UKIP, o partido que começou como
uma piada, pode ficar em primeiro
O partido anti-União Europeia sobe cada vez mais, mas o verdadeiro vencedor
é a abstenção, numas eleições em que até apoiantes da União Europeia hesitam se
irão votar
Europa em onze
paragens (10) Maria João Guimarães (texto) e Joana Bougard (fotos), em Londres
/ PÚBLICO
Quando pensa na
situação de hoje, Steve abana a cabeça e abre muito os olhos azuis. “O UKIP
começou como uma piada. Ninguém os levava a sério!”, garante, em frases curtas,
o frenético londrino.
“É assustador ver
que as pessoas realmente votam neles”, comenta Steve, que se descreve a brincar
como “um anónimo encontrado na estação de Tooting”, Sul de Londres, já na zona
três do metro, ou seja, já bastante longe do centro. Também diz que é “leigo”
em política, mas percebe por que é que as pessoas se viraram para este partido:
“Eu, por exemplo, sempre votei Lib Dem — porque trabalhistas e conservadores
estão praticamente iguais. Mas não gosto do que fizeram no Governo. Votar neles
deixou de ser uma opção para mim, e também para muita gente.”
Numa altura em
que os políticos parecem não dizer nada a ninguém, Nigel Farage, o líder do
UKIP (UK Independence Party) parece alguém que tem um ideal a defender. “Não é
desculpa, mas acho que é uma justificação”, diz Steve, antes de ir embora
apressado — mesmo em Tooting, Londres ainda parece um formigueiro acelerado.
Passamos do Sul
de Londres para o Norte, e já o sol se pôs quando chegamos ao pub Old Dairy,
onde um grupo de amigos ligados por uma empresa de programação se junta para
beber umas cervejas antes do início da semana de trabalho, ocupando uma longa
mesa na sala de jantar do pub, pontuada por copos de pints.
“Não sei se
seremos grande ajuda”, diz logo Alienor Davies e o colega Tom (ele prefere ser
tratado apenas pelo primeiro nome). Os dois parecem bastante diferentes: ela de
brinco no nariz e braço tatuado, ele de camisa e corte de cabelo impecável. Mas
partilham o desinteresse pela política. “Para ser sincera, não sigo nada”, diz
ela. “Desisti de ter uma opinião”, diz ele.
“Perdi a fé na
política”, diz Alienor, de 35 anos. “Não acho que nos dêem toda a informação.
Mesmo se seguisse, mesmo que tivesse uma opinião, eles fariam o que quisessem”,
explica. “Já fui a manifestações de coisas que me interessavam, já perdi a fé.
Não tenho interesse, não leio, não sigo”, resume.
Alienor é filha
de pai britânico e mãe francesa. Mas não é por isso que tem especial entusiasmo
pela ideia da União Europeia. “Aqui somos muito cautelosos com a velocidade a
que vamos. Nunca entrámos no euro, e hoje estamos aliviados por isso.”
Já Tom é um
desconfiado por natureza. Por exemplo, em relação à União Europeia: “Tudo mudou
tanto desde que nos juntámos.” Mas será que seria melhor não se terem juntado?
“É uma questão aberta. Projecta-se nela tudo o que se pensa.” Pessoalmente, não
sabe “qual seria a alternativa”. Também desconfia das sondagens que dão tanta
popularidade ao UKIP. “Vi algumas coisas mas não sei se acredito. Gostava de ver
pesquisas mais fundamentadas”, diz.
O poder da
personalidade
Matthew Harmer,
de 44 anos, terapeuta ocupacional e “verdadeiro londrino” (algo que constata
sem emoção especial), chega no final da conversa e diz que também tem
interrogações. “Vejo esses números sobre o UKIP nas sondagens e pergunto-me se
será verdade”, observa. “Faz-me pensar o que saberão as pessoas sobre
política!”
Ao contrário de
Alienor e Tom, ele segue atentamente a situação do país. “Na geração do meu
pai, ou se era trabalhista ou conservador. Agora, parece que a divisão é entre
o centro e os populistas”, diz. Pega no exemplo de Boris Johnson, o popular
presidente da Câmara de Londres, uma personagem. “Não me parece que seja um
caso
de pertença a um
partido político, mas uma questão de popularidade de um candidato.” Neste
aspecto, Farage, com o seu casaco de tweed e cerveja na mão, é comparável ao
louro e cómico Boris Johnson.
“Penso que, se as
pessoas soubessem o que realmente defende Farage, ficariam horrorizadas. Todo o
conceito de exclusão, de olhar só para dentro”, descreve. “Mas Farage
apresenta-se como um político com um sentido claro do que quer e do que
representa, e os outros não”, conclui Matthew.
Farage tem
conseguido sobreviver a tudo. O antipolítico que critica os políticos e os seus
gastos está embrulhado no seu próprio escândalo de despesas — mas isso não
afecta a ascensão do UKIP nas sondagens. As acusações de racismo feitas ao
político anti-imigração não têm enfraquecido o UKIP. Não há semana em que não
apareça uma frase polémica de um candidato do UKIP nas redes sociais, seguida
de desmentidos e contexto, ou em que não apareça um exemplo de hipocrisia do
partido, como um candidato que empregava imigrantes ilegais. Mas isso não tem
alterado nada na popularidade do UKIP.
Comentando no
diário britânico The Guardian, um candidato londrino dos Verdes, Charles
Harris, dizia: “A vossa campanha contra o UKIP tem tido tanto sucesso, podemos
ter uma campanha contra o voto nos Verdes?”
O UKIP surgiu, e
mantém-se, como um partido cuja base é a defesa da saída do Reino Unido da UE:
“um voto no UKIP é um voto para deixar a União Europeia e recuperar o poder
sobre a vida nacional [dos britânicos]”.
Segundo o
Guardian, esta estratégia assenta no facto de que a oposição à União Europeia é
dos poucos pontos que juntam todo o eleitorado do UKIP (embora no inquérito não
tivesse sido colocada qualquer questão sobre imigração).
O antieuropeísmo
não é imutável: mais de metade dos britânicos disseram numa sondagem do
instituto Ipsos Mori que preferiam permanecer na União Europeia, e apenas 37%
votariam a favor de uma saída num referendo que David Cameron prometeu, caso
fosse reeleito em 2015. No final de 2012, 48% disseram que votariam por uma
saída e 44% pela continuação.
No entanto, se o
resultado previsto do UKIP nestas eleições europeias impressiona — a
verificar-se o primeiro lugar, seria a primeira vez que um partido que não o
Trabalhista ou o Conservador consegue o primeiro lugar numas eleições nacionais
desde antes da I Guerra Mundial —, os jornais titulam o óbvio: o vencedor real
é a indiferença. “Com sorte, a participação poderá ser pouco mais de 25%”, diz
o Telegraph.
Vamos até Hackney,
uma das poucas zonas de Londres que não têm uma estação de metro e que ganhou
reputação pela sua mistura social explosiva. Hoje já não é assim e agora até é
cool viver aqui.
Ann, de 28 anos,
produtora de programas de televisão, é uma das habitantes do bairro e não podia
estar mais contente. Bebe um chá no Black Cat, um “café activista” (é gerido
por uma associação sem fins lucrativos que quer promover um estilo de vida
vegan e de produtos locais, e tem ainda livros — uma miúda na mesa ao lado lê
Anarchy in Comics), e defende activamente a União Europeia: “Penso que
pertencer à UE beneficiou muito o Reino Unido.” “O eurocepticismo cresceu com a
recessão, mas sozinhos estaríamos muito pior”, diz. Não é claro se esta defesa
se vai traduzir num voto. Ann franze um pouco o nariz, fazendo mexer os óculos
de massa. “Ainda não pensei nisso. Não tenho seguido a campanha. Talvez vá
votar. Costumo votar, por isso sim, talvez vá”, diz, sem grande convicção. Esta
é a décima de 11 paragens na Europa que vai a votos. Amanhã,
Bruxelas.
Estará a maré a virar contra
Farage?
Maria João
Guimarães / 20-5-2014 / PÚBLICO
A imprensa
britânica debate: estará a maré a virar para o UKIP? E, se sim, será que já não
virou demasiado tarde? A maioria das sondagens continua a prever um espantoso
primeiro lugar para o partido anti-União Europeia e antiimigração: 30%, com 28%
para os trabalhistas e 22% para os conservadores (uma excepção é a sondagem do
Telegraph, que projecta o Labour com 29%, os tories com 26% e o UKIP com 25%).
Mas um episódio
parece ter quebrado a barreira teflon do UKIP, que denuncia cada escândalo como
parte da conspiração mediática contra si, mantendo assim a imagem de ser um
partido à parte.
Na sexta-feira,
mesmo na recta final da campanha, a menos de uma semana para a votação (que no
Reino Unido se realiza na quinta-feira, dia 22), e os votos por correspondência
já entregues, o líder do partido foi pressionado por um entrevistador sobre as
suspeitas de despesas e sobre a sua posição em relação aos estrangeiros. O
entrevistador perguntou a Farage se mantinha a afirmação de que o incomodava
ouvir outras línguas que não inglês em comboios britânicos, questionando-o
sobre que língua falam a sua mulher, que é alemã, e os filhos. Farage disse que
pensava que os três falariam inglês nos transportes públicos. E se um grupo de
alemães se mudasse para a casa ao lado da sua, incomodavase tanto como se fosse
um grupo de romenos? “Acho que sabe bem a diferença”, respondeu Farage.
A polémica
estourou e até o tablóide Sun fez um editorial contra o líder do UKIP: “Não é
racista preocuparse sobre o impacto de milhões de imigrantes na Grã-Bretanha,
como temos vindo a argumentar há anos”, diz o jornal. “É racista dizer mal de
romenos só por serem romenos.”
Tentando reagir
ao que foi claramente um desastre (a entrevista acabou interrompida a dada
altura por um assessor do partido), o UKIP publicou um anúncio de página
inteira no Telegraph: uma carta de Farage (“Caro cidadão do Reino Unido”,
começa) em que este se defendia contra “a previsível tempestade de protestos e
acusações de racismo”. Porque “não é racista querer impedir gangues de crime
organizado de destruir o nosso modo de vida — é senso comum!”. Mas o líder do
UKIP veio entretanto dizer que estava já cansado quando fez o comentário e que
o que queria dizer não lhe saiu da melhor maneira.
Até agora, mais
britânicos têm visto o partido de Farage como uma formação com “tendência a
atrair candidatos com pontos de vista racistas, radicais ou estranhos” (35%) do
que claramente racista (27%), enquanto pensam que eles “simplesmente dizem o
que as pessoas comuns pensam realmente” (26%), segundo uma sondagem do YouGov.
Sem comentários:
Enviar um comentário