banqueiros
transferiram créditos tóxicos para a nossa dívida pública, a coberto dos golpes
que, sendo públicos, persistem impunes, 2 milhões de concidadãos estão
condenados sem apelo nem recurso ao limiar da pobreza e a classe média está
quase extinta. Salvam-se, reconheçamos, os mais ricos: cresceu o fosso que
separa os 10% mais ricos dos 10% mais pobres. E não é só porque diminuiu a
“riqueza” dos últimos. É sobretudo porque aumentou, e
muito, a dos primeiros.
Professor do
ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
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