OPINIÃO
O pior de tudo será desvalorizar
os resultados
TERESA DE SOUSA
26/05/2014 - PÚBLICO
Se, depois disto, os políticos europeus ainda acreditam que tudo vai acabar
bem, então a Europa corre mesmo o risco de ser derrotada.
O problema é que
quando um país como a França vê a Frente Nacional vencer as eleições europeias
a uma distância razoável da UMP de Nicolas Sarkozy e remetendo os socialistas
para um valor quase irrisório, alguma coisa está a funcionar mal não apenas na
França, mas no coração da própria União Europeia. A França ficou ainda mas
fraca. A Alemanha parece um país de outra galáxia: Angela Merkel soma e segue.
E quando a social-democracia, que está na oposição em muitos países, não
consegue sequer capitalizar o voto contra a austeridade, então a paisagem
política europeia entra necessariamente numa fase nova.
O
primeiro-ministro holandês, Mark Rutte (liberal em coligação com os
trabalhistas), publicou dois dias antes das eleições uma carta conjunta com o
seu parceiro do FDP alemão para dizer que é preciso devolver aos
Estados-membros uma boa parte do poder que está nas mãos da União. A campanha
andou à volta disso. Geert Wilders, que fez da imigração o seu cavalo de
batalha (primeiro contra os islâmicos, depois contra os polacos), teve uma
relativa derrota: apenas 12%, menos 6 do que em 2009. David Cameron quis adiar
a questão europeia com a promessa de um referendo “dentro ou fora” depois das
próximas legislativas. Vergou-se à chantagem dos “eurocépticos” do seu próprio
partido. Não lhe serviu de nada.
“O que vai fazer
casta política que dominou a agenda europeia no último meio século”, pergunta
Gavin Hewitt, o analista da BBC para a Europa. “O mais provável é que
desvalorize [os resultados doa extrema-direita], chamando-lhes nomes feios e
acreditando que desaparecerão com a crise.”
3. O segundo
argumento dos partidos europeus é que, mesmo que a extrema-direita aumente a
sua representação no Parlamento Europeu (aumentou e de que maneira), a maioria
ainda pertence aos partidos pró-europeus (PPE, socialistas, liberais), mesmo
que possam descer de 70 para 60% dos eurodeputados. A questão é que as
consequências desta vaga extremista vão ser sentidas sobretudo a nível
nacional. “Vão influenciar ainda mais as agendas dos respectivos governos e da
sua acção no espaço europeu”, diz Jean Techau, do Carnegie Europe.” “[Os
partidos europeus] tenderão a agir cada vez mais em função das opiniões
públicas nacionais, dificultando ainda mais o consenso europeu”.
A ilusão também
está no que quer dizer o “fim da crise”. O euro foi salvo, mas a economia está
muito longe de recuperar a sério. A Finlândia entrou de novo em recessão por
causa da crise na Ucrânia (a Rússia é o seu maior cliente) e perdeu a Nokia (a
Europa está a perder qualquer vantagem tecnológica para os EUA). O crescimento
da União ficou-se em metade das previsões para o primeiro trimestre. Duas
grandes economias não conseguem arrancar: a França e a Itália. A deflação ainda
é um risco real. A desigualdade veio para ficar. Os “passageiros frequentes”,
na expressão do sociólogo alemão Wolfgang Merkel, adaptam-se facilmente à
globalização. Os “comunitários” tornam-se perdedores. São estes, que não vão
desaparecer, que alimentam os extremismos. O proteccionismo é um risco (como se
vê em França): os extremos têm em comum a rejeição da Parceria Transatlântica
para o Comércio e o Investimento que a União está a negociar com os EUA. São os
novos amigos de Putin, que olham com admiração, como já disse Nigel Farage, o
líder do UKIP britânico. Argumentam que a Rússia é fundamental para quebrar a
dependência em relação aos Estados Unidos. Não gostam da tolerância das
sociedades europeias e preferem a “moral” do regime autoritário de Putin. “A
Rússia é obviamente a principal alternativa à hegemonia americana”, diz o
filósofo francês Alain Benoist, que se reclama da nova direita. Defendem uma
Eurásia de Vladivostock a Lisboa.
4. Segunda
constatação fundamental: a direita voltou a ganhar à esquerda. A Itália é uma
excepção, com Matteo Renzi, o jovem líder do Partido Democrático que chegou ao
poder há dois meses, a aguentar muito bem a pressão do Cinco Estrelas de Beppe
Grillo, conseguindo quase 40% dos votos. O PASOK quase desapareceu na Grécia e
os trabalhistas irlandeses, que integram a coligação, foram os maiores
perdedores. Ed Miliband não consegue afirmar-se como alternativa aos
conservadores. Em Portugal, o PS não conseguiu capitalizar, nem de perto nem de
longe, os custos da austeridade. Em Espanha, Mariano Rajoy voltou a ganhar. A
crise deixou a social-democracia com apenas duas opções dilacerantes: aceitar a
receita da austeridade ou radicalizar o discurso contra ela, sabendo que não
pode ultrapassar certos limites se quer chegar ao poder e preservar o euro.
Perdeu credibilidade enquanto alternativa. Viu parte do seu eleitorado
tradicional – onde se incluem os marginalizados da globalização – ser atraído
pelo discurso da extrema-direita. Não consegue adaptar-se às novas condições
económicas geradas pela globalização, que estão a pôr em causa a sua grande
obra no pós-guerra: o Estado social.
Se, depois disto,
os políticos europeus ainda acreditam que tudo vai acabar bem, então a Europa
corre mesmo o risco de ser derrotada.
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