Investigador diz que Alemanha
assegura o seu bem-estar à custa de parceiros mais fracos
Publicado em
2014-05-23 in
JN online
A gestão que a
Alemanha faz da crise europeia visa assegurar o seu bem-estar à custa de
parceiros mais fracos, resultando numa desagregação que ameaça o futuro da
Europa, alerta o investigador Viriato Soromenho Marques.
No livro
"Portugal na queda da Europa", com lançamento marcado para 2 de
junho, o professor catedrático da Universidade de Lisboa acusa Berlim de ter
agravado a crise ao "lançar o pânico no mercado da dívida pública",
recusar reformar as regras da zona euro e impor uma política de austeridade que
beneficiou os bancos e as empresas alemães.
Isso aconteceu,
explica, porque depois de rebentar a crise, a equidistância entre os Estados
membros assegurada pelos tratados diminuiu e as decisões passaram a ser
impostas por um "soberano" - a Alemanha - que "ocupa o centro do
palco decisório".
"É uma
proximidade excessiva, marcada pelo medo, pelo sussurro que não sai da sala de
reuniões. No conselho europeu sente-se o hálito do 'soberano'", escreve no
livro, editado pela Temas e Debates.
Um exemplo desta
"nova hegemonia" alemã foi a assinatura do Tratado Orçamental:
"Portugal e outros países 'resgatados' assinaram o Tratamento Orçamental
com a pistola da bancarrota apontada à cabeça", ou seja, sob a ameaça de
perderem o financiamento do Mecanismo Europeu de Estabilidade.
A causa da crise,
defende, não está nos mercados, que "reinam" graças ao
"voluntário silenciamento das políticas públicas de regulação", mas
sim "no funcionamento medíocre da democracia, que cedeu mais à sedução dos
poderosos do que à defesa do povo e dos mais necessitados".
Essa
"atuação egoísta" revelou-se vantajosa para a Alemanha, que aumentou
as exportações para fora da Europa graças à baixa do valor do euro em relação
ao dólar, recapitalizou a sua banca graças à fuga de poupanças dos países mais
afetados e beneficiou do "efeito de pânico" que fez cair os juros
pagos pelas obrigações da dívida pública alemã para valores negativos.
A atuação da
Alemanha criou, por outro lado, uma descrença das opiniões públicas na Europa:
"O que Berlim de um modo autista se tem recusado a perceber é que a
manutenção da 'disciplina' da austeridade, que tem estado ao serviço exclusivo
dos credores (...) está a incendiar os povos afetados não contra a Alemanha,
mas contra a própria ideia de Europa como segunda pátria comum".
A UE sofre assim
de uma "doença autoimune", em que aumentam as críticas ao ideal
europeu, partidos e movimentos mobilizam-se contra o apoio a outros países,
crescem as aspirações secessionistas e "os militantes do ódio" entram
em parlamentos nacionais.
Acusando Bruxelas
de "cumplicidade" com a Alemanha e os restantes Estados-membros de
"anemia", Soromenho Marques critica também o governo português,
afirmando que "o modo como assumiu a causa e a narrativa imoral dos
credores (...) ficará nos anais da vergonha, nacional e europeia".
"Portugal
deve reerguer-se e travar, com os aliados que conseguir federar em torno de
propostas comuns, uma luta sem tréguas pela Europa", defende.
"A Europa
está em queda, mas ainda não se despedaçou", escreve, apontando "duas
certezas" no atual contexto de incerteza.
A certeza de que,
face a todos os desafios, "uma Europa solidária, democrática e federal
estará mais apta a ter sucesso do que uma Europa fragmentada e empobrecida,
regressada às fronteiras nacionais, percorrida por rancores, esmagada por
dívidas e ressentimentos".
E de que "o
interesse comum" precisa de ser "encontrado nos consensos que só os
diálogos informados, e em condições de perfeita igualdade, permitem
construir", escreve, defendendo um diálogo "em todos os países e em
todos os palcos por essa Europa fora".
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