Foi “por engano” que Protecção
Civil pagou iPod cor-de-rosa a filhas de comandante
ANA HENRIQUES
20/05/2014 - PÚBLICO
Gil Martins, antigo dirigente nacional de organismo de combate aos
incêndios, começou a ser ouvido em tribunal nesta terça-feira, acusado de
peculato e falsificação de documentos.
O antigo comandante da Protecção Civil Gil Martins disse esta terça-feira
que foi por engano que pôs este este organismo do Estado a pagar um iPod
cor-de-rosa de 200 euros que ofereceu às filhas.
“O iPod foi
comprado por mim. Deve ter entrado nas contas erradamente – até porque era rosa
e ficava mal a alguém da Protecção Civil usar essa cor”, justificou-se perante
o colectivo de juízes das varas criminais de Lisboa. Gil Martins começou esta
tarde a ser julgado por peculato e falsificação de documentos, sendo suspeito
de se ter apropriado indevidamente de bens no valor de perto de 118 mil euros,
70 mil dos quais terá gasto em refeições.
Os factos
remontam ao período entre 2007 e 2009, abrangendo os consulados dos ministros
da Administração Interna António Costa e Rui Pereira. De acordo com a acusação
do Ministério Público, o então comandante nacional da Protecção Civil terá
engendrado um esquema que passava por transferir para os Bombeiros Voluntários
de Barcarena verbas em excesso, para depois lhes cobrar o reembolso de despesas
que fazia em proveito pessoal, da família ou dos amigos. Quando a Judiciária
fez buscas à residência da sua ex-mulher no Estoril encontrou não apenas o dito
iPod como também uma máquina fotográfica de 1400 euros, 1 televisor LCD, 1
câmara digital, um leitor de DVD e ainda um telemóvel de 800 euros que estava a
ser usado pela dona da casa. Tudo pago pela Protecção Civil. Gil Martins não
negou ter comprado estes equipamentos à custa do erário público. Mas alegou que
precisava deles para trabalhar, e que o fazia muitas vezes em casa da
ex-mulher, de quem se tinha separado quatro anos antes. E se justificou a
presença do aparelho de televisão com a necessidade de ver, em grande formato,
um documentário secreto sobre a forma como as autoridades de outros países
lidavam com os “energúmenos” que tentavam boicotar as cimeiras da NATO - pois
ia decorrer uma em Portugal -, já a
utilização do telemóvel teve outra explicação. “Era um antigo telefone meu que
tentei devolver à Protecção Civil mas que ninguém quis. Ficou lá por casa numa
gaveta até ao dia em que o da minha muher se avariou e ela pegou nele”.
Por esclarecer
ficaram, nesta primeira sessão do julgamento, os 70 mil euros despendidos em
restaurantes, alguns dos quais de luxo, e vários deles no Algarve em época
estival. O antigo comandante da Protecção Civil irá continuar a responder às
perguntas dos juízes na próxima audiência. Mas foi já dizendo que muitos desses
almoços e jantares se revelaram fundamentais para preparar a época de combate
aos incêndios. Não se mostrou, porém, certo de que todas as despesas que foram
entregues em seu nome em Barcarena fossem, de facto, suas, uma vez que era o
seu motorista que levava as facturas e trazia o dinheiro ou os cheques para o
reembolsar. Questionado sobre a razão de recorrer ao motorista em vez de usar
os circuitos habituais nos organismos do Estado, o arguido argumentou que foi
por este morar perto daquela corporação de bombeiros.
Gil Martins negou
ter criado uma espécie de "saco azul" nos Bombeiros Voluntários de
Barcarena. Explicou que era assim mesmo que funcionavam as coisas – que eram as corporações de bombeiros a
pagar as despesas de funcionamento da Protecção Civil, nomeadamente de pessoal,
com verbas que esta lhes entregava. Porquê, não soube explicar. Como não tinha
o pelouro financeiro nem administrativo limitava-se, quando muito, a assinar
documentos que lhe punham à frente. Que havia várias práticas ilegais neste
organismo, não as negou. Mas rejeitou quaisquer responsabilidades na matéria,
até porque havia outros acima de si: ministro, secretário de Estado e o general
que presidia à Protecção Civil. “Limparam todos as mãos. E eu é que fiquei
pendurado como o tipo que andava a gamar o dinheiro do povo”, lamentou.
“Zero” de controlo financeiro
O antigo
comandante da Protecção Civil causou algum espanto aos juízes quando admitiu
que o controlo financeiro deste organismo era “zero”, tendo mesmo sugerido que
lhe fosse feita uma auditoria a partir
de 2007, para se detectarem as ilegalidades ali cometidas. Uma delas, da qual
admite ter tido conhecimento, passou por inflacionar artificialmente o salário
de um outro comandante da Protecção Civil através de turnos nocturnos e horas
extraordinárias. Segundo o Ministério Público, a ter sido efectuado esse trabalho,
isso significaria que o comandante em questão teria acumulado turnos nocturnos
com o serviço diurno durante cinco meses a fio no ano de 2007. “Não fui eu que
tomei a decisão. Mas achei-a muito justa”, admitiu o arguido. Uma das juízas do
colectivo quis saber se Gil Martins não tinha consciência dos limites das
despesas que podia fazer com os dinheiros públicos. “Não.
Não havia orientações sobre isso”, respondeu Gil Martins.
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